'Blow-Up': Baseado em conto de Cortázar e na Física Quântica, Antonioni indaga sobre a natureza da realidade, a criação artística e a possibilidade de mudança!
'Blow-Up': Baseado em conto de Cortázar e na Física Quântica, Antonioni indaga sobre a natureza da realidade, a criação artística e a possibilidade de mudança! - Marcos Doniseti!
Frase: "Entre as muitas maneiras de se combater o nada, uma das melhores é tirar fotografias.". - Julio Cortázar.
O conto de Cortázar e o filme de Antonioni!
O clássico filme 'Blow-Up', de Michelangelo Antonioni, foi baseado em um conto ('As Babas do Diabo') de outro artista genial, o escritor franco-argentino (mas que nasceu na Bélgica) Julio Cortázar, autor de obras clássicas como 'O Jogo da Amarelinha', 'Bestiário' e 'As Armas Secretas', livro no qual temos o conto que inspirou Antonioni.
O genial cineasta italiano Michelangelo Antonioni vinha de uma sequência de filmes absolutamente fantásticos: 'O Grito' (1957); 'A Aventura' (1960), 'A Noite' (1961), 'O Eclipse' (1962) e 'O Deserto Vermelho' (1964), que foram responsáveis pelo seu reconhecimento internacional.
'Blow-Up' manteve a sequência de belas obras do grande cineasta italiano, sendo que foi o primeiro filme de Antonioni que foi realizado fora da Itália (as filmagens foram realizadas na Grã-Bretanha), sendo o seu segundo filme colorido ('O Deserto Vermelho' foi o primeiro) e que, também, foi o primeiro a ser falado em inglês e a ser produzido por um grande estúdio de Holloywood, a MGM.
Apesar disso, as principais características do cinema de Antonioni estão presentes no filme: um personagem entediado, a alienação do protagonista, as cenas em profundidade, uma visão crítica da realidade (cuja natureza é questionada), a importância da paisagem e a reflexão sobre o ato de criação, bem como a respeito do próprio Cinema.
A escolha de um genial conto de Julio Cortázar para servir de fonte de inspiração para Antonioni é algo perfeitamente natural, pois o escritor argentino se inspirava em algumas fontes criativas semelhantes às de Antonioni, como é o caso do Existencialismo. Cortázar também procurava fazer, em sua obra, uma reflexão sobre a arte de escrever (a Literatura) e indagava, também, sobre o que é real e o que não é.
Obs1: Sugiro que leiam o conto de Cortázar antes de ver o filme de Antonioni. Ele está disponível para leitura ou download em vários sites. Para quem ainda não leu o conto de Cortázar, aqui vai um resumo:
"A história se desenvolve em Paris e trata de um fotógrafo amador (o franco-chileno Roberto Michel) que sai num Domingo de manhã para passear em uma pequena ilha da cidade e vê um casal que, aparentemente, está tendo uma discussão. Ela é loura e mais velha do que o jovem (que tem em torno de 15 anos) e parece estar querendo seduzir o mesmo, como se o estivesse pressionando para isso. Próximo dali, em um carro, um homem mais velho observa a tudo e, depois, vai se aproximar dos dois. Michel começa a fotografá-los, o que chama a atenção da mulher. O jovem se aproveita para fugir. A mulher tenta recuperar o rolo do filme, mas Michel recusa-se a entregá-lo. No conto fica claro que o homem mais velho usa da mulher para atrair adolescentes com os quais ele deseja ter relações sexuais. Mas todas estas conclusões são do fotógrafo, que chega à elas depois que começou a analisar as fotografias que tirou dos três no parque. De fato, em nenhum momento ficamos sabendo quais são os motivos que levaram a mulher e o jovem a discutir e nem a saber a razão do homem mais velho se aproximar de ambos.".
O genial escritor franco-argentino Julio Cortázar, nascido na Bélgica, posando em sua amada Paris. Ele foi um exímio contista e romancista, dos melhores que a América Latina produziu em sua história. |
A 'Swinging London'!
No filme de Antonioni, o local em que a história se desenvolve foi transferido para Londres que, na época, vivia uma intensa e criativa cena cultural roqueira e psicodélica, que foi a chamada 'Swinging London' ('Londres Psicodélica'), como a definiu a revista 'Time' em uma matéria de capa sobre o assunto. A indústria da moda também era uma parte fundamental desta cena.
A juventude do mundo ocidental daquela época, ou seja, a geração que nasceu nos primeiros anos do Pós Guerra (chamados de Baby Boomers), ingressou no mercado de consumo, principalmente de roupas e música.
Desta maneira, as vendas de discos e de roupas para jovens atingiram um elevado patamar, levando a um rápido e grande desenvolvimento dos setores de moda e de uma cada vez mais milionária e influente cultura pop jovem de alcance global. Era a época da 'Aldeia Global', como disse Marshall McLuhan.
Esta era a época em que Mick Jagger, Keith Richards e John Lennon viviam curtindo, juntos, a noite londrina, em que Jimi Hendrix se apresentava para plateias (e até para guitarristas brilhantes, como Pete Townshend e Eric Clapton) que ficavam maravilhadas com a técnica e emoção com que o genial guitarrista originário de Seattle tocava.
Antonioni olha para o céu (ele queria um clima cinzento para as filmagens), enquanto o fotojornalista Don McCullin tira as fotografias do casal de amantes que serão usadas no filme. |
Enquanto isso, os empresários dos dois principais grupos ingleses (The Beatles e The Rolling Stones, é claro) inventaram uma estratégia de marketing que dizia que o fã que gostasse de um grupo, não poderia gostar do outro. O fato é que muitos acreditaram nessa lorota e a popularidade dos dois grupos aumentou bastante em função da polêmica, que foi muito explorada pela imprensa britânica.
Nestes anos tivemos o surgimento de novos e excelentes grupos e músicos de Rock, na Grã-Bretanha, que se tornou a capital mundial do Rock por vários anos, sendo que alguns destes grupos e artistas tiveram carreiras de muito sucesso e de longa duração, tais como: Yardbirds/Led Zeppellin, Pink Floyd, The Who, Cream, The Small Faces, The Animals, The Kinks, Eric Clapton, Jeff Beck, Rod Stewart, entre outros.
Inclusive, há uma cena antológica no filme de Antonioni na qual vemos uma apresentação raríssima dos Yardbirds, com Jimmy Page e Jeff Beck tocando as guitarras (a música é 'Stroll On'), no famoso e renomado clube londrino de Rhythm & Blues chamado 'Ricky-Tick'.
Obs2: Originalmente a música que toca no filme chamava-se 'Train Kept a Rollin'. Mas na obra do cineasta italiano ela teve o seu título e a sua letra alteradas, por questões de direitos autorais, mudando para 'Stroll On'.
Como é do conhecimento dos fãs de Rock, depois Jimmy Page praticamente herdou o grupo e, das suas cinzas, criou o Led Zeppelin. Na cena, Jeff Beck se irrita quando o amplificador de sua guitarra deixa de funcionar e, com isso, ele acaba destruindo a sua guitarra e jogando os restos da mesma para o público que, até aquele momento, assistia ao show de forma apática, como se estivesse 'viajando'...
Consta que o motivo desta cena ter sido feita se deu pelo fato de que Michelangelo Antonioni gostava muito da quebradeira que o The Who promovia em seus shows. Antonioni assistiu a uma apresentação do The Who, em Londres, em dezembro de 1965, no Goldhawk Club, e gostou da energia e da força do show do grupo.
Porém, o empresário do The Who (Kit Lambert), induzido por Simon Napier-Bell, empresário do The Yardbirds, cobrou muito caro pela participação do grupo no filme (5.000 Libras, na época), bem como exigiu participar do corte final do filme, e Antonioni não gostou disso.
Daí, Napier-Bell não hesitou, procurou o cineasta e lhe disse que, na verdade, Jeff Beck é quem tinha começado a quebrar guitarras e que Townshend é que havia copiado Beck (o que era mentira, é claro). Depois disso, Napier-Bell fechou o acordo com o cineasta, que contratou o Yardbirds para tocar no filme.
Então, Antonioni pediu a Jeff Beck que promovesse a mesma quebradeira que o The Who promovia em seus shows, o que o genial guitarrista (falecido recentemente, em 10 de janeiro de 2023), inicialmente, recusava-se a fazer.
Afinal, Jeff Beck amava as suas guitarras, tratando-as como se fossem seus filhos, segundo afirmou o empresário do grupo (Simon Napier-Bell) no excelente documentário 'Blow Up of Blow Up' (Valentina Agostinis; 2016).
Foi somente depois que Napier-Bell comprou uma guitarra barata e, também, com a insistência de Antonioni de que aquela cena era fundamental, que Jeff Beck concordou em quebrar a guitarra. Mesmo assim ele o fez muito contrariado e sua irritação transparece na cena.
Em 2016 a cineasta italiana Valentina Agostinis realizou um documentário, intitulado 'Blow Up of Blow Up', aproveitando que 'Blow-Up' estava completando 50 anos. O documentário visita vários dos locais que vemos no filme, incluindo o estúdio fotográfico e o parque, entre outros.
Ele é muito revelador sobre a história da produção, de como Antonioni se conectou com os excelentes profissionais britânicos que trabalhariam no filme e também conta com a participação de várias envolvidos, diretamente ou indiretamente, com a produção da obra-prima de Antonioni.
Entre estes, nós temos a participação da modelo Jill Kennington, o historiador Phillipe Garner, o empresário dos Yardbirds (Simon Napier-Bell) e o fotógrafo David Montgomery. O documentário é excelente chegou a ser exibido pela HBO Max durante algum tempo.
Cortázar, Antonioni e a Física Quântica!
No conto de Cortázar, bem como no filme de Antonioni, também estão presentes vários questionamentos a respeito da natureza da realidade e do trabalho do artista (escritor, cineasta, fotógrafo) que tenta capturá-la e compreendê-la.
No início do conto de Cortázar, o narrador parece estar vivo e morto, ao mesmo tempo, e também ficamos na dúvida se temos um ou dois narradores na história (tudo indica que é o mesmo narrador, Michel, que está vivo e morto, ao mesmo tempo).
É muito provável que Cortázar esteja fazendo uma referência à experiência quântica do 'Gato de Schrodinger', no qual não se sabe se um gato que está dentro de uma caixa está vivo ou morto. Talvez ele esteja vivo e morto, ao mesmo tempo, possibilidade que a Física Quântica admitia como sendo algo real.
Tal experiência visava contestar o conceito quântico de que a Luz era, simultaneamente, Onda e Partícula. Essa dualidade está muito presente no conto de Cortázar e, mais ainda, em Blow-Up.
Além disso, entendo que também está bem clara, em ambas as obras, a influência de uma ideia originária da Física Quântica, ou seja, a de que o ato de observar um fenômeno acaba influenciando a natureza do mesmo, alterando-o.
Assim, não seria possível dizer o que acontece no mundo real (se é que acontece alguma coisa) e tampouco o que ocorre quando não temos ninguém observando tal fenômeno.
No filme, primeiro vemos Thomas fotografar um casal se amando no parque, mas depois que Jane (Vanessa Redgrave) vê o que ele está fazendo, ela muda radicalmente de comportamento, se irritando e indo atrás de Thomas para que ele lhe entregasse o rolo do filme.
Daí, o seu amante fica sozinho e acaba sendo assassinado. E o assassino vai embora, sem que seja descoberto. E quando ela volta e vê o corpo dele escondido atrás dos arbustos, Jane fica assustada e vai embora correndo.
Desta maneira, pode-se dizer que Antonioni filmou o crime perfeito, pois ninguém sabe quem é o assassino, que fugiu, e daí ele pode muito ter destruído a arma que usou no crime. Com isso, a sua identidade jamais será descoberta.
Logo, pode-se concluir que, sem a ação de Thomas, ela e o amante continuariam se beijando e se abraçando. O ato de fotografar, por parte de Thomas, representou uma interferência no acontecimento, alterando a sua natureza, tal como a Física Quântica diz que acontece quando observamos os fenômenos.
Portanto, podemos concluir que sem a interferência de Thomas o assassinato não teria acontecido.
Portanto, surge uma série de indagações: Será que os fenômenos que observamos daquilo que chamamos de realidade são verdadeiros? Eles realmente aconteceram da maneira como foram observados? Ou foi o ato de observar que lhes deu origem? E quando não observamos nada, acontece alguma coisa? É o ato de observar que modifica (ou cria) a realidade? O que realmente estamos vendo é o mundo real?
No conto de Cortázar, temos um trecho interessante, que está relacionado a estas questões, e que é o seguinte:
"Já sei que o mais difícil vai ser encontrar a maneira de contar, e não tenho medo de me repetir. Vai ser difícil porque ninguém sabe direito quem é que verdadeiramente está contando, se sou eu ou isso que aconteceu, ou o que estou vendo (nuvens, às vezes uma pomba) ou se simplesmente conto uma verdade que é somente minha verdade, e então não é a verdade, a não ser para meu estômago, para esta vontade de sair correndo e acabar com aquilo de alguma forma, seja lá o que for.".
Em outro trecho do conto de Cortázar, temos: "Michel sabia que o fotógrafo age sempre como uma permutação de sua maneira pessoal de ver o mundo por outra que a câmera lhe impõe, insidiosa... Agora mesmo (que palavra, agora, que mentira estúpida) podia ficar sentado no parapeito sobre o rio, olhando passar as barcaças vermelhas e negras sem que me ocorresse pensar fotograficamente as cenas, nada mais que deixando-me ir no deixar-se ir das coisas, correndo imóvel com o tempo".
A respeito do filme, Antonioni disse o seguinte: "Ao revelar com ampliadores... surgem coisas que provavelmente não vemos a olho nu... O fotógrafo de Blow-Up, que não é um filósofo, quer ver as coisas de perto. Mas acontece que , ampliando demais, o próprio objeto se decompõe e desaparece. Portanto, há um momento em que apreendemos a realidade, mas depois o momento passa. Esse foi em parte o significado de Blow-Up."
A produção de 'Blow-Up'!
Michelangelo Antonioni e Vanessa Redgrave. |
A respeito do filme, Antonioni disse que 'Blow-Up' é diferente dos seus filmes anteriores, que tratavam de relações de amizade ou de amor entre as pessoas.
Em 'Blow-Up', disse Antonioni, "a relação é entre um indivíduo e a realidade - aquelas coisas que estão ao seu redor. Não há histórias de amor neste filme, embora vejamos relações entre homens e mulheres. A experiência do protagonista não é sentimental nem amorosa, mas antes, uma relação com o mundo, com as coisas que encontra pela frente.".
Antonioni também disse que buscava uma sensação de "sensualidade fria e calculada". Ele tentou ajudar a capturar esse sentimento usando o que chamou de "aprimorado" ou o "mais duro e agressivo" das cores. Fazia parte de sua visão "recriar a realidade de uma forma abstrata. Eu queria questionar 'a realidade de nossa experiência'", disse ele.
'Blow-Up' foi o primeiro longa-metragem falado em inglês de Antonioni, bem como foi o segundo filme a cores do cineasta italiano (o primeiro foi 'Deserto Vermelho', de 1964).
'Blow-Up' também foi o primeiro filme britânico a mostrar nudez feminina frontal completa (da atriz Gillian Hills), o que gerou um grande interesse pelo filme, ainda mais nos EUA, onde ainda vigorava o Código Hays e as cenas de sexo eram proibidas.
Aliás, algo me diz que a MGM decidiu produzir esse filme de Antonioni porque ela queria usar filme para destruir o famigerado, retrógrado e obsoleto Código Hays, que impunha várias proibições aos filmes produzidos nos EUA.
Assim, o Código Hays proibia cenas nudez, paixão, beijos lascivos, menções a doenças venéreas, palavrões, crimes retratados positivamente, desrespeito à religião ou à lei, perversão sexual (ou seja, homossexualidade) e miscigenação (relacionamentos inter-raciais).
Enquanto isso, inúmeros filmes de talentosos e inovadores cineastas europeus (Godard, Antonioni, Truffaut, Bergman, Fellini...) começaram a conquistar um mercado crescente nos EUA, bem como inúmeros elogios da crítica.
E não há como negar, que uma das razões mais fortes para que tudo isso acontecesse é que os cineastas europeus podiam falar, com muito mais liberdade, sobre todos os temas que eram proibidos nos EUA. Então, de que maneira seria possível destruir de uma ver todos com esse Código retrógrado?
Roger Corman dizia, já naquela época, que os filmes dos cineastas europeus faziam sucesso nos EUA em função da liberdade criativa da qual eles desfrutavam no Velho Mundo e que inexistia nos EUA.
Então, talvez algum executivo da MGM pode ter pensado que se a empresa financiasse a produção de um filme de um genial cineasta europeu (que foi o grande Antonioni) que não tivesse receio de tratar de muitos desses temas em um filme formalmente inovador então seria possível mandar o Código Hays para a lata de lixo da história.
E se este filme ainda influenciasse uma nova geração de cineastas dos EUA que, também, estariam dispostos a fazer filmes sobre todos estes temas, melhor ainda.
Se tudo isso foi algo pensado para acontecer desta maneira, não tenho como provar, mas que isso aconteceu, não há como contestar, pois 'Blow-Up' foi o filme que enterrou o Código Hays nos EUA, permitindo que os cineastas que trabalhavam no país passassem a desfrutar de uma liberdade criativa inédita, que só existiu até 1933 (o Código foi criado em 1930, mas foi adotado, na prática, a partir de 1934).
Michelangelo Antonioni, Vanessa Redgrave e Monica Vitti no Festival de Cannes, em 1967, no qual 'Blow-Up' conquistou a Palma de Ouro. |
O Código Hays caiu em desuso apenas em 1968 e 'Blow-Up' teve um papel importante nisso, pois a censura ao filme foi contornada pela MGM por meio da criação da 'Premiere Productions', que era uma empresa fictícia que não tinha acordo com o Código de Produção.
Assim, a 'Premiere' não era obrigada a acatar ao Código, o que permitiu manter cenas de nu frontal e uso de drogas no filme, sem cortes. E com o sucesso do filme, de público e crítica, o Código perdeu a sua credibilidade e deixou de ser usado.
'Blow-Up' também foi incluído entre os "1001 filmes que você deve ver antes de morrer", editado por Steven Schneider. E o crítico Roger Ebert também o colocou em sua lista de 'Grandes Filmes'.
Com relação à escolha do elenco, a atriz sueca Evabritt Strandberg (que atuou em 'Masculino Feminino', de Godard, em 1966) havia sido escolhida, por Antonioni, para interpretar Jane, mas os chefes da MGM decidiram pela brilhante atriz britânica Vanessa Redgrave, que havia conquistado o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, em maio de 1966, e que se revelou perfeita para a personagem.
Vanessa Redgrave e David Hemmings nos bastidores de 'Blow-Up'. |
Enquanto isso, o ator Sean Connery chegou a ler o roteiro para interpretar o fotógrafo Thomas, mas depois da leitura ele recusou o papel "porque não conseguia entender do que Antonioni estava falando".
Terence Stamp também foi cotado para interpretar Thomas, afinal ele era muito talentoso e já era uma estrela, tendo sido indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1963, pelo filme 'Billy Budd'.
Porém, Antonioni acabou escolhendo David Hemmings, ator de teatro e com muitas participações em séries e filmes para TV, depois que assistiu a uma peça na qual ele atuava ('Adventures in the Skin Trade'), na qual interpretava Dylan Thomas (daí o nome do personagem no filme).
E como as premiadas Vanessa Redgrave e Sarah Miles já eram atrizes com mais renome, elas ganharam cachês maiores do que os de Hemmings, que acabou ficando com o terceiro maior cachê do filme, apesar de interpretar o protagonista e aparecer durante todo o filme, enquanto Vanessa e Sarah interpretaram coadjuvantes e tiveram participações menores.
Essa participação menor de Sarah Miles ocorreu muito em função do fato de que ela não teve um bom diálogo com Antonioni, o que não aconteceu com Vanessa Redgrave, que conseguiu se entender muito bem com o cineasta italiano, procurando extrair dele o máximo de informações sobre a sua personagem, a respeito da qual o roteiro era muito vago.
Antonioni sobre o Rolls-Royce conversível no qual se encontra David Hemmings. |
Hemmings disse que Antonioni e o diretor de fotografia, o grande Carlo di Palma, discutiam com muita frequência e, quando ficavam nervosos, gritavam um com o outro e saiam chutando o que viam pela frente (mesas, escadas, etc). Ele diz que di Palma queria ser o maestro do filme, o que Antonioni não aceitava, é claro. Mas ele diz que os conflitos entre os dois ajudaram a criar belas e surpreendentes imagens.
O filme também foi muito importante para Jane Birkin, cuja carreira de atriz tinha começado apenas em 1965. Ela disse que chegou a chorar no teste para o papel, mas Antonioni a aprovou e lhe deu três páginas para ela ler e a avisou de que ela teria que ficar nua no filme. Mesmo assim, e com o apoio do marido, ela decidiu participar do filme.
O moderno estúdio do fotógrafo John A. Cowan, um dos mais renomados da Grã-Bretanha, foi usado para as sessões de fotos de Thomas. Cowan também trabalhou como assistente de Antonioni e o assistente de Thomas no filme, chamado Reg, era, de fato, assistente de outro fotógrafo, David Montgomery, na vida real.
Aliás, Antonioni se preparou para as cenas de fotos que vemos no filme assistindo a uma sessão de fotos do próprio Montgomery, que o orientou sobre como fazer a mesma, pois Antonioni queria que a cena ficasse igual a uma verdadeira sessão de fotos. Reproduzir a realidade da maneira mais fiel possível era um elemento central do Neorrealismo Italiano, do qual Antonioni foi um dos criadores.
E o cineasta também trabalhou com outros profissionais e artistas britânicos de altíssimo nível, incluindo o fotojornalista Don McCullin (que tirou as fotografias da cena no parque), o pintor Ian Stephenson (fez os quadros do personagem Bill), o fotógrafo John Cowan (alugou o estúdio para as cenas de sessões de fotos) e modelos consagradas como Jill Kennington, Veruschka e Peggy Moffitt.
A trama do filme!
E quando vemos Hemmings na pele de Thomas podemos concluir que Antonioni acertou em cheio em sua escolha, pois a sua atuação é perfeita e não é possível imaginar alguém melhor do que ele para interpretar o personagem.
Aliás, Hemmings disse que quando estava sendo testado para o papel, Antonioni balançava a cabeça para frente e para trás, o que o levou a pensar que isso era um sinal de reprovação. Ele disse que ficou uma semana sofrendo pensando que Antonioni não havia gostado da sua atuação. Mas depois ele descobriu que isso era apenas um tique do cineasta, o que o deixou aliviado.
O fotógrafo Thomas, que vive na região de Notting Hill (sudoeste de Londres), onde possui um moderno estúdio fotográfico, é um personagem ficcional, mas que foi, em parte, baseado na carreira e nas vidas de alguns consagrados fotógrafos de moda britânicos que fizeram muito sucesso nos anos 1960, que são David Bailey, Terence Donovan e John Anthony Cowan. Inclusive, as cenas nas quais Thomas fotografa as modelos foram feitas no estúdio de Cowan.
Porém, o seu nome também pode ser encarado como uma referência ao apóstolo cristão Tomé, que somente acreditava naquilo que via.
Thomas/Tomé passeia pela 'Swinging London' em seu Rolls-Royce conversível e David Bailey, que foi o mais badalado fotógrafo de moda ingleses dos anos 1960, também fazia o mesmo. Entre muitos outros, Bailey fotografou os Beatles e os Rolling Stones. Aliás, ficamos conhecendo uma boa parte da região central de Londres por meios desses passeios.
No entanto, um aspecto dos mais interessantes de 'Blow Up' é que essa Londres que vemos no filme foi alterada por Antonioni. Assim, não apenas o filme, mas também a cidade passou por um processo de edição, alterando características de Londres para que ela se encaixasse na sua visão de cinema.
Essa edição feita por Antonioni modificou as cores, os edifícios e até árvores locais. Ele chegou a mandar pintar o gramado do parque de verde para atingir o resultado que desejava, bem como mandou pintar outras casas com um tom de vermelho bem forte.
No filme, Thomas trata as modelos com as quais trabalha de forma ríspida e arrogante, mas, apesar disso, Hemmings dá ao personagem um charme e elegância que ameniza tais aspectos.
Seu sucesso ao interpretar Thomas foi imenso, transformando-o em um ícone da contracultura da época. Inclusive, uma das melhores cenas do filme é aquela em que Thomas está fotografando Verushka (uma modelo de muito sucesso na época) e fica sobre o corpo desta, sugerindo claramente um ato sexual entre os dois.
Aliás, a modelo Jean Shrimpton, que foi descoberta por David Bailey (e com quem ela namorou por dois anos e meio), quando tinha apenas 17 anos, afirmou que quando fotografava com o mesmo surgia uma atração que criava uma atmosfera sexual entre eles.
Ela também disse que as mulheres com quem Bailey trabalhava o amavam e que ele era muito procurado por jovens com a aspiração de se tornarem modelos de sucesso. Segundo um especialista, o fotógrafo David Bailey teria se relacionado sexualmente com cerca de 400 mulheres. Os anos 60 foram os anos da liberação sexual e Bailey foi um dos que se beneficiou com isso.
No filme, o personagem Thomas reage a essa procura por parte das jovens modelos tratando-as com desprezo e grosseria. Alguns chegam a dizer que o filme seria 'machista e misógino' em função disso, o que não é correto. O que Antonioni faz é mostrar o comportamento que muitos profissionais adotam quanto estão em posição de poder.
Assim, ele está retratando uma situação que ocorre, sem dúvida alguma, no mundo real, o que é muito diferente de defender que aquele comportamento é correto.
Aliás, tenho certeza de que se Antonioni mostrasse esse fotógrafo como sendo educado e adotando uma postura de cavalheiro com as jovens modelos ele seria, com certeza, acusado de estar mostrando uma situação falsa e mentirosa. Ele optou por mostrar algo, que é o comportamento de Thomas com as jovens modelos, que pensava ser algo bem próximo daquilo que ocorre na realidade.
É bom ressaltar que Antonioni começou a filmar realizando documentários neorrealistas (entre 1947 e 1950 ele filmou 8 documentários). E não se pode esquecer que o Neorrealismo Italiano tinha a ambição de mostrar a realidade tal como era, nua e crua, expondo na tela do cinema a situação de fome e miséria em que o povo italiano se encontrava ao final da Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos do Pós Guerra.
Assim, o conflito entre a realidade e a ficção está presente no filme. E o grande cineasta Antonioni soube mostrar isso, de forma brilhante, em sua obra-prima.
A trama se desenvolve a partir do momento em que, depois de ir visitar uma loja de antiguidades (à qual Thomas pretende comprar), em um dos seus passeios, ele entra em um parque (Maryon Park, em Charlton, sudoeste de Londres) e vê um casal (uma mulher e um homem mais velho) que parecem estar se beijando. Porém, o que o atrai é a postura da mulher, que começa a olhar em sua direção, pois ele começou a fotografar a cena.
Depois que Thomas começou a fotografar a cena, isso é percebido pela mulher (Jane, interpretada pela grande Vanessa Redgrave), que sai correndo atrás dele, dizendo que o mesmo não tem o direito de sair por aí fotografando os outros e que as pessoas tem o direito de ficar em paz em um local público. Ela o pressiona para que ele lhe entregue o rolo do filme, mas ele se recusa.
Jane sai correndo e se afasta de Thomas quando percebe que o homem com quem ela estava havia desaparecido. Ela o procura e encontra o mesmo, já morto, com o corpo escondido atrás de uns arbustos.
Assim, a ação de Thomas de fotografar a cena e de atrair Jane para onde estava foi aproveitado por um outro homem, escondido nos arbustos, para matar o amante de Jane. Logo, foi a ação de Thomas que provocou o assassinato. Foi o seu ato de observar a cena que alterou a realidade. E somente depois de revelar as fotos é que ele irá descobrir o que tinha acontecido.
Então, será que poderemos considerar que Thomas foi o responsável pelo assassinato?
Porém, mais adiante, Jane decide ir atrás de Thomas e o encontra no momento em que ele chegava ao seu grande e moderno estúdio fotográfico. Daí, ela irá procurar usar do seu poder de sedução, enquanto tenta convencê-lo a lhe entregar o rolo do filme. Thomas lhe dá o rolo errado, sem que a mesma saiba disso, e Jane vai embora.
Depois, quando começa a revelar as fotografias é que Thomas começará a perceber algo que não havia notado enquanto tirava as fotos, que é o fato de que há um corpo, de um homem assassinado, atrás de alguns arbustos.
Neste momento, ele começa a criar uma história, que liga a mulher (Jane) no parque ao homem assassinado, tal como faz um diretor de cinema ou um escritor.
Intrigado, Thomas decide retornar ao local, sozinho, mas sem levar a câmera, e verifica que, de fato, há um homem morto no lugar e que ele é o homem com quem Jane estava anteriormente. Assim, ele começa a se indagar sobre o que, de fato, ele viu no parque (uma discussão entre uma mulher e seu amante?) e o que é que as fotografias mostravam ou que, então, sugeriam, que é o assassinato do amante pelo marido de Jane?
No seu local de trabalho, ele é sempre procurado por jovens aspirantes a modelo, que desejam ser fotografadas por ele, sendo que ele até acaba se envolvendo em um jogo de caráter sexual com duas delas (interpretadas por Jane Birkin e Gillian Hills), que são bastante persistentes em seus desejos de se tornarem modelos de sucesso e que usam dos recursos disponíveis (incluindo a sedução) para atingir os seus objetivos. No filme não é mostrada nenhuma cena de sexo entre Thomas e as modelos. Isso é apenas sugerido.
Quando retorna para o estúdio, após encontrar o corpo do homem assassinado, Thomas constata que todas as fotos que havia revelado da cena no parque foram roubadas. Ele escondeu apenas uma, justamente aquela que mostrava o local em que a vítima estava.
Thomas e Jane, seminus, em uma bela cena deste reflexivo, questionador e intrigante filme de Antonioni. David Hemmings e Vanessa Redgrave estão perfeitos em seus personagens. |
O filme não mostra, mas tudo indica que Jane foi a responsável pelo roubo das fotografias. Mas também pode ter sido alguém que Jane contratou para fazer esse serviço ou mesmo outra pessoa, um ladrão comum, que invadiu o estúdio e roubou as fotos para, talvez, vendê-las para o próprio Thomas mais tarde, exigindo um alto valor pelas mesmas. Enfim, uma possível resposta para a questão fica a cargo de quem vê o filme.
Aliás, várias dúvidas permanecem ao final do filme, algo que foi intencional da parte de Antonioni, a fim de fazer os questionamentos a respeito da realidade que já comentei aqui, mas sem apresentar respostas prontas.
Assim, Antonioni deixa aos espectadores a tarefa de refletir sobre o que foi exibido, a fim de que eles tirem as suas próprias conclusões, que é uma característica que também está presente no conto de Cortázar.
O que se nota, de fato, é a mudança que as fotografias desencadearam em Thomas, que é um fotógrafo de sucesso, que é procurado por jovens e belas modelos que desejam alcançar o estrelato, mas que tem uma vida marcada pelo tédio e pelo vazio existencial. A fotografia é uma profissão, sua fonte de renda, mas ele procura por algo diferente, que desperte a paixão que há dentro dele, mas que está submersa.
Aliás, a jovem que é proprietária da loja de antiguidades também fala sobre isso para Thomas, dizendo que pretendia vender a loja, pois estava farta de antiguidades e tinha vontade de tentar algo diferente em sua vida. Daí ela diz que pensa em ir para o Nepal, mas Thomas, ironicamente, lhe diz que o Nepal está cheio de antiguidades. Com isso, a jovem fala que poderia ir para o Marrocos.
Nesta época a atração pela cultura, música, valores e pelo modo de vida do Oriente ou de outros povos considerados diferentes da cultura ocidental (países como Índia, Marrocos, Nepal...) tornou-se cada vez mais popular entre os jovens.
Os Beatles foram para a Índia, enquanto que os Stones, seguindo o exemplo da jovem do filme, foram para o Marrocos. Estas viagens refletiram na música dos dois grupos, que eram os maiores do rock britânico nos anos 1960.
É como dizia Jim Morrison: 'As pessoas querem algo mais. Algo sagrado'.
Thomas é a comprovação deste sentimento, que estava presente na geração de jovens dos anos 1960, que procurou expandir a sua mente e se conectar com outros planos de realidade.
Isso ajuda a explicar porque ele se mistura com pessoas originárias do submundo, como aquelas que vivem em um albergue, no qual os marginalizados pela sociedade dormem, as quais ele fotografa para o lançamento de um livro que está preparando. Thomas está a procura de sentimentos e emoções reais, que estão ausentes do seu trabalho.
Thomas também coleciona peças antigas (seu estúdio está repleto delas) e até chega a pensar em comprar uma loja de antiguidades na qual adquiriu uma hélice e que não possui qualquer uso prático para ele. Ele apenas a comprou porque diz que a hélice é linda.
Uma das melhores cenas, a respeito do que vemos ou que pensamos que vemos, é quando Thomas sai com o seu carro à noite, por Londres, e vê Jane parada em frente a algumas lojas. Ele olha novamente, mas ela não está mais lá e, depois, quando vai procurá-la, não consegue encontrá-la. É como se ela tivesse desaparecido em pleno ar.
E com isso surge a dúvida, se ele realmente a viu ou se tudo não passou de fruto da sua imaginação. Aliás, é na sequência desta cena, quando ele continua a procura por Jane, que Thomas vai se deparar com o show do Yardbirds, sobre o qual já comentei.
E quando Thomas abre a porta para entrar no clube, no qual o Yardbirds está tocando, vemos afixado na porta um panfleto que diz: "Aqui jaz Bob Dylab, que faleceu no Royal Albert Hall, no dia 27 de maio de 1966.". Esta é uma referência a um show que Dylan fez no local e no qual ele encerrou a sua turnê.
Nesta turnê, Dylan e banda usaram guitarras e instrumentos elétricos, abandonando os instrumentos acústicos da época em que ele tocava apenas música Folk. Foi no show do Royal Albert Hall, que fica em Londres, que um fã gritou 'Judas' para Bob Dylan e um outro disse que nunca mais iria ouvi-lo cantar. E Dylan respondeu: 'Eu não acredito em você! Você é um mentiroso!'.
E depois do show, Thomas vai até a casa de seu amigo (Ron), para quem havia telefonado anteriormente, pedindo que fosse com ele até o parque ver o corpo do homem assassinado.
No entanto, Ron não irá, preferindo ficar em sua festa, onde inúmeros jovens roqueiros usam drogas a fim de 'viajar' ou de 'expandir a mente' (não foi à toa que o uso do LSD explodiu entre a juventude nessa época), com a finalidade de se conectar com realidades e dimensões alternativas, que não são alcançadas pelos nossos sentidos.
A paixão que Thomas sente por sua descoberta (o assassinato no parque) é algo pessoal e intransferível. E por isso Ron não sente qualquer tipo de interesse pelo caso. Ele está em 'outro' tipo de viagem. Seus interesses são outros.
Neste processo, o que move Thomas não é mais o dinheiro, a ambição, o desejo do sucesso, mas as paixões, as emoções, os sentimentos que a sua descoberta desencadearam no seu interior.
Essa é a mesma paixão que ele busca quando se disfarça de sem-teto e vai interagir com os miseráveis londrinos nos albergues baratos e que está ausente no seu trabalho, na sua profissão, no seu cotidiano.
Nesta época, Londres não era chamada de 'Swinging London' à toa, pois o Rock e a cultura psicodélica estavam em plena efervescência criativa, com os principais grupos e artistas lançando uma sucessão de discos absolutamente fantásticos.
Entre 1965/1967, os Beatles lançaram 'Rubber Soul', 'Revolver' e 'Sgt. Peppers'. O Pink Floyd lançou o seu primeiro álbum ('The Piper at the Gates of Dawn'), composto integralmente pelo genial Syd Barrett, os Rolling Stones lançaram 'Out of Our Heads' e 'Aftermath', além de 'Satisfaction', entre outros, enquanto que Jimi Hendrix lançou 'Are You Experienced?'.
E a cidade também se tornou a capital da moda internacional, o que fica muito evidente no filme, que mostra esse universo. Porém, o cineasta combina isso com outros aspectos da Londres psicodélica.
Assim, no filme, nós também vemos uma manifestação pacifista, homens negros vestidos com suas roupas tradicionais, de sua cultura originária, jovens Mods, mendigos, um casal de homossexuais passeando próximo da loja de antiguidades, executivos e cidadãos comuns, homens e mulheres, andando pela cidade.
Logo, fica evidente, no filme, todo o caráter multiétnico, multicultural e que é marcado por uma grande diversidade que caracteriza a metrópole que é Londres, o que deixa claro que Antonioni não se restringe a mostrar a 'Swinging London'. Ele mostra que Londres vai além disso.
Enquanto isso, nos EUA, o The Doors realizou o seu primeiro álbum, em 1967, que incluía várias canções clássicas, como a bela, triste e épica 'The End', e o Velvet Underground lançou 'Velvet Underground and Nico', obra-prima que se tornou muito influente, mesmo vendendo pouco.
Aliás, Antonioni chegou a sondar o grupo de Lou Reed para participar de 'Blow-Up', mas os custos elevados para poder transportar toda a trupe para o Reino Unido o levou a mudar de ideia.
Outro cineasta genial que foi para a Inglaterra filmar foi o francês Jean-Luc Godard, que fez 'One Plus One/Sympathy for the Devil', em 1968, no qual temos uma significativa participação dos The Rolling Stones, que ensaiam o arranjo da música de mesmo título.
Godard filmou, também, uma série de sequências com atores e atrizes negros britânicos que fazem a leitura de textos dos Black Panthers (Eldridge Cleaver). E Anne Wiazemsky sai pela cidade fazendo pichações em muros, calçadas, vidraças, com frases de teor político.
E o seu parceiro, na época, de Nouvelle Vague, François Truffaut, também filmou na Inglaterra, em 1966, quando fez o filme 'Fahrenheit 451', uma ficção científica baseada no livro de Ray Bradbury, que também é falado em inglês e que foi feito com intérpretes (Julie Christie foi a protagonista) e equipe técnica britânicos.
O cinema britânico também vivia um bom momento, com uma geração de cineastas talentosos, que formaram a chamada Nouvelle Vague Britânica, que incluía nomes como Lindsay Anderson, John Schlesinger, Karel Reisz, Tony Richardson.
Inegavelmente, a Grã-Bretanha estava na crista da onda naqueles anos. Bons tempos, hein?
Depois que sai da festa psicodélica realizada na casa do seu amigo Ron, que não quer saber de assassinato algum, o fotógrafo Thomas vai sozinho ao parque Maryon. Mas quando ele volta para o local, o corpo do homem assassinado havia desaparecido, sem que se tenha qualquer pista do que havia acontecido com o mesmo.
Novamente, vem o questionamento a respeito do que vemos ou não, do que é a realidade, afinal.
Assim, também está presente, nas duas obras, de Cortázar e Antonioni, a ideia da Física Quântica de que quando voltamos a observar aquele fenômeno, ele já se modificou. Logo, não há como recuperar aquele momento, que já se transformou em outra coisa.
Isso talvez explique porque Thomas não encontrou corpo algum quando retornou ao parque a fim de fotografá-lo e também porque não viu Jane novamente em frente à loja quando voltou a olhar para o local.
E no final temos outra cena antológica, quando um grupo de jovens universitários mímicos começa a jogar uma partida de tênis imaginária, em uma quadra, mesmo sem ter uma raquete ou mesmo uma bola de tênis.
Porém, um aspecto interessante da cena é que no momento em que a 'bola imaginária' cai do lado de fora da quadra e Thomas a devolve para que a partida continue, logo depois nós ouvimos o barulho da raquete batendo na bola, como se esta não fosse mais imaginária.
É a ideia de dualidade do estado da matéria, Onda e Partícula, que vemos novamente no filme.
Obs3: Este grupo de jovens mímicos apareceu na sequência inicial do filme e se parece com uma trupe teatral, mas eles são jovens universitários que saem pela cidade a fim de arrecadar dinheiro para caridade, o que é uma tradição inglesa.
Jogadora da partida de tênis imaginário pede a Thomas que pegue a 'bola', para que possam retomar o jogo. |
Depois que Thomas devolve a 'bola imaginária' para os jogadores, nós o vemos, sozinho, no gramado, talvez refletindo sobre o que viu (ou a respeito do que não viu) naquele dia.
Seria esta uma maneira de Antonioni dizer que a busca de Thomas por uma vida e por uma realidade alternativas (tal como faziam os jovens roqueiros e psicodélicos daquela época) estava fadada ao fracasso?
Outra possibilidade é a de que Antonioni estaria dizendo que qualquer tentativa que venhamos a fazer para se tentar compreender toda a realidade também não dará em nada e que, no máximo, teremos acesso a apenas alguns fragmentos da mesma, tal como afirma a Física Quântica.
Quem sabe...
Fim.
Obs4: A respeito do filme, David Hemmings disse o seguinte: "Adorei cada momento do meu tempo em Blow-Up. Antonioni se tornou um bom amigo. Descobri que quanto mais trabalhávamos juntos, maior era meu apreço por seu olhar extraordinário...".
Informações Adicionais!
Título: Blow-Up;
Diretor: Michelangelo Antonioni;
Roteiro: Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra; Edward Bond (diálogos em inglês); baseado no conto 'As Babas do Diabo', de Julio Cortázar;
Duração: 111 minutos;
Ano de Produção: 1966;
Países de Produção: Reino Unido, Itália e EUA;
Música: Herbie Hancock;
Edição: Frank Clarke; Fotografia: Carlo di Palma;
Elenco: David Hemmings (Thomas); Vanessa Redgrave (Jane); Sarah Miles (Patricia); Jane Birkin (modelo loira); Gillian Hills (modelo morena); Peter Bowles (Ron); Verushka (Verushka, modelo); The Yardbirds (Jeff Beck, Jimmy Page, Chris Dreja, Keith Relf, Paul Samwell-Smith); Julio Cortázar (como um mendigo); Susan Brodrick (proprietária da loja de antiguidades); Ronan O'Casey (amante de Jane no Parque).
Links:
Comparando os locais de filmagem de 'Blow Up' em 1966 e em 2016:
https://www.bfi.org.uk/features/blowup-michelangelo-antonioni-london-locations
Curiosidades sobre o filme:
https://www.imdb.com/title/tt0060176/trivia/?ref_=ttrel_ql_3
Afinal, porque o The Yardbirds participou de 'Blow Up' e não o The Who?:
https://cinemaclassicecult.blogspot.com/2023/01/afinal-porque-o-yardbirds-participou-de_12.html
Conto de Cortázar - 'As Babas do Diabo':
http://www.vermelho.org.br/noticia/247308-1
As ideias de Marshall McLuhan:
https://rockcontent.com/br/blog/marshall-mcluhan/
Informações sobre o documentário 'Blow Up of Blow Up':
https://www.imdb.com/title/tt7685038/
Cortázar: Gostei muito de 'Blow-Up':
A experiência do Gato de Schrodinger:
http://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/o-que-e-o-gato-de-schrodinger/
David Bailey e Jean Shrimpton:
https://therake.com/stories/icons/david-bailey-jean-shrimpton-breaking-the-class-ceiling/
Uma interpretação da obra 'O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição' de T. W. Adorno:
https://revistalampejo.org/edicoes/edicao-10/Artigo_Uma_interpretacao_da_obra.pdf
O fetichismo na indústria cultural, segundo T. W. Adorno:
O Código Hays:
Apresentação do The Yardbirds no filme:
Obs4: Essa é uma versão bastante revista, ampliada e atualizada de um texto anterior, que foi publicado neste blog em Fevereiro de 2019. O texto foi atualizado nos dias 19 e 20/02/2023.
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