'Friedkin Uncut': Belo documentário mostra trajetória de William Friedkin, mestre do cinema que reinventou o cinema policial e de terror e deixou uma bela obra!!

'Friedkin Uncut': Belo documentário mostra trajetória de William Friedkin, mestre do cinema que reinventou o filme policial e de terror e deixou uma bela obra!!

'Friedkin Uncut' (2018): Documentário mostra a trajetória de William Friedkin, que é entrevistado e faz declarações fortes. E temos muitos depoimentos de admiradores (Tarantino) e de quem trabalhou com esse mestre do cinema contemporâneo. 

"Para mim, os dois personagens mais interessantes da história do mundo são Hitler e Jesus. Há o bem e o mal em todos. Essa é uma verdade que eu acredito, que existe o bem e o mal em cada ser humano, em cada uma das pessoas por aí. E em mim".

William Friedkin.

Este é um belíssimo documentário sobre William Friedkin, um mestre do cinema, e que foi dirigido pelo diretor italiano Francesco Zippel, que também lançou, em 2022, um documentário, sobre Sergio Leone, que se chama 'Sergio Leone - O italiano que inventou a América'.

'Friedkin Uncut' mostra a trajetória deste que foi um dos mais talentosos, inovadores e importantes cineastas dos EUA no Pós Guerra e que fez parte da chamada 'Nova Hollywood', que revolucionou o cinema produzido no país, os EUA, que transformou a sétima arte em uma grande indústria.

O documentário começa com o próprio Friedkin e Ellen Burstyn comentando sobre 'O Exorcista'. Ele também comenta sobre a sua história de vida.

Friedkin fala sobre a sua origem familiar, que é a de ucranianos de origem judaica que foram para os EUA e viviam em situação de dificuldades, de pobreza, em Chicago. Depois ele foi trabalhar em uma emissora de TV da cidade e, tempo depois, passou a trabalhar em séries da emissora.

William Friedkin, um dos grandes mestres do cinema contemporâneo.

Em 1962, Friedkin chegou a dirigir um documentário que provou a inocência de um homem negro, chamado Paul Crumb, que estava preso e se encontrava no corredor da morte. E foi graças ao seu filme que Paul Crumb foi inocentado e libertado pelo governador de Illinois. 

Nos anos seguintes, Friedkin trabalhou em filmes, séries de TV, dirigiu documentários, bem como fez vários filmes que eram muito influenciados pelo moderno cinema europeu (Fellini, Bergman, Rossellini, Antonioni, Godard), mas que não vingaram comercialmente, embora o 'Os Rapazes da Banda' (1970) tenha tido uma boa recepção. 

Até que, influenciado por uma conversado que teve com o cineasta Howard Hawks, ele deu um novo rumo para a sua carreira, na qual passou a mesclar a técnica do documentário (baseada no chamado 'Cinema Vérité'), o cinema europeu moderno e os filmes de ação típicos de Hollywood.

Friedkin também colocou nisso tudo aquele que é o tema central de sua obra ficcional, que é a relação entre o bem e o mal e o fato de que o ser humano possui ambos em seu interior.

Damien Chazelle reagindo a um elogio feito por Friedkin é um dos melhores momento dos documentário.

Seu primeiro filme depois disso foi 'The French Connection' ('Operação França', 1971), que revolucionou o filme policial e fez muito sucesso, conquistando 5 Oscars dos 8 para os quais o filme foi indicado em 1972. E isso conectou Friedkin com uma nova geração de cineastas que estavam, também, procurando revolucionar o cinema dos EUA, tornando-se amigo de muitos deles, incluindo Coppola e Bogdanovich.

A chamada 'Nova Hollywood' deu origem a uma nova geração de cineastas que revolucionaram o cinema de Hollywood, incluindo nomes como Francis F. Coppola, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Brian de Palma, Peter Bogdanovich, Bob Rafelson, Paul Schrader, Alan J. Pakula, George Lucas, Robert Altman, Hal Ashby, William Friedkin, entre outros. 

Também tivemos o aparecimento de uma nova geração de atores e atrizes, incluindo Robert De Niro, Dennis Hopper, Jane Fonda, Gene Hackman, Roy Scheider, Jodie Foster, Elliot Gould, Cybil Shepherd, Donald Sutherland, Jon Voight. 

Essa geração criou obras que se tornaram clássicas, incluindo várias obras primas, e que refletiram criticamente o que acontecia nos EUA naquele período histórico, que vai dos últimos anos da década de 1960 até 1980. Seus filmes mostravam a crise econômica, ética, política, social, cultural, bem como as mudanças que se desenvolviam no país.

Ellen Burstyn, atriz de 'O Exorcista', fala sobre o filme e conta uma história curiosa envolvendo Max von Sydow.

Friedkin explica, no entanto, que ele tem uma origem diferente da imensa maioria destes cineastas, que vinham de escolas de cinema, enquanto que ele nunca frequentou tais estabelecimentos. Ele aprendeu a fazer cinema fazendo filmes para TV, cinema ficcional, séries e documentários.

No documentário sobre Friedkin nós temos uma bela entrevista com este cineasta que revolucionou, pelo menos, dois gêneros cinematográficos, que foram o filme policial, com o fantástico 'The French Connection' ('Operação França', de 1971), e o filme de terror, com o assustador 'The Exorcist' ('O Exorcista'; 1973). 

Este dois filmes recebem muito destaque no documentário, contando com vários depoimentos de pessoas que trabalharam nos dois filmes, como são os casos de Ellen Burstyn (O Exorcista) e Randy Jurgensen (Operação França). Friedkin também comenta bastante sobre os dois filmes. 

Vemos o grande impacto que estes dois filmes tiveram no período, com 'Operação França', que foi indicado a 8 Oscars e conquistou 5 (melhor diretor, filme, ator, roteiro adaptado e montagem). 'The Exorcits', inclusive, gerou um impacto cultural imenso e fez com que alguns pais até proibissem seus filhos de ver o mesmo, o que aconteceu com Tarantino, por exemplo, o que ele mesmo conta.

Outro filme que merece destaque no documentário é aquele que o próprio Friedkin considera como sendo a sua obra prima, que é 'Sorcerer' ('O Comboio do Medo; 1977).

Francis Ford Coppola, que publicou uma bela homenagem ao amigo Friedkin após o falecimento deste, comenta sobre cineasta e sua trajetória.

'Sorcerer' é um um filme fantástico e contou com um orçamento elevado, mas infelizmente fracassou comercialmente, o que ocorreu muito em função do fato de que não tinha uma grande estrela e porque sofreu a concorrência, na época do lançamento, de 'Star Wars', que se tornou um dos maiores sucessos da história do cinema, dando origem a uma franquia.

Além disso, muitos viram 'Sorcerer' muito mais como sendo um filme europeu do que americano, de fato. E até pelo breve comentário que Friedkin faz a respeito disso no documentário vemos que o fracasso de 'Sorcerer' o abalou bastante.

Outros excelentes filmes de Friedkin são objetos de comentários, dele e de outros, como são os casos de 'Cruising' ('Parceiros da Noite'; 1980), 'Viver e Morrer em Los Angeles' (1985) e de 'Killer Joe' (2011). 

A atriz Gina Gershon, que trabalhou em 'Killer Joe' comenta sobre a invulgar técnica usada por Friedkin para arrancar dela uma interpretação satisfatória, que era a de desferir comentários grosseiros para ela no set, o que a convenceu de que o cineasta a detestava. 

Mas, qual não foi a surpresa de Gina quando Sherry Lansing, esposa de Friedkin, lhe disse, depois que as filmagens terminaram, que o cineasta gostava muito dela e que as grosserias foram feitas apenas para melhorar a atuação dela.

Philip Kaufman é um dos cineastas que comenta sobre a obra de Friedkin no documentário.

Outro momento interessante do documentário é quando Friedkin comenta que descobriu que poderia usar técnica de documentário em filmes de ficção depois que assistiu ao filme 'Z', de Costa-Gavras. E ainda temos trechos da entrevista que ele fez com Fritz Lang.

E também ficamos sabendo que Friedkin era tão preocupado com o caráter realista dos seus filmes que, durante as filmagens de 'Operação França', ele saia com os policiais para dar batidas e efetuar prisões, tendo praticamente se tornando um detetive do setor de narcóticos da polícia de Nova York. 

E no documentário também ficamos sabendo que Friedkin nunca filmava mais do que uma tomada e quando um ator ou atriz lhe pedia para filmar uma segunda vez, ele atendia, mas depois dizia ao assistente para que aproveitasse apenas a primeira tomada. Friedkin também diz que nunca ensaiava as cenas com os atores e, sem papas na língua, chega a dizer que ensaiar é coisa de maricas, de idiotas.

Quanto a 'Cruising' é mostrado que o filme provocou uma forte reação da comunidade gay daquela época, que temia que o filme aumentasse a violência contra os homossexuais. Muitos exigiam que o filme não fosse exibido. Mas quando Tarantino lhe perguntou o que ele tinha pensado sobre estes protestos, ficamos sabendo que Friedkin adorou tudo isso. 

Porém, entendo que temos alguns buracos no documentário, que é o fato dele não citar o trabalho de Friedkin em filmes e séries feitos para a televisão (ele dirigiu dois episódios para a série 'CSI', por exemplo), bem como o fato de que ele dirigiu vários vídeos musicais (para Barbra Streisand, o grupo Wang Chung e para o astro francês Johnny Hallyday).

Gina Gershon, que atuou em 'Killer Joe', comenta sobre os métodos incomuns de Friedkin para arrancar a melhor atuação dos atores.

Aliás, no documentário nós temos a participação bastante relevante de William Petersen, que naquela época era um obscuro ator de teatro e foi escolhido por Friedkin para ser um dos protagonistas do ótimo 'Viver e Morrer em Los Angeles', junto com outro jovem talentoso ator, também desconhecido naquela época, que é Willem Dafoe, que também tem uma excelente participação no documentário. 

Inclusive, Dafoe afirma, de maneira divertida, que Friedkin os escolheu justamente porque eles eram desconhecidos do grande público. E nenhum deles (Dafoe e Petersen) esconde a sua admiração e respeito por Friedkin, que demonstra ficar emocionado quando assiste aos elogios destes dois atores que ele revelou e que se tornaram grandes astros, além de seus amigos.

Aliás, os comentários de Petersen e Dafoe estão entre os mais bem humorados e interessantes do filme. Eles comentam, por exemplo, que Friedkin chegou a procurar pelos membros de uma quadrilha que falsificava dinheiro para ajudar na produção do filme, ensinando os dois atores a fabricar dinheiro falso e, também, mostrando todo o processo de fabricação do mesmo no próprio filme, o que também é comentando por Wes Anderson.

E o cineasta, que sempre teve fama de ser irascível e temperamental, mostra uma faceta muito bem humorada, fazendo comentários irônicos em vários momentos.

Isso fica claro quando Friedkin se encontrava na França, onde foi participar do Festival Europeu de Cinema Fantástico de Estrasburgo de 2017, na sede da prefeitura da cidade, e comenta que não gosta de política e que também não confia nos políticos. Logo depois, ele diz, no entanto, que o prefeito de Estrasburgo era uma pessoa muito boa, arrancando muitas risadas dos presentes e faz muitos elogios à Marselhesa.

Matthew McConaughey comenta sobre sua participação no ótimo 'Killer Joe' (2011), último filme de ficção de Friedkin.

Como se percebe, Friedkin sempre foi um insubmisso, um insurgente, que usou da sua arte para expressar aquilo que o incomodava, dizendo que, para ele, o ser humano possui o bem e o mal dentro de si. E se analisarmos friamente, aqueles filmes que são os mais pessoais e autorais de Friedkin expressam essa ideia. 

Inclusive, Friedkin diz, logo no início do documentário, que enquanto Hitler levou as pessoas para o inferno e encarnava o mal absoluto, Jesus fez exatamente o contrário, elevando espiritualmente o ser humano. E também  vemos a paixão de Friedkin pela Arte, mostrando a sua coleção de gravuras de artistas japoneses, bem como vemos várias peças de arte africana. 

Friedkin também mostra, com inegável e justificado orgulho, o desenho feito por Sergei Eisenstein para o filme 'Ivan, o Terrível' e que ganhou de presente quando participou do Festival de Cinema de Moscou. E seu comentário elogiando Damien Chazelle deixou o mesmo totalmente desconcertado, gerando um dos melhores momentos de 'Friedkin Uncut'.

Porém, também entendo que faltou, no documentário, um trecho que se dedicasse a comentar sobre o período menos criativo da obra de Friedkin, que foram os anos 1990, no qual dirigiu filmes que estiveram bem abaixo do seu incomparável talento.

Tarantino comenta sobre a obra de Friedkin, que o influenciou.

Afinal, o que foi que aconteceu com Friedkin, neste período, que explique isso? Afinal, o talento e a genialidade de Friedkin eram inegáveis. Então, o que explica esse período, no qual dirigiu obras que estavam longe do seu imenso talento e inteligência? Entendo que isso ficou ausente no filme. Isso aconteceu por opção do diretor Francesco Zippel? Não sabemos.

O filme mostra, felizmente, que nos anos 2000 Friedkin voltou a fazer ótimos filmes, citando "BUG" e, principalmente, 'Killer Joe', que teve um ótimo elenco e contou com Matthew McConaughey na condição de protagonista e em excelente atuação, que apontou um novo rumo para a sua carreira. 

Essa nova fase da sua carreira tem conexão com o fato de que Friedkin passou a trabalhar com o talentoso roteirista Tracy Letts, que lhe proporcionou novas ideias para desenvolver os seus filmes. 

Enfim, este é um excelente documentário e vale a pena procurar pelo mesmo, pois mostra a trajetória de um grande mestre do cinema, um criador ousado e inovador, que teve altos e baixos em sua belíssima trajetória, mas que nunca abandonou a sua paixão pelo cinema.

Willem Dafoe faz uma ótima participação no documentário e não esconde a sua admiração por Friedkin, que se emocionou com os comentários do ator.

Informações Adicionais!

Título: Friedkin Uncut (Friedkin Sem Cortes);

Diretor: Francesco Zippel;

Roteiro: Francesco Zippel;

Gênero: Documentário;

País de Produção: Itália;

Ano de Produção: 2018;

Duração: 103 minutos;

Música: Costanza Francavilla; 

Fotografia: Marco Tomaselli;

Montagem: Mariaromana Casiraghi;

Elenco: William Friedkin; Francis F. Coppola; Wes Anderson; Ellen Burstyn; Gina Gershon; Philip Kaufman; Matthew McConaughey; Quentin Tarantino; Walter Hill; Wiliiam Petersen; Willem Dafoe; Damien Chazelle; Juno Temple; Dario Argento; Michael Shannon; Zubin Mehta; Samuel Blumenfeld; Edgar Wright; Caleb Deschanel; Randy Jurgensen; Walon Green.

William Friedkin elogia a beleza de Veneza.

LINKS:

'Friedkin Uncut' - Filme na íntegra (legendas em espanhol):

https://www.youtube.com/watch?v=p8nan44L5uc&t=1159s

Informações sobre William Friedkin:

https://www.imdb.com/name/nm0001243/?ref_=nv_sr_srsg_0_tt_0_nm_8_q_william%2520fr

Informações sobre 'Friedkin Uncut':

https://www.imdb.com/title/tt8749074/?ref_=fn_al_tt_1

Filme 'Sorcerer' ('O Comboio do Medo'; 1977), na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=eEWOMw__K8c

Vídeo 'Real Wild Child (Wild One)'- Iggy Pop no 'David Letterman':

https://www.youtube.com/watch?v=fJGE4XwnFw0

Francis Ford Coppola comenta a morte de William Friedkin!

"William Friedkin foi meu primeiro amigo entre os cineastas de minha geração e lamento a perda de um companheiro muito querido. Suas realizações no Cinema são extraordinárias e únicas.

Ele é o único colega que conheço cujo trabalho realmente salvou a vida de um homem (The People vs. Paul Crump).

A obra de Billy representa verdadeiros marcos do Cinema, uma lista que jamais será esquecida; certamente THE FRENCH CONNECTION, O EXORCISTA e SORCERER, mas todos os seus filmes estão vivos com seu gênio.

Escolha qualquer um deles de um chapéu e você ficará deslumbrado.
Sua personalidade adorável e irascível era um disfarce para um homem bonito, gigante, brilhante e profundo.

É muito difícil entender que nunca mais desfrutarei de sua companhia, mas seu trabalho pelo menos o substituirá.".

Francis Ford Coppola.

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