'Os 7 de Chicago' (Aaron Sorkin; 2020) - A Guerra do Vietnã, os Democratas e seus eleitores rebelados! - Marcos Doniseti!
'Os 7 de Chicago' (Aaron Sorkin; 2020) - A Guerra do Vietnã, os Democratas e seus eleitores rebelados! - Marcos Doniseti!
'The Trial of the Chicago 7' (2020), dirigido por Aaron Sorkin, que conta com um ótimo elenco. |
"Na primavera de 1968, as manifestações universitárias tinham virado, um acontecimento tão corriqueiro nos Estados Unidos, com cerca de 30 escolas por mês entrando em erupção, que até estudantes de escolas secundárias e dos últimos anos do ginásio aderiam às manifestações... Os manifestantes achavam que, nos constantes protestos, eles precisavam fazer mais do que apenas desfilar carregando um cartaz, a fim de aparecer nos jornais. Um prédio tinha de ser tomado, algo tinha de ser fechado".
Obs: Informações retiradas do livro "1968 - O Ano que Abalou o Mundo", de Mark Kurlansky, páginas 117 e 118.
Há poucos dias eu assisti ao filme 'Os 7 de Chicago', uma caprichada produção da Netflix, que trata da brutal repressão promovida pela polícia da cidade e pela Guarda Nacional contra os manifestantes que protestaram durante a Convenção Nacional do Partido Democrata, que se realizou entre 26 e 29 de Agosto de 1968.
A Convenção dos Democratas escolheu Hubert Humphrey, vice de Lyndon Johnson, como o candidato do partido à Presidente. Lyndon Johnson (Democrata) era um presidente muito impopular, com um índice de aprovação muito baixo, em torno de 30%, motivo pelo qual ele nem tentou a reeleição em 1968.
E essa impopularidade de Lyndon Johnson devia-se à Guerra do Vietnã, que se tornou profundamente impopular durante o ano de 1968, em especial após a chamada 'Ofensiva do Tet', promovida pelos Vietcongues (guerrilheiros comunistas e nacionalistas do Vietnã do Sul) que começou em 30/01/1968.
Essencialmente, os manifestantes antiguerra eram todos eleitores de perfil mais jovem e progressista dos Democratas (que nos EUA são chamados de Liberais) e que se revoltaram contra a escalada e a brutalidade da criminosa Guerra do Vietnã.
Um dos grandes motivos para esses protestos da juventude é que o serviço militar nos EUA, naquela época, era obrigatório e muitos jovens universitários estavam sendo convocados para se alistar nas Forças Armadas. E o número de militares dos EUA que voltava do Vietnã mortos ou gravemente feridos, ou até mutilados, aumentava a cada semana.
Assim, no dia 14 de Março de 1968 o comando militar dos EUA informou que, na semana anterior, 509 soldados do país morreram no Vietnã, enquanto que outros 2.766 havia ficado feridos. Assim, o número total de baixas (mortos e feridos) dos EUA na Guerra do Vietnã, desde 03/01/1961, chegava a 139.801, dos quais 19.670 eram de mortos.
E no dia 16 de março de 1968 a 23a. Divisão de Infantaria promoveu um massacre horripilante na vila de Son My, assassinando 500 civis vietnamitas desarmados. A maioria das mortes ocorreu na vila de My Lai. Os militares dos EUA assassinaram a todos, indiscriminadamente, incluindo idosos, mulheres, crianças e até bebês.
Durante este massacre, também ocorreram muitos casos de mulheres vietnamitas que foram estupradas pelos militares dos EUA, que também mataram o gado e o atiraram nos poços, para envenenar a água.
Vietcongues lutando contra as Forças Armadas dos EUA e contra o Exército do governo militar fantoche do Vietnã do Sul. |
E os militares dos EUA também atiraram explosivos para dentro dos abrigos contra bombas debaixo das casas, onde os camponeses estavam escondidos. Aqueles que saiam dos abrigos e tentavam escapar, para evitar os explosivos, foram assassinados. E as casas dos camponeses foram todas queimadas.
Obs: Estas informações sobre o número de militares dos EUA mortos e feridos no Vietnã e a respeito do massacre de Son My/My Lai foram retiradas do livro "1968 - O Ano que Abalou o Mundo', de Mark Kurlansky, páginas 148-149.
Esta escalada, tanto em número de combatentes dos EUA no Vietnã, quanto nos crimes e atrocidades cometidos pelos militares dos EUA, começou durante o governo Lyndon Johnson, após o falso Incidente do Golfo de Tonkin, que ocorreu no início de agosto de 1964, que foi fabricado pelos militares dos EUA para justificar o envio de centenas de milhares de soldados para combater no Vietnã.
Os manifestantes se dividiam, essencialmente, em vários grupos:
A) Estudantes universitários liderados por Tom Hayden e Rennie Davies , que eram líderes do SDS (Estudantes por uma Sociedade Democrática), a principal entidade representativa dos estudantes universitários dos EUA, que desejavam apenas protestar contra a guerra pacificamente, mas que acabaram reagindo à brutalidade da Polícia e da Guarda Nacional;
Imagem que mostra a repressão brutal da Polícia de Chicago contra os jovens que protestavam contra a Guerra do Vietnã durante a convenção do Partido Democrata na cidade. |
B) Os líderes do Yippie (Partido Internacional da Juventude), dos irônicos e antiautoritários Jerry Rubin e Abbie Hoffman, que foram os mais sarcásticos e provocadores durante o julgamento, sempre ironizando as falas e comportamentos do juiz Julius Hoffman.
Eles usavam de técnicas teatrais para atrair o público e a atenção da mídia nas manifestações, sendo muito bons no que faziam, embora isso gerasse críticas de outros segmentos do movimento antiguerra (caso do SDS), que preferiam uma postura mais séria. O filme mostra bem esses conflitos.
C) Black Panthers, que foram representados por Bobby Seale, que foi um dos fundadores do partido revolucionário e marxista, junto com Huey P. Newton, e que ficou poucas horas na cidade e não teve qualquer envolvimento nos acontecimentos violentos (estes, aliás, foram iniciados pela Polícia de Chicago, por ordens do próprio prefeito Democrara (Richard Daley).
Mesmo assim, Bobby Seale sofreu falsas acusações de envolvimento nos atos de violência que ocorreram na cidade e inicialmente ele foi julgado sem ter um advogado de defesa presente (seu advogado tinha feito uma cirurgia e não podia comparecer ao tribunal).
E a postura de Bobby Seale durante o julgamento, de não aceitar ser julgado sem possuir um advogado de defesa no tribunal, levou o juiz Hoffman, que claramente antipatizava com os réus, a adotar medidas brutais, como a de mandar amarrar e colocar um pano na boca de Seale, fato este que deixou a todos perplexos.
No fim, isso terminou quando o próprio promotor Richard Schultz pediu para que as acusações contra Seale fossem retiradas. E assim os '8 de Chicago' tornaram-se os '7 de Chicago'.
Originalmente, os 7 de Chicago eram 8: Jerry Rubin, Abbie Hoffman, Tom Hayden, Rennie Davis, Bobby Seale, Lee Weiner, John Froines e David Dellinger. |
D) Um outro grupo Pacifista que
é formado por um homem de meia-idade chamado David Dellinger e outros
dois jovens, Lee Weiner e John Froines, que mal sabiam os motivos pelos quais
tinham sido presos e que acabaram sendo absolvidos.
Resumindo: O prefeito de Chicago, Richard Daley, que era do Partido Democrata e apoiava Humphrey, decidiu mobilizar uma imensa força policial, e também a Guarda Nacional, para reprimir os jovens que estavam se mobilizando para ir até Chicago com o objetivo de protestar contra a continuidade da Guerra do Vietnã.
Os manifestantes queriam que a guerra fosse encerrada o quanto antes, o que era rejeitado pelo governo de Lyndon Johnson e pelas lideranças do Partido Democrata, bem como pelos militares e pelas grandes indústrias bélicas do país, que constituíam o poderoso e influente 'Complexo Industrial Militar'.
O filme é muito bom em mostrar quais foram os principais motivos dos protestos, bem como a existência de vários movimentos que organizaram os mesmos, além de explicitar as diferenças existentes entre eles, principalmente entre o líder estudantil Tom Hayden (do SDS) e o 'Yippie' Abbie Hoffman.
Assim, enquanto os pacifistas e os estudantes do SDS queriam evitar qualquer ato de violência, Jerry Rubin e Abbie Hoffman queriam fazer exatamente o contrário, ou seja, provocar as forças policiais para que elas reprimissem brutalmente aos manifestantes para que, desta maneira, essa violência policial fosse amplamente divulgada pela mídia.
Essa era uma estratégia usada pelo movimento dos Direitos Civis, cujo principal líder foi Martin Luther King Jr. (que foi assassinado em 04/04/1968, ou seja, 4 meses antes da Convenção Democrata), nos primeiros anos da década e foi fundamental para se conquistar o apoio popular para o movimento.
Essa estratégia foi vitoriosa e resultou na aprovação das Leis que reconheceram aos negros dos EUA os mesmos direitos civis dos brancos (pelo menos no papel... na prática, isso ainda está longe de acontecer).
Logo, Abbie Hoffman queria usar o julgamento para, por meio da criação de situações bastante teatrais e midiáticas, que recebessem grande cobertura da mídia, conseguissem atrair o apoio popular para o movimento antiguerra. E no filme fica claro que Tom Hayden discordava dessa estratégia, entendendo que ela prejudicava a luta contra a guerra e por maior justiça social nos EUA.
O talentoso diretor Aaron Sorkin alterna os vários momentos, mostrando desde a preparação dos protestos, passando pela brutal repressão promovida pela Polícia de Chicago e pela Guarda Nacional, com cenas do julgamento dos envolvidos na organização dos mesmos, que foram os chamados '7 de Chicago'.
O excelente Frank Langella interpreta o juiz Julius Hoffman, cuja postura autoritária acabou gerando reações irônicas dos réus, principalmente de Abbie Hoffman. |
Joe Biden X Lyndon Johnson - A história se repete!
E no final, tivemos a recusa dos líderes do Partido Democrata em aceitar a participação dos líderes e militantes do movimento antiguerra na Convenção do partido, deixando o diálogo de lado e partindo para promover uma brutal repressão policial contra os manifestantes.
Essa política pró-Guerra do Vietnã do Partido Democrata acabou sendo fatal para o candidato do partido (Hubert Humphrey), que foi derrotado por Richard Nixon na eleição presidencial de 05/11/1968.
Nixon, um político muito conservador, que havia sido vice de Eisenhower e havia perdido a eleição para John Kennedy em 1960, conquistou 31,7 milhões de votos, contra 31,2 milhões de votos de Humphrey. E ainda tivemos uma segunda candidatura oposicionista, que foi a do mais conservador George Wallace, que conquistou 9,9 milhões de votos.
Aliás, o governo Biden e o Partido Democrata estão cometendo o mesmo erro neste exato momento, pois estão apoiando incondicionalmente ao Estado de Israel no processo de limpeza étnica que o mesmo está promovendo contra os Palestinos na Faixa de Gaza.
Segundo pesquisa realizada pela 'NBC News' (entre 10 e 14 de novembro), que apoia o governo Biden, essa política pró-Israel do seu governo é reprovada por expressivos 41% do total dos eleitores Democratas. E entre os mais jovens, na faixa dos 18-34 anos, a rejeição da política pró-Israel de Biden é muito maior e atinge os 70%.
E são justamente estes jovens eleitores que estão saindo às ruas nas grandes cidades dos EUA (Nova York, Los Angeles, Chicago, Washington, Dallas, etc) para protestar contra essa política pró-Israel e que defendem os direitos do povo Palestino. Slogans em defesa de um cessar fogo imediato e da liberdade do povo Palestino são gritados o tempo inteiro pelos manifestantes.
E a pesquisa da 'NBC News' também mostra que entre os eleitores mais jovens, na faixa dos 18-34 anos, Biden chega a ser derrotado por Trump (por 46% X 42%), o que representa uma grande mudança em relação à eleição de 2020, quando ele derrotou Trump por expressivos 24 pontos de vantagem na eleição.
Essa mudança de comportamento entre os eleitores mais jovens ocorreu justamente após o início da limpeza étnica que é promovida por Israel contra os Palestinos na Faixa de Gaza, que está sendo transmitida diretamente para os smartphones de bilhões de pessoas no mundo inteiro, por meio das redes sociais (casos do 'X', ex-Twitter, e do Tik Tok).
Então, este é um filme altamente recomendável, até porque ele também ajuda a entender as imensas e numerosas e imensas manifestações que estão ocorrendo nos EUA e na Europa (Londres, Washington, Los Angeles, Chicago, Nova York, Berlim, etc) contra as ações do Estado de Israel, contra os Palestinos, na Faixa de Gaza, que já resultaram na morte de mais de 20 mil palestinos, sendo que a maioria absoluta é de mulheres, crianças e bebês.
Afinal, o filme deixa claro que sempre existiram segmentos bastante representativos da população dos EUA e da Europa (além dos EUA, também aconteceram imensas manifestações na Europa contra a Guerra do Vietnã) que eram contrários à Guerra do Vietnã e que, agora, se mobilizam contra a limpeza étnica que o Estado de Israel e os EUA promovem contra os Palestinos.
O julgamento dos 7 de Chicago atraiu grande atenção da mídia e do público. |
Informações Adicionais!
Título: The Trial of the Chicago 7 (Os 7 de Chicago);
Diretor: Aaron Sorkin;
Roteiro: Aaron Sorkin;
Duração: 130 minutos;
Ano de Produção: 2020; País de Produção: EUA;
Música: Daniel Pemberton;
Fotografia: Phedon Papamichael;
Edição: Alan Baumgarten;
Elenco: Eddie Redmayne (Tom Hayden); Sacha Baron Cohen (Abbie Hoffman); Jeremy Strong (Jerry Rubin); Yahya Abdul Mateen II (Bobby Seale); Joseph Gordon-Levitt (Promotor Richard Schultz); Frank Langella (Juiz Julius Hoffman); Ben Shenkman (Leonard Weinglass); Mark Rylance (William Kunstler); Kelvin Harrison Jr. (Fred Hampton); John Doman (John Mitchell); Danny Flaherty (John Froines); Alex Sharp (Rennie Davis); John Carrol Lynch (David Dellinger); J. C. Mackenzie (Thomas Foran); Caitlin Fitzgerald (Daphne O'Connor); Michael Keaton (Ramsey Clark); Noah Robbins (Lee Weiner).
No filme: Tom Hayden, Rennie Davis, David Dellinger, Jerry Rubin e Abbie Hoffman. Os 5 acabaram condenados, mas depois tiveram a sua pena anulada. |
LINKS:
O falso incidente do Golfo de Tonkin:
Lee Weiner conta alguns fatos pouco conhecidos dos protestos em Chicago:
https://www.chicagomag.com/chicago-magazine/august-2020/conspiracy-to-riot-chicago-seven/
A Guerra do Vietnã:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxr005pz940o
Pesquisa da NBC News mostra reprovação de 41% dos Democratas à política do governo Biden para a questão Israel X Palestinos:
O Estado de Israel e a limpeza étnica na Faixa de Gaza:
Trailer do Filme:
Imensa manifestação em defesa dos direitos do povo Palestino em Londres:
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