"Pravda": Em sua fase Maoísta, Godard fez um dos filmes mais politizados e ideológicos de sua carreira!

"Pravda": Em sua fase Maoísta, Godard fez um dos filmes mais politizados e ideológicos de sua carreira! - Marcos Doniseti!
'Pravda' (1969): Filme foi realizado de forma clandestina na Tchecoslováquia, entre Março e Abril de 1969, sete meses depois da invasão do país pelas tropas do 'Pacto de Varsóvia'. Nele, Godard, JH Roger e Paul Burron criticam duramente tanto o governo soviético, quanto o tcheco, dizendo que ambos são 'Revisionistas'.

A produção de 'Pravda'!

Entre 1968 e 1972, o grande nome da Nouvelle Vague, Jean-Luc Godard, fez parte do 'Grupo Dziga Vertov', que se propunha não apenas a fazer filmes políticos, mas a fazer filmes politicamente (frase de Godard). 

O 'Grupo Dziga Vertov' procurou romper os laços com a indústria cinematográfica tradicional, bem como com a ideia de 'Cinema Autoral'.

Assim, ele se constituiu em uma unidade de produção e exibição dos filmes que realizava, ao mesmo tempo em que procurava-se trabalhar de forma coletiva com, no mínimo, duas pessoas sendo responsáveis pela produção dos filmes. 

Além disso, os filmes do 'GDV' tinham um claro conteúdo ideológico, sendo baseado nos princípios Marxistas, Leninistas e Maoístas e visavam, essencialmente, a promover uma formação política e ideológica voltada para estudantes e operários, a fim de convencer os mesmos a levar adiante um projeto de Revolução Socialista. 

'Pravda' foi realizado entre Março e Abril de 1969, de forma clandestina, na Tchecoslováquia, que havia sido invadida, em Agosto de 1968, por tropas do 'Pacto de Varsóvia', o que colocou fim à experiência da chamada 'Primavera de Praga', processo de mudanças democráticas que foi liderado pelo próprio Partido Comunista que governava o país desde o final da Segunda Guerra Mundial. 

A produção do filme foi financiada  de responsabilidade de Godard, Jean-Henri Roger e Paul Burron, que viajaram para a Tchecoslováquia em um momento em que o país tentava voltar à normalidade após a invasão. A precariedade das condições em que as filmagens foram realizadas fica clara na qualidade das imagens, que foram feitas em 16mm. Inclusive, há um reconhecimento disso já no início do filme, quando é dito que a cor do mesmo é ruim.

"Pravda" é uma palavra russa que significa "Verdade" e era, também, o nome do jornal oficial do Partido Comunista da União Soviética, que foi fundado pelos Bolcheviques em Maio de 1912 e que usava o mesmo nome de um extinto jornal que havia sido criado por Mencheviques ucranianos em 1905.

'Pravda' (1969) é um filme no qual a realidade da Tchecoslováquia é analisada criticamente por meio das ideias de Mao Tse-Tung, que era visto como o mais importante líder Socialista revolucionário do período.

O Cinema e a situação política na Tchecoslováquia!
 
É bom ressaltar que a Tchecoslováquia, diferente de outros países do 'Bloco Soviético', já contava com uma forte e desenvolvida indústria (metalúrgica, armamentos, veículos) antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, sendo o país mais desenvolvido industrial e tecnologicamente da Europa Centro-Oriental. 
 
A Tchecoslováquia também possuía uma numerosa classe operária, que era muito bem organizada e atuante politicamente, contando com fortes e organizados partidos 'Social Democrata' e 'Comunista'. Isso acontecia porque o país era o único do Leste Europeu (com a exceção da URSS) que possuía uma economia industrial moderna.
 
E além de ser uma nação industrializada, a Tchecoslováquia também era uma Democracia Liberal e também era bastante urbanizado antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, contando ainda com um Exército muito bem treinado e equipado.
 
Nos primeiros anos do Pós-Guerra o país contou com um governo que representava os vários setores da sociedade (burgueses, classe média, operários, camponeses), mas com o início da Guerra Fria acabou se impondo o monopólio do poder do Partido Comunista, tal como nos países do Ocidente (Itália, França, Grécia) tivemos governos controlados apenas pela Burguesia.
 
Apesar disso, após a morte de Stalin e com o início da chamada 'desestalinização', durante o governo de Nikita Kruschev (1953-1964), a partir da segunda metade da década de 1950 o país passou a contar com uma significativa e relevante produção cinematográfica, que deu origem, nos anos 1960, à chamada 'Nova Onda Tchecoslovaca'. 
 
Com isso, tivemos a formação de uma nova geração de cineastas como Milos Forman, Jirí Menzel, Jaromil Jires, Vera Chytilová (que aparece em 'Pravda'), Juraj Jakubisko, Jan Nemec, Juraj Herz e Frantisek Vlácil. 
 
Estes filmes faziam críticas ao modelo de Estado e de Sociedade vigentes no país e acabaram, inegavelmente, contribuindo para que a população do país começasse a exigir uma maior liberdade de expressão e de manifestação, contribuindo para a formação de uma consciência crítica por parte da população do país, o que irá resultar na chamada 'Primavera de Praga'.
 
Se a figura de Mao Tse-Tung era exaltada em 'Pravda', por defender a Revolução Socialista, os demais líderes soviéticos (Brejnev, Kossygin) e iugoslavo (Tito) eram duramente atacados por defender uma política de diálogo com o mundo Capitalista liderado pelos EUA.

A 'Primavera de Praga' - Um 'Socialismo com rosto humano'!
 
 
A 'Primavera de Praga', que se desenvolveu em 1968 sob o comando do próprio Partido Comunista do país e da liderança do líder eslovaco reformista Alexander Dubcek, tentou conciliar o sistema político de partido único do país com a garantia de liberdades individuais e coletivas (de expressão, imprensa, manifestação). 
 
As mudanças contavam com imensa participação popular e Dubcek se tornou um verdadeiro herói nacional ao comandar o processo de democratização. Dubcek dizia que o seu objetivo ao promover essas mudanças era o de construir um 'Socialismo com rosto humano', ou seja, ele não tinha a intenção de abandonar o Socialismo, mas de democratizar e liberalizar o mesmo.
 
Dubcek tampouco tinha a intenção de romper a sua aliança (política e militar) com a União Soviética e com o 'Bloco Socialista', pois em 1956 a Hungria sofreu uma intervenção militar da URSS justamente porque o seu governo anunciou que iria retirar o país do 'Pacto de Varsóvia'. Portanto, Dubcek fazia declarações que procuravam tranquilizar o governo da URSS, garantindo que a Tchecoslováquia não iria seguir o mesmo caminho da Hungria de 1956.
 
Porém, de forma cada vez mais acelerada, Dubcek e os líderes da 'Primavera de Praga' foram perdendo o controle da situação e as reivindicações populares foram se radicalizando e, com isso, os governos do 'Bloco Soviético', e não apenas da URSS, exigiram o fim da 'Primavera de Praga', o que levou à intervenção militar do 'Pacto de Varsóvia' no país.
 
A invasão aconteceu do país ocorreu em 21 de Agosto de 1968 e isso se deu muito em função das pressões dos governos do 'Bloco Soviético', liderado pela URSS, que temiam que as reformas democratizantes que ocorriam na Tchecoslováquia, influenciassem os acontecimentos em seus países (Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia), o que poderia levar à derrubada de seus governos. 
 
Os governos do 'Bloco Soviético' pressionaram muito Dubcek para que este revertesse as mudanças que promovia, mas o mesmo se recusou a fazer isso, o que levou à invasão do país pelas forças militares do 'Pacto de Varsóvia' (URSS, Polônia, Hungria e Bulgária). 
 
A invasão da Tchecoslováquia, em Agosto de 1968, pelas tropas do 'Pacto de Varsóvia', também é criticada duramente no filme, sendo que os realizadores do mesmo comparam a política da URSS em relação aos países do chamado 'Leste Europeu' com a política que os EUA adotam com relação à América Latina. Assim, eles dizem que enquanto os EUA são um país Imperialista, a URSS seria um país 'Social-Imperialista'.
 
'Pravda' mostra que a Tchecoslováquia já havia alcançado um significativo nível de desenvolvimento industrial, possuindo muitas indústrias de aço, máquinas, veículos e armamentos, entre outras. Logo, era um país bastante urbanizado.
 
O Filme!

O filme foi encomendado por um canal de TV da então Alemanha Ocidental (West German Television) e é creditado ao 'Grupo Dziga Vertov', mas foi efetivamente realizado por Godard, Jean-Henri Roger e Paul Burron. 

No filme, eles analisam criticamente a realidade da Tchecoslováquia e fazem isso com base numa perspectiva Maoísta. Assim, eles fazem duras críticas ao regime soviético e ao próprio governo tchecoslovaco, bem como atacam o Imperialismo dos EUA. 


Afinal, naquela época, a política do governo chinês, liderado por Mao Tse-Tung, era o de promover a Revolução Socialista pelo mundo afora, o que o levava a entrar em conflito com os governos dos EUA e da URSS, que haviam adotado uma política de 'Coexistência Pacífica', por meio da qual as duas superpotências dividiram o mundo em esferas de influência que eram respeitadas por ambos. 


Godard, Roger e Burron viajaram para a Tchecoslováquia em Março de 1969 e filmaram o cotidiano do país, visitando fábricas, fazendas, universidades e conversando com algumas pessoas (caso da cineasta Vera Chytilová), incluindo operários, estudantes e camponeses a respeito da situação do país. 

O filme possui um tom fortemente político e ideológico e que vai do começo ao fim, sendo marcado por um discurso Maoísta bastante sectário e bastante radical. Assim, ele acaba sendo caracterizado por quase uma hora de discursos agressivos que condenam as políticas do governo soviético e tchecoslovaco como sendo 'Revisionistas'.
 
'Pravda' mostra o cotidiano dos trabalhadores tchecos, incluindo o trabalho dos camponeses do país.

Esse 'Revisionismo' se desenvolveria, segundo os Maoístas que se envolveram na realização do filme (Godard, Roger e Burron), porque os governos da URSS e da Tchecoslováquia, bem como dos demais países que formavam o então 'Bloco Soviético' europeu (Polônia, Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Bulgária), teriam abandonado o projeto de implantar o Socialismo por meios revolucionários, preferindo adotar uma política de 'Coexistência Pacífica' com os países Capitalistas. 

Os maoístas repetiam muito uma afirmação feita por Mao Tse-Tung de que as armas nucleares e o Imperialismo seriam meros 'Tigres de Papel'. Aliás, junto com Marx e Lenin, Mao Tse-Tung é o único líder marxista revolucionário que é poupado de críticas no filme, enquanto que Brejnev e Kossygin (líderes da URSS), Tito (líder da Iugoslávia), Dubcek (líder da 'Primavera de Praga') e Gustav Husak (que passou a governar a Tchecoslováquia a partir de 1969) eram duramente criticados.

Por isso mesmo é que vemos, em 'Pravda', críticas duras à própria 'Primavera de Praga', sendo exibidas imagens de manifestações populares entusiasmadas que contavam com a participação de Dubcek e nas quais eram exibidas bandeiras dos EUA. 

Logo, é natural que, em função do Maoísmo ultrarradical que era professado pelos realizadores do filme, tal movimento de liberalização não fosse bem visto pelos mesmos, que desconfiavam que ele poderia abrir caminho para a volta do Capitalismo no país. 

Inclusive, o cineasta Milos Forman, um dos principais do país e que era um dos mais importantes membros da 'Nova Onda Tcheca', acabou sendo criticado em 'Pravda' pelo fato de que o mesmo tinha ido para os EUA filmar para um dos grandes estúdios (a Paramount), o que era visto como uma forma de colaboração com o Imperialismo ianque.
 
Cenas noturnas de Praga mostram a presença de empresas estrangeiras na economia da Tchecoslováquia.

Por estes motivos é que Godard, Roger e Burron dizem, em 'Pravda', que tanto os líderes soviéticos, quando os líderes reformistas que lideram a 'Primavera de Praga' seriam todos 'Revisionistas', pois nenhum deles tinha a intenção de levar adiante um projeto de Revolução Socialista, que era o que os Maoístas e o governo da China defendiam naquele momento. 

Inclusive, eles mostram que a Tchecoslováquia era um país que já havia sofrido uma certa penetração econômica de empresas capitalistas estrangeiras, que eram originárias dos EUA, Japão, Alemanha e Itália. 

Para derrotar desse projeto 'Revisionista', os realizadores de 'Pravda' defendem medidas drásticas, como a reeducação dos intelectuais, a expulsão dos 'Revisionistas' do partido e a livre organização dos trabalhadores, que deveriam assumir o controle do processo político, tirando a burocracia do comando. 

No filme, eles também defendem que os estudantes se aproximem dos operários, a fim de apoiar aos mesmos neste projeto revolucionário. Assim, os operários poderiam promover uma Revolução Socialista vitoriosa. 

É bom ressaltar que, antes da implantação do chamado Socialismo Real nestes países que formavam o 'Bloco Soviético', eles tinham fortes relações econômicas e comerciais com a Grã-Bretanha e com a França, para os quais exportavam minérios e alimentos e dos quais importavam capital, tecnologia e produtos industrializados, numa típica relação Neocolonial entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
 
'Pravda' mostra que a Tchecoslováquia já era uma Nação industrial moderna e urbanizada, o que era uma característica do país deste antes da Segunda Guerra Mundial.

Aliás, o alerta feito em 'Pravda' de que essas mudanças de caráter liberalizante na Tchecoslováquia, durante a 'Primavera de Praga', poderiam resultar na retomada do Capitalismo acabou se revelando profética, pois foi exatamente isso que aconteceu entre 1989-1991, quando as populações dos países do 'Bloco Soviético' derrubaram os governos locais. 

Isso aconteceu embora na época da 'Primavera de Praga' os líderes da mesma, principalmente Alexander Dubcek, afirmassem que eles não tinham a intenção de implantar o Capitalismo, mas de reformar e melhorar o Socialismo, dotando o mesmo de um 'rosto humano'. Mas a reforma do 'Socialismo Real' acabou se inviabilizando e isso foi fundamental para levar ao esgotamento do modelo, provocando o seu desmoronamento em 1989-1991.

Desta maneira, todos os países do extinto 'Bloco Soviético' voltaram a ser Capitalistas, e em um primeiro momento isso provocou uma brutal crise econômica e social, que gerou um forte aumento do desemprego, das desigualdades sociais, da pobreza e da prostituição em todos eles. 

Com isso, milhões de habitantes destes países migraram para a União Europeia, bloco ao qual os países do antigo 'Bloco Soviético' acabaram se integrando posteriormente. Assim, por exemplo, a Polônia, a Hungria e a Tchecoslováquia entraram para a União Europeia em 2004. Em 2007, por sua vez, foi a vez da Bulgária e da Romênia entrarem para a União Europeia. 
 
Operários tchecos foram entrevistados para o filme e contaram como era a vida deles: trabalhavam o dia inteiro, até as 18 horas, e depois saiam à noite, indo ao cinema ou a um 'café' para se divertir. Assim, o filme mostra que o cotidiano deles não era diferente da vida de um operário francês, alemão ou de qualquer outro país capitalista industrializado.

No filme, durante quase uma hora, temos dois jovens narradores (que nunca aparecem) cujos nomes (fictícios) são Vladimir e Rosa (referência a Lenin e Rosa Luxemburgo, é claro) e que fazem inúmeros comentários e análises políticas, de tom fortemente crítico, sobre a realidade da Tchecoslováquia.

O filme tenta mostrar que a Tchecoslováquia já não seria um país Socialista, pois recebia investimentos de empresas estrangeiras (dos EUA, Japão, Alemanha, Itália) e estimularia o consumismo, com o comportamento da população sendo bastante influenciado pela Publicidade, até mesmo na moda e na programação da TV e do Cinema, que estariam fortemente 'ocidentalizados', além de garantir privilégios para os governantes do país (veículos maiores e luxuosos, casas de campo).

Porém, também fica claro que a Tchecoslováquia era uma nação industrial moderna e urbanizada, com um povo bem educado, com empregos e com acesso a serviços públicos gratuitos mantidos pelo Estado (educação, saúde, alimentação, moradia, lazer) e que possuía um certo grau de integração à economia e à cultura estrangeiras, não apenas com a URSS, mas também com aquelas que são originárias dos EUA e da Europa Ocidental.

Portanto, quem assistiu a este filme na época já deve ter notado que o 'Socialismo Real' estava claramente em desvantagem quando comparado com o 'Capitalismo do Welfare State' (Estado de Bem-Estar Social) que vigorava nos países capitalistas avançados, ou seja, nos EUA, na Europa Ocidental, Canadá e Oceania.

Aliás, isso não deixa de ser irônico, pois o 'Welfare State' (Estado de Bem-Estar Social), tal como disse o historiador britânico Eric Hobsbawm, foi criado nos países Capitalistas avançados justamente como resposta ao avanço do Socialismo na Europa do Pós-Guerra, quando tivemos a formação e a consolidação do 'Bloco Soviético'.

E no Pós-Guerra nós também tivemos expansão do Socialismo na Ásia, quando a China promoveu a sua vitoriosa Revolução Socialista (1949) e países como Vietnã, Laos, Camboja (Indochina francesa) e a Coréia também lutavam para levar adiante suas próprias guerras de Independência e que estavam ligadas com projetos de se promover Revoluções Socialistas.
 
O filme mostra as bandeiras da Tchescolováquia e dos EUA lado a lado, o que é uma forma de mostrar que a economia e a política do governo do país eram muito influenciadas por ideias e elementos capitalistas.

'Pravda' e o Grupo Dziga Vertov!

É bom ressaltar que este 'Pravda' e os demais filmes deste período da carreira de Godard (a fase Maoísta, que durou de 1968 a 1972), quando ele integrou o Grupo Dziga Vertov, não se destinavam ao grande público, pois eles não foram feitos para emocionar as pessoas, para fazer com que elas rissem ou chorassem.

Nesta época, Godard e Gorin também tentaram romper todos os laços com a indústria cinematográfica que era controlada pelo Estado ou pelos Capitalistas. A criação do Grupo Dziga Vertov tinha, portanto, a finalidade de criar um sistema próprio, independente, de produção, distribuição e exibição de filmes. 

Mas, no fim das contas, muitos filmes deste período acabaram sendo produzidos sob encomendas de emissoras de TV, públicas e privadas, dos EUA (One A.M./One P.M.) e da Europa Ocidental. 

Assim, 'Le Gai Savoir' (1968) foi encomendado por um canal de TV francês (ORTF), 'British Sounds' (1969) foi produzido por encomenda de um canal de TV privado britânico (London Weekend Television') e 'Pravda' (1969) foi produzido por encomenda de uma emissora de TV da então Alemanha Ocidental (West German Television). 

Estes filmes tampouco foram feitos para exibição no circuito comercial ou para ganhar prêmios em Festivais ou receber elogios da crítica especializada. 

Godard somente iria retomar essa trajetória, mais convencional, que havia abandonado justamente em 1968, quando lançou o filme 'Sauve qui peut (la vie)', em 1980, no qual fica claro a sua reinvenção como cineasta. Assim, em 1980, ele deu início ao que o crítico Jonathan Rosenbaum, um grande estudioso da obra de Godard, denominou de 'Período Tardio' de sua trajetória.
 
Uma das críticas feitas à Tchecoslováquia neste filme é que o país estaria doente, pois havia sido contaminado por elementos de economia capitalista, como a presença da Publicidade. A reprodução dessa peça publicitária é usada como exemplo disso. 

Portanto, os filmes deste período Maoísta da carreira de Godard se destinavam a quem estivesse interessado em promover e estimular um projeto revolucionário Socialista de inspiração Maoísta e os mesmos priorizavam operários e estudantes envolvidos em lutas políticas e sociais. 

E foi justamente por isso que Godard e Gorin fizeram muitas exibições destes filmes em sindicatos e universidades e que, muitas vezes, eram seguidas de debates com o público.

Logo, estes filmes da fase Maoísta de Godard eram, essencialmente, de formação política e ideológica e é desta maneira que a produção desta fase da carreira de Godard deve ser vista e analisada. Eles também estão intimamente relacionados com aquele momento histórico, principalmente com as manifestações do Maio de 68 e com o cenário do Pós-Maio de 68. 

Logo, estes filmes também acabam se constituindo em importantes fontes de pesquisa e de conhecimento histórico daquele período, pois tratam de todas as questões que se encontravam em evidência naquele momento: Guerra do Vietnã, Contracultura, Movimento Estudantil, Lutas Operárias, Direitos Civis, Black Panthers, Psicodelismo, Feminismo, Nova Esquerda, Consumismo. 

Além disso, os filmes desta fase da carreira de Godard possuíam um forte caráter experimental, tanto com imagens, quanto com sons, e em 'Pravda' isso não é diferente. 

Esse caráter experimental sempre esteve presente na carreira de Godard, desde 'Acossado', e isso continua até os dias atuais. Para se constatar isso basta ver o seu mais recente filme ("Le Livre D'Image", 2018). Então, os filmes deste período Maoísta de Godard acabam sendo importantes também por estes aspecto.

Portanto, sem levar todos esses fatores em consideração estes filmes do período Maoísta de Godard jamais poderão ser devidamente compreendidos e a sua importância não terá como ser devidamente avaliada. 
 
Cena na qual vemos trabalhadores tchecos saindo do seu local de trabalho, o que lembra as filmagens feitas pelos irmãos Lumière nos primórdios do Cinema.

Lista de filmes da fase Maoísta de Godard!

1) Sympathy for the Devil/One Plus One (JL Godard; 1968);

2) Le Gai Savoir (JL Godard; A Gaia Ciência; 1968);
3) Cinétracts (JL Godard, P. Garrell, JP Gorin, C. Marker, A. Resnais, JD Bonan, G. Fromanger, J. Raynal e J. Loiseleux; 1968);
4) Um Filme Como os Outros (JL Godard; 1968);
5) One A.M./One P.M. (JL Godard, D. A. Pennebaker, R. Leacock; 1968-1971);
6) Amor e Raiva (Godard, Bertolucci, Pasolini, Lizzani, Belloccho e Elda Tattoli; 1969);
7) Pravda (JL Godard, JH Roger e P. Burron; 1969);
 
Vários filmes da fase Maoísta de Godard terminam com uma Bandeira Vermelha e em 'Pravda' acontece o mesmo.

8) British Sounds (JL Godard e JH Roger; 1969);
9) Vento do Leste (JL Godard e JP Gorin; 1970);
10) As Lutas Ideológicas na Itália (JL Godard e JP Gorin; 1970);
11) Até a Vitória (JL Godard e JP Gorin; inacabado; 1970-76);
12) Vladimir e Rosa (JL Godard e JP Gorin; 1970);
13) Tudo vai Bem (JL Godard e JP Gorin; 1972);
14) Letter to Jane (JL Godard e JP Gorin; 1972);
15) Ici et Ailleurs (JL Godard, JP Gorin e Anne-Marie Miéville; inclui 'Até a Vitória'; 1976).
 
Informações Adicionais!

Título: Pravda;
Diretor: Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger e Paul Burron;
Roteiro: Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger e Paul Burron;
Duração: 59 minutos;
País de Produção: Alemanha Ocidental;
Filmagens: Tchecoslováquia;
Ano de Produção: 1969.
Gênero: Documentário.
 
Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin na fase em que participaram do 'Grupo Dziga Vertov'.

Links:

'Pravda' - O noticiário abstrato de Godard:

Godard e a 'Primavera de Praga':

O significado histórico da 'Primavera de Praga':

Comentários