Cinema Novo: História do movimento e comentários sobre 15 clássicos do movimento que revolucionou o Cinema brasileiro!

Cinema Novo: História do movimento e comentários sobre 15 clássicos do movimento que revolucionou o Cinema brasileiro! - Marcos Doniseti!
Glauber Rocha foi, inegavelmente, o mais importante nome do Cinema Novo brasileiro e seu talento, ousadia e genialidade foram reconhecidos internacionalmente, conquistando o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1969 pelo filme 'O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro'. Mas o Cinema Novo teve outros excelentes cineastas, tais como Ruy Guerra e Leon Hirszman. 

O Cinema Novo Brasileiro!

O 'Cinema Novo' brasileiro foi mais um dos inúmeros movimentos cinematográficos inovadores que revolucionaram o cinema mundial a partir do final dos anos 1950 e que se disseminaram por inúmeros países (França, Reino Unido, Canadá, Espanha, Japão, União Soviética, Tchecoslováquia, Polônia...) durante a década de 1960. 

Os cineastas, roteiristas, produtores, atores e atrizes que o criaram fizeram com que o Cinema brasileiro passasse a ser visto e respeitado no mundo inteiro, atraindo a atenção de cinéfilos e de profissionais do cinema na Europa e EUA, conquistando inúmeros prêmios em importantes festivais internacionais, como os de Cannes, Veneza e Berlim. 

Um dos prêmios mais importantes foi o prêmio de Melhor Diretor para Glauber Rocha no Festival de Cannes de 1969, por 'O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro'. 'Terra em Transe' (1967), do mesmo Glauber, conquistou o FIPRESCI (Prêmio da Crítica) no Festival de Cannes de 1967. Glauber voltou a conquistar outro prêmio em Cannes, em 1977, com o curta-metragem 'Di-Glauber', sobre a morte do pintor Di Cavalcanti. 

Enquanto isso, 'Os Fuzis' (1964), de Ruy Guerra, conquistou o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Veneza de 1964. O filme 'Vidas Secas' (1963), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, também conquistou vários prêmios no Festival de Cannes, no mesmo ano de 1964. Em 1981, Leon Hirszman conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza com o filme 'Eles Não Usam Black-Tie' (1981).

Entre os seus principais nomes (como diretores) nós temos: Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues, Eduardo Coutinho, Roberto Farias, Roberto Santos, Arnaldo Jabor, Alex Viany, Paulo Gil Soares, Walter Lima Jr. e Zelito Viana. 

Um dos principais nomes do movimento, o cineasta Cacá Diegues, em seu livro 'Vida de Cinema', diz o seguinte a respeito desse grupo que criou o Cinema Novo: "O fato é nós não gostávamos dos filmes uns dos outros porque éramos amigos; mas éramos amigos porque gostávamos dos filmes uns dos outros".

Obs1: Trecho retirado do livro 'Vida de Cinema', de Cacá Diegues, página 80. 
Foto histórica de membros do Cinema Novo: Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Glauber Rocha e Leon Hirszman; Foto de David Zingg.

O movimento do Cinema Novo se caracterizou pelo desejo de mostrar a realidade em que o povo brasileiro vivia, que era marcada por pobreza, miséria, fome, abandono, desespero, marcada por gigantescas desigualdades sociais, étnicas, regionais, de classe e de gênero.

A decisão de mostrar essa realidade em seus filmes estava ligada à vontade dos cineastas do movimento de procurar despertar a formação de uma consciência crítica nacional e de caráter popular que levasse à formação de um forte movimento político que revolucionaria o país, tornando possível a criação de uma nova sociedade, justa e igualitária, com características socialistas. 

Os criadores do movimento também tinham a intenção de formar um público amplo para os filmes nacionais, consolidando uma cinema brasileiro bem estruturado e organizado, desenvolvendo uma indústria cinematográfica própria, que não dependesse dos recursos e das ideias originárias de Hollywood ou da Europa. 

Os cineastas do Cinema Novo também queriam que o movimento pudesse servir de exemplo e de modelo para outros países do então chamado 'Terceiro Mundo' que, naquela época, estavam lutando por sua independência. Afinal, não se pode esquecer que as décadas de 1950 a 1970 foram o período da chamada 'Descolonização' africana e asiática.
Cena de 'Porto das Caixas' (1962), que foi o primeiro longa-metragem de Paulo César Saraceni, conta com a participação de Irma Álvarez, Paulo Padilha e Reginaldo Faria.

Neste período, foram criadas dezenas de novas nações independentes na África e na Ásia e muitos governantes destes países recém-nascidos tinham projetos ambiciosos para desenvolver, econômica, social e culturalmente as suas nações. Estes foram os casos, por exemplo, de Kwame Nkrumah (Gana), e de Patrice Lumumba (antigo Congo Belga, atual Zaire). 

Além disso, também tivemos a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro e Che Guevara, que exerceu um grande impacto na América Latina.

E no Brasil isso não foi diferente, com a Revolução Cubana atingindo em cheio grande parte de uma juventude urbana intelectualizada, com origem principalmente na classe média, e que tinha plena consciência do atraso e do caráter subdesenvolvido do Brasil.

Afinal, o Brasil era um país imenso e com muitos recursos naturais (terras férteis, minérios, etc) mas que ainda era muito pobre e que possuía um povo que, na sua imensa maioria, vivia na pobreza e na miséria, enfrentando problemas graves de desemprego, fome, saúde e educação precárias em grande parte inacessíveis, crianças e menores abandonados.

Essa nova geração estava disposta a lutar por ideais de justiça social, igualdade e soberania para a construção de um Brasil rico e desenvolvido, que deixasse no passado a herança escravocrata e colonial, e uma parte da mesma decidiu usar o cinema como instrumento de transformação revolucionária da sociedade.
'Vida de Cinema', de Cacá Diegues, é um dos principais livros que foram escritos sobre a história do Cinema Novo.

Portanto, os membros do movimento eram todos de Esquerda, sendo que vários dos seus integrantes eram membros do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e vários deles (Cacá Diegues, Leon Hirszman) integravam, também, o CPC (Centro Popular de Cultura) que era ligada à UNE (União Nacional dos Estudantes) e que havia sido criado em 1962 (ele foi fechado pela Ditadura Militar em 1964).

Embora o PCB fosse um partido ilegal e não pudesse participar de eleições (com exceção do período 1945-1947), ele atuou com ampla liberdade no período de 1951-1964, principalmente durante os governos de Getúlio Vargas (1951-1954), JK (1956-1961) e de Jango (Setembro de 1961 a Março de 1964).

Com isso, o PCB conseguiu exercer uma relevante e grande influência sobre os movimentos operário, estudantil, camponês, movimentos sociais (por educação, saúde, moradia...) e também sobre uma parcela expressiva da intelectualidade nacional. 

Já no aspecto cinematográfico, as principais influências que tivemos sobre os cineastas e profissionais que criaram o Cinema Novo estão a Vanguarda Soviética dos anos 1920 (Sergei Eisenstein, Dziga Vertov), o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague. 

Desta maneira, cineastas como Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Jean-Luc Godard e François Truffaut eram bastante respeitados e admirados pelos cineastas do movimento brasileiro. 
Vittorio De Sica, Roberto Rossellini e Federico Fellini: Três dos principais cineastas italianos que foram, junto com Luchino Visconti, os mais representativos nomes do Neorrealismo Italiano, que exerceu uma grande influência sobre o cinema brasileiro a partir dos anos 1950.

Aliás, em um momento posterior, os filmes do Cinema Novo brasileiro serão bastante divulgados na Europa pela revista 'Cahiers du Cinéma', de onde saíram os críticos que criaram a Nouvelle Vague (Jean-Luc Godard, François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette, Eric Rohmer, Pierre Kast, Alexandre Astruc, Jacques Doniol-Valcroze...). 

E uma outra importante revista de cinema francesa que fez um grande trabalho de divulgação dos filmes dos cineastas do Cinema Novo foi a 'Positif', de perfil esquerdista. 

E alguns atores e atrizes franceses (as), como Jean-Pierre Léaud e Juliet Berto, trabalharam com cineastas como Glauber Rocha (em 'O Leão de Sete Cabeças' e 'Claro', respectivamente), enquanto que Jeanne Moreau trabalhou em 'Joanna Francesa', de Cacá Diegues.

Os integrantes do Cinema Novo também procuravam produzir filmes de baixo orçamento, de caráter autoral, que fossem revolucionários, ousados e inovadores no aspecto estético e no seu conteúdo, e que refletissem criticamente sobre a realidade nacional, tal como os movimentos italiano (Neorrealismo) e francês (Nouvelle Vague) também o fizeram. 

Além disso, os cineastas do movimento também criaram uma produtora, a Mapa Filmes, e uma distribuidora, a Difilm, a fim de ter um maior controle sobre os filmes que realizavam. A Difilm, diz Cacá Diegues em seu livro 'Vida de Cinema', tinha 11 sócios, incluindo o próprio Cacá, Glauber Rocha, Joaquim P. de Andrade, Leon Hirszman, Luiz C. Barreto, Nelson P. dos Santos, Paulo C. Saraceni, Roberto Farias e Roberto Santos.

'Bahia de Todos os Santos' (1960), dirigido por Trigueirinho Neto, faz parte do Ciclo Baiano de Cinema, que revelou Antônio Pitanga e Geraldo Del Rey para o cinema brasileiro. O filme é um dos precursores do Cinema Novo e tem como temas as lutas operárias, o racismo e a miséria.

Os comentários do cineasta Paulo César Saraceni, a respeito do seu primeiro longa-metragem ('Porto das Caixas'; 1962), resumem o projeto do Cinema Novo brasileiro:

"O orçamento era mínimo, mas fui eu quem fez e quis assim, ninguém me impôs nada. Eu insistia em fazer um filme pobre, porém rico em criação e inventividade. Cinema é isso. Produção é apenas supérfluo, coisas de gente rica. Um retrato do Brasil para o nosso mercado vilipendiado pelos americanos. Eu queria um novo mercado cinematográfico para filmes populares de arte. Como a música de Cartola. Isto tudo representava só 5% do mercado que os filmes brasileiros disputavam com os filmes europeus, japoneses, latino-americanos. Noventa e cinco por cento eram para filmes americanos. Não adiantava imitar os filmes americanos para continuar nesses 5%, o negócio era fazer filmes culturais e revolucionários, no tema e na linguagem, tentar o mercado externo e aí ampliar o nosso mercado. A chanchada tinha passado para a televisão e como bilheteria havia apenas Mazzaropi. O resto não existia. O Cinema Novo tinha que desbravar esse vergonhoso mercado, tinha que formar um público que amasse o cinema. Arriscar. Arte é isso.".

Logo depois, Saraceni também diz o seguinte:

"Um filme revolucionário não pode ser organizado e panfletário como quer o CPC, com palavras de ordem como reforma agrária, mais-valia etc. Terá que ser uma revolta anárquica, mística, inconsciente, espiritual e com a cara do povo brasileiro. É preciso dar esse grito inconsciente para chegar à consciência do povo. Eu queria uma revolução e não uma reforma agrária que o povo esfomeado e analfabeto não sabia o que era.".

Obs2: Esses trechos foram retirados do livro 'Por Dentro do Cinema Novo - Minha Viagem', de Paulo César Saraceni, págs. 136-137, editora Nova Fronteira, edição de 1993.
'Assalto ao Trem Pagador' (1962), dirigido por Roberto Farias, é baseado em uma história real. O filme mostra as desigualdades sociais, denuncia o racismo e o complexo de vira-latas de muitos brasileiros.

Comentários e Relação de Filmes!

Abaixo, publico comentários sobre 15 filmes bastante representativos deste período, incluindo 4 filmes que podem ser considerados como sendo precursores do Cinema Novo (os 4 primeiros da relação), bem como sobre outros 11 filmes que foram dirigidos por cineastas ligados ao movimento propriamente dito. O último filme da relação que comento é o 'Terra em Transe' (1967). 

E na sequência também publico uma relação de filmes que foram dirigidos pelos cineastas originários do Cinema Novo, ou por seus precursores.

1 - "Rio, 40 Graus" - Nelson Pereira dos Santos (1955).
'Rio, 40 Graus' (1955), de Nelson Pereira dos Santos, foi bastante influenciado pelo Neorrealismo Italiano e gerou um ciclo de filmes brasileiros dedicados a fazer críticas sociais, o que contribuir para a criação do Cinema Novo.

Este filme é, de fato, anterior ao início do Cinema Novo, sendo um precursor do movimento, mas foi realizado por um cineasta, Nelson Pereira dos Santos, cineasta com ideias de Esquerda e que, posteriormente, se integrou ao movimento cinema-novista, tornando-se um dos seus principais realizadores, bem como um líder e mentor dos integrantes do movimento.

O filme possui, na verdade, um claro caráter Neorrealista e faz uso de vários dos elementos que estão presentes nos filmes do revolucionário movimento cinematográfico italiano, como o uso de locações naturais (a cidade do Rio de Janeiro, é claro) e de atores não profissionais, preocupando-se ainda em mostrar quais eram as condições de vida dos trabalhadores e dos miseráveis moradores das favelas cariocas.

Assim, este clássico
filme também procura também mostrar quais eram as principais características da sociedade brasileira do período, que era marcada por gigantescas desigualdades sociais, subemprego, pobreza, miséria, exploração do trabalho infantil. Qualquer semelhança com a realidade atual do país não é mera coincidência, infelizmente. 

O filme chegou a ser censurado e em função disso, com os censores afirmando que 'Rio, 40 Graus' apresentar aspectos negativos do Rio de Janeiro, de possuir elementos comunistas e, até, de ter um título enganoso, pois a cidade jamais teria registrado uma temperatura de 40 graus...
'Rio, 40 Graus' (1955), de Nelson Pereira dos Santos, foi um divisor de águas no cinema brasileiro, mostrando a realidade das favelas e deixando claro as imensas desigualdades sociais e raciais existentes no país. O sucesso do filme gerou o início de um ciclo de cinema com filmes marcados por fortes críticas sociais e que foi bastante influenciado pelo Neorrealismo Italiano.

Desta maneira, o filme foi lançado apenas em Março de 1956, durante o governo JK, bem mais liberal e democrático do que o anterior, do presidente reacionário e golpista Café Filho, que era Vice de Getúlio Vargas e participou do Golpe que resultou no suicídio do mesmo, em Agosto de 1954.

'Rio, 40 Graus' mostra, principalmente, a vida de crianças negras das favelas cariocas que ajudam as suas famílias vendendo amendoim nos pontos turísticos da cidade e locais que atraem bastante pessoas, como o Maracanã, as praias e o Pão de Açúcar e que eram tratadas com desprezo e violência por muitos adultos. O filme também denuncia a corrupção política e a exploração do trabalho infantil por adultos. 

E também temos segmentos nos quais um jogador de futebol tem que substituir um veterano ídolo da torcida, mas que se encontra próximo da aposentadoria, uma jovem que fica grávida do noivo e tem que contar isso para o irmão, uma família que usa a jovem e bonita filha como isca para atrair um político inescrupuloso, uma jovem da favela que abandona o antigo namorado, que vive de malandragens, para que se casar com outro com quem poderá vir a ter uma vida melhor e mais segura.

O filme fez muito sucesso e gerou uma grande polêmica, tornando-se um divisor de águas no cinema brasileiro, sendo que depois do mesmo tivemos o início de um ciclo no qual foram produzidos inúmeros filmes que procuravam mostrar a vida da população e que faziam críticas sobre certos aspectos da sociedade brasileira.

2 - A Grande Feira (Roberto Pires; 1961).

'A Grande Feira' (1961) é um dos principais filmes do chamado 'Ciclo Baiano de Cinema' (1957-1962), sendo que Roberto Pires foi o seu principal produtor e diretor. Do ciclo saíram nomes como Glauber Rocha, Othon Bastos, Geraldo Del Rey, Helena Ignez, Lucy de Carvalho e Antônio Pitanga.

Este ótimo filme é mais um que está entre os precursores do Cinema Novo, sendo um dos principais representantes do ciclo cinematográfico da chamada 'Nova Onda Baiana' ou 'Ciclo Baiano de Cinema', que se desenvolveu entre 1958 e 1962, de onde saíram nomes fundamentais para o Cinema Novo, como os de Glauber Rocha, Helena Ignez, Geraldo Del Rey, Antônio Pitanga e Othon Bastos. 

O diretor do filme é Roberto Pires, que foi um pioneiro do Cinema na Bahia, e que foi um cineasta autodidata, que aprendeu a fazer cinema depois de assistir a inúmeros filmes, policiais em especial, nos cinemas do centro de Salvador. 

Ele trabalhava ajudando o pai, um comerciante, e usou o dinheiro dos salários recebidos para comprar equipamentos (uma câmera 16mm) e películas que permitiram que dirigisse dois curtas-metragens: 'O Sonho' e 'Calcanhar de Aquiles', ambos de 1955. 

Ele chegou a criar um tipo de lente anamórfica, que chamou de 'Igluscope', que lhe permitia filmar em cinemascope, dirigindo um documentário, 'Bahia em visão natural', de 1958. Ele se uniu a mais três sócios e fundou a sua própria produtora (a 'Iglu Filmes'). 

Neste mesmo ano Pires realizou o seu primeiro longa-metragem, 'Redenção', que foi o primeiro longa-metragem produzido na Bahia. A 'Iglu Filmes' também produzia dois cinejornais, a fim de conseguir recursos para viabilizar a produção dos filmes. 
Cena de 'A Grande Feira' (1961), com Luiza Maranhão e Antônio Pitanga, dois dos nomes que foram revelados pelo Ciclo Baiano de Cinema, que se desenvolveu entre 1957 e 1962.

Em 1961, Roberto Pires dirigiu este belíssimo "A Grande Feira", que era fortemente influenciado pelos filmes policiais que assistiu e que mostra a vida do povo de uma região de Salvador, cuja população é de feirantes e pequenos comerciantes, cuja fonte de sobrevivência se encontra ameaçada de ser destruída devido a um projeto de uma grande imobiliária. 

O filme também retrata a vida pessoal de alguns moradores da região, como a bonita e sensual Maria (Luiza Maranhão), namorada do criminoso Chico Diabo (Antônio Pitanga) e o marinheiro Rony (Geraldo Del Rey) 

Assim, o filme de Roberto Pires mostra que o processo de desenvolvimento econômico e de modernização que o Brasil experimentava no período de governo de JK (o 'Plano de Metas', cujo slogan era '50 anos em 5'), apesar do rápido crescimento econômico que gerou, vinha carregado com elementos tradicionais e conservadores, que não levava em consideração as necessidades de sobrevivência da população pobre e miserável do país. 

Em 1962, Roberto Pires filmou 'Tocaia no Asfalto' e, depois, já instalado no Rio de Janeiro, filmou 'Crime no Sacopã' (1963), que estreou no mesmo dia do assassinato de John F. Kennedy e acabou prejudicado por isso. Posteriormente, o filme se perdeu e ninguém sabe se existe, ainda, alguma cópia do mesmo.

3- O Pagador de Promessas (Anselmo Duarte; 1962).

'O Pagador de Promessas' (1962), de Anselmo Duarte, ainda é o único filme brasileiro a conquistar uma Palma de Ouro no Festival de Cannes, onde foi bastante aplaudido. O diretor e os protagonistas foram convidados para trabalhar na Europa, mas apenas Norma Bengell aceitou o convite, indo trabalhar na Itália.

Este belíssimo e emocionante filme, um dos melhores da cinematografia nacional, que foi dirigido por Anselmo Duarte, foi o único filme brasileiro, até hoje, a conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962. No festival, quando o filme foi exibido, o mesmo foi aplaudido em pé pelo público. 

Essa importante conquista ocorreu mesmo com o filme brasileiro tendo enfrentado uma disputa acirrada com filmes que, agora, também são considerados clássicos, como 'O Anjo Exterminador' (Luis Buñuel), 'O Eclipse' (Michelangelo Antonioni), 'Cléo das 5 às 7' (Agnès Varda), 'Divórcio à Italiana' (Pietro Germi) e 'O Julgamento de Joana D'Arc' (Robert Bresson).

Anselmo Duarte havia ficado cerca de dois anos viajando pela Europa, onde frequentou o IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos) na França, assistiu a centenas de filmes, participou de vários filmes em Portugal, na Espanha e na França. Ele também esteve em vários festivais, incluindo o de Cannes em 1960, atualizando-se sobre o que de melhor se fazia no cinema internacional da época. 

E quando retornou ao Brasil, ele assistiu à peça 'O Pagador de Promessas', de Dias Gomes (que era ligado ao PCB) e ficou entusiasmado com a mesma, pedindo ao autor que lhe permitisse fazer uma adaptação da mesma para o cinema. Dias Gomes, inicialmente, não aceitou, mas mudou de ideia quando Anselmo lhe disse que se pudesse fazer o filme ele traria a Palma de Ouro para o Brasil. 

Logo, não foi apenas o personagem de Leonardo Villar (o 'Zé do Burro) que pagou uma promessa, pois Anselmo Duarte também fez o mesmo, conquistando a Palma de Ouro para o cinema brasileiro.
Eva Wilma e Geraldo Del Rey em cena de 'O Pagador de Promessas' (1962), que ainda é o único filme brasileiro a conquistar uma Palma de Ouro no Festival de Cannes.

'O Pagador de Promessas' não é parte integrante do movimento do Cinema Novo, mas é um precursor do mesmo, na medida em que temos, no filme, vários temas comuns ao movimento liderado por Glauber Rocha, como as desigualdades sociais e a pobreza extrema em que viviam grande parte dos trabalhadores rurais e pequenos camponeses brasileiros naquela época.

Anselmo Duarte não era bem visto por vários membros do Cinema Novo, devido ao seu passado de galã e de astro das chanchadas da Atlântida, e por filmar usando o que aprendera na Atlântida e na Vera Cruz, mas desde o seu primeiro longa-metragem (Absolutamente Certo; 1958) ele mostrava que a sua trajetória como cineasta seria bem diferente.

Afinal, em seu primeiro filme, Anselmo já mostrava o seu talento como diretor (até Glauber Rocha o elogiou, reconhecendo o filme como sendo um trabalho autoral) e  usava de críticas sociais para mostrar algumas mudanças que ocorriam na sociedade brasileira da época, como a emergência da Televisão, tema pelo qual a intelectualidade do país não tinha maior interesse. 

O filme também procura mostrar uma visão bastante crítica em relação à pequena burguesia, à imprensa, à classe política e em relação a outros segmentos sociais que tentam tirar proveito do Zé do Burro. 

O filme conta com um elenco excepcional e tem uma atuação absolutamente fantástica, espetacular, sensacional, do grande Leonardo Villar (que irá completar 97 anos em Julho próximo). E ainda temos Othon Bastos, Geraldo Del Rey, Antônio Pitanga (os três revelados pelo 'Ciclo Baiano de Cinema' de 1957-1962), Glória Menezes, em início de carreira, e Norma Bengell. 
Dionísio Azevedo interpreta o padre Olavo, enquanto que Leonardo Villar interpreta o Zé do Burro, que tenta cumprir uma promessa, mas o padre não permite. O conflito entre uma Igreja Católica conservadora e as religiões de origem africana é um dos principais temas do filme, que também faz inúmeras críticas a outros segmentos da sociedade (imprensa, classe política...).


A história do filme gira em torno de um pequeno agricultor (o 'Zé do Burro') do interior da Bahia que cumpre uma promessa, a de carregar uma cruz até Salvador, no dia em que iria ocorrer a procissão em homenagem à Santa Bárbara, pelo fato de acreditar que o seu burrinho (chamado Nicolau) foi curado ao fazer tal promessa. E para o Zé do Burro o Nicolau é o seu melhor amigo.  

Porém, o 'Zé do Burro' fez a promessa em um terreiro de Candomblé, para Iansã (que é Santa Bárbara no Catolicismo), e ao chegar na igreja em Salvador e contar essa história para o Padre Olavo (interpretado brilhantemente por Dionísio Azevedo) tem a sua entrada na igreja proibida pelo mesmo, o que gera uma imensa confusão em torno da mesma, atraindo o interesse de curiosos, jornalistas, comerciantes, políticos, mães-de-santo, capoeiristas. 

O filme conta, assim, a história de um indivíduo sincero e honesto, que é originário das camadas populares, mas que acaba sendo envolvido por inúmeros oportunistas que desejam se aproveitar e tirar proveito da sua fé, mostrando o péssimo caráter de todas elas. Assim, não é de se surpreender que o melhor amigo dele seja um burrinho. 

O filme possui uma bela fotografia, uma trilha sonora excelente e ângulos e movimentos de câmera que mostravam o pleno domínio de Anselmo Duarte sobre a linguagem cinematográfica, bem como a presença de elementos claramente modernos na obra.

Imperdível.

4- O Assalto ao Trem Pagador (Roberto Farias, 1962).
'Assalto ao Trem Pagador' (1962), de Roberto Farias, é baseado em uma história verdadeira e contou com um grande elenco. 


Este é um excelente filme policial e que possui tons sociológicos e que foi dirigido por Roberto Farias (falecido em Maio de 2018). Ele foi baseado em fatos verdadeiros e que conta com um elenco excepcional: Reginaldo Farias, Eliezer Gomes, Jorge Doria, Luiza Maranhão, Ruth de Souza, Helena Ignez, Grande Otelo e Wilson Grey. 

A história do filme conta as consequências de um ousado assalto a um trem que transportava grande quantidade de dinheiro. O assalto é um sucesso, mas os ladrões começam a se desentender sobre como agir posteriormente. 

O filme também usa o assalto para mostrar algumas das principais características do país, como as imensas desigualdades sociais, o sensacionalismo da imprensa, o racismo, as hierarquias sociais e o complexo de vira-latas, com vários policiais e jornalistas dizendo que um assalto tão bem planejado e executado jamais poderia ter sido feito por brasileiros.

Quem deu a sugestão para que Roberto Farias filmasse a história foi Glauber Rocha e o filme conta com a participação de Luiz Carlos Barreto, que foi fotógrafo da revista 'O Cruzeiro' e conhecia muitas pessoas do meio político, financeiro e intelectual, tornando possível a produção do filme.

5 - Porto das Caixas (Paulo César Saraceni; 1962).

'Porto das Caixas' (1962), um filme de Paulo César Saraceni que remete ao Neorrealismo Italiano e ao Policial Noir. Sua história gira em torno de um casal cujo casamento está em crise e tem uma mulher na condição de protagonista.

Este foi o primeiro longa-metragem de Paulo César Saraceni, que já havia realizado dois curtas-metragens: 'Caminhos' (em 16mm; 1959) e 'Arraial do Cabo' (1960). O filme tem uma clara influência do Neorrealismo italiano, especialmente da obra de Rossellini, da qual Saraceni era um grande admirador. 

A trama se passa em Porto das Caixas, bairro da cidade de Itaboraí (interior do estado Rio de Janeiro), e conta a história de uma mulher casada (Irma), mas que é infeliz no casamento e que acaba se envolvendo com outros homens, a fim de convencer a pelo menos um deles para que mate ao seu marido (Paulo). 

A trama do filme foi baseada em uma história real (o 'Crime da Machadinha') e também tem a influência dos clássicos 'Ossessione' (Luchino Visconti) e 'O Destino Bate à Sua Porta' (Tay Garnett), dois filmes que foram adaptados do livro policial 'hard-boiled' de James M. Cain. 

A atuação da bela Irma Alvarez, ex-vedete do teatro de revista, é um grande destaque do filme, mostrando uma mulher sofrida e que vai, gradualmente, se preparando para cometer o crime que planeja. 

Irma Alvarez era argentina, mas fez carreira no Brasil, tendo participado de outros filmes de destaque de cineastas ligados ao Cinema Novo, como o 'Todas as Mulheres do Mundo' (Domingos de Oliveira; 1966), 'Terra em Transe' (Glauber Rocha; 1967), 'O Homem Nu' (Roberto Santos; 1968) e 'Pra Frente, Brasil' (Roberto Farias; 1982). 

Ressalte-se a belíssima fotografia do filme, que remete às gravuras de Oswaldo Goeldi, a quem o filme é dedicado, e também a trilha sonora com músicas de Tom Jobim, bem como a participação da bela Irma Álvarez, de Reginaldo Farias e de Paulo Padilha.

6 - Barravento (Glauber Rocha; 1962).

'Barravento' (1962), de Glauber Rocha, mostra a vida de pescadores de xaréu do litoral baiano. Usando de atores não profissionais, o cineasta critica a forte influencia do misticismo (candomblé) de origem africana na forma de pensar e agir dos mesmos, o que os leva ao conformismo, antecipando o que veríamos em seu filme seguinte, a obra-prima 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (1964).

Este foi o primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha, nome maior do cinema brasileiro, e no mesmo nota-se claramente a influência do Neorrealismo Italiano, em especial do filme 'A Terra Treme', de Luchino Visconti, que trata do trabalho e da vida de pescadores da Sicília. 

O filme de Glauber filme ainda faz parte do Ciclo Baiano de Cinema (e, de certa maneira, é o filme derradeiro do movimento, mas já antecipa alguns elementos que estarão presentes em seus filmes posteriores. 

A trama do filme gira em torno de uma comunidade de pescadores do litoral da Bahia. Glauber mostra uma visão crítica em relação ao fato de que os pescadores, que vivem na miséria, se apegam fortemente à religiosidade e aos aspectos místicos da sua existência, esperando por uma intervenção divina que possa lhes tirar daquela situação em que vivem. 

Quando aparece alguém que tenta quebrar esses grilhões, o jovem e esperto Firmino (interpretado por Antônio Pitanga), tal pessoa acaba sendo discriminada pela comunidade, que se recusa a abandonar aquelas crenças que já vem de muitas gerações. 

Assim, eles se mostram incapazes de se organizar para lutar contra a exploração que sofrem por parte do comerciante, que é o dono da rede usada pelos pescadores e que sequer mora no local, e contra o abandono dos governantes, que nada fazem em seu benefício.
"Barravento" (1962): Luiza Maranhão e Antônio Pitanga foram dos dois principais nomes que foram revelados pelo Ciclo Baiano de Cinema.

Desta maneira, a polícia fica ao lado do comerciante quando ocorre um conflito entre o mesmo e os pescadores em função da rede ter sido rasgada por Firmino, que desejava provocar um conflito entre os pescadores e o comerciante, levando-os à rebelião, mas isso não acontece. 


Outros filmes do momento inicial do Cinema Novo também mostravam alguém que tentava agir no sentido de provocar uma rebelião contra aqueles que exploram os trabalhadores (comerciantes, latifundiários), mas essa rebelião nunca acontecia, devido ao conformismo dos trabalhadores. Isso também acontece, por exemplo, em 'Os Fuzis', com o personagem Gaúcho, e em 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (com o o beato Tião e com o cangaceiro Corisco).  

Originalmente, Glauber Rocha era apenas o produtor do filme, que era um projeto da 'Iglu Filmes', produtora de Roberto Pires, mas fortes desentendimentos com Luiz Paulino, o diretor, levaram a que Glauber assumisse o controle, mudando bastante o roteiro e a trama originais. 

O filme também conta com a participação de Antônio Pitanga e da bela Luiza Maranhão, que também atuaram em 'A Grande Feira', de Roberto Pires, bem como da belíssima Lucy de Carvalho, que atuou em 'Os Cafajestes' (1962), de Ruy Guerra. O filme de Glauber também mostra uma cena de nu frontal, mas como o filme de Ruy Guerra foi lançado primeiro.

7 - Os Cafajestes (Ruy Guerra; 1962).

'Os Cafajestes' (1962): Filme que mostrou o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, em uma bela cena na praia, o que contribuiu para o sucesso do filme, gerando muita polêmica.

Este foi o primeiro longa-metragem dirigido por Ruy Guerra, um cineasta de origem moçambicana que veio para o Brasil e que se tornou um dos principais nomes do Cinema Novo, tendo dirigido vários filmes importantes do movimento, como o clássico 'Os Fuzis' (1964). 

O filme conta com a participação de Jece Valadão, que também foi o produtor, Daniel Filho, Norma Bengell, Hugo Carvana, Lucy de Carvalho e de Glauce Rocha.

É perfeitamente possível perceber, na trama e na maneira de contar a história, a forte influência dos filmes realizados por Michelangelo Antonioni, principalmente do belo 'A Aventura' (1960), filme do mestre italiano que mostrava personagens alienados, conflitos amorosos, em histórias que ocorrem em locais isolados e com o clima e o ambiente (nublado, cinzento) possuindo uma clara conexão com os sentimentos dos personagens. 

A história do filme de Ruy Guerra gira em torno de uma dupla de amigos, Vavá (interpretado por Daniel Filho) e Jandir (interpretado por Jece Valadão), sendo que o primeiro é um membro da Burguesia carioca, mas que descobre que o seu pai está passando por dificuldades financeiras e corre o risco de ir à falência. 

Assim, Vavá convence o seu amigo Jandir, originário de uma família de classe média, a ajudá-lo a chantagear a bela Leda (interpretada por Norma Bengell), que é amante de seu tio, que é muito rico, a fim de impedir que o seu pai perca tudo. Em troca da sua colaboração, Jandir irá ganhar um belo veículo esportivo de presente de Vavá, que é o mesmo no qual eles viajam.

Para isso, eles a levam para a praia, onde ela fica nua e Vavá (escondido no porta-malas do carro) aproveita para tirar fotos de Leda. Nesta sequência, de pouco mais de quatro minutos, vemos a primeira cena de nu frontal do cinema brasileiro, o que gerou bastante polêmica, mas também atraiu um grande interesse do público, levando o filme a ser um dos maiores sucessos do cinema nacional na década de 1960.

'Os Cafajestes' (1962): Vavá (Daniel Filho) e Vilma (Lucy de Carvalho). Filme dirigido por Ruy Guerra, diretor que nasceu em Moçambique e que trabalhou em vários países (Cuba, França, Portugal...), fazendo a maior parte dos seus filmes no Brasil.

Porém, eles se decepcionam quando descobrem que o relacionamento dela com o tio terminou. Com isso, eles convencem uma prima de Vavá, a belíssima Vilma (Lucy de Carvalho), a ir junto com eles para a praia, onde Jandir tenta forçar a bela jovem a ter relações com ele e o primo cafajeste também tenta seduzi-la, dizendo que é apaixonado por ela. 

Porém, depois disso, Jandir se interessa por Vilma, que corresponde ao seu desejo, depois que ela desprezou o primo, mas ele não consegue atingir o clímax. Mais adiante, será a vez de Vilma tentar seduzir Vavá, mas este também acaba falhando. 

O filme não tem uma narrativa linear e em vários momentos não sabemos qual é a sequência 'correta' dos acontecimentos. E também temos algumas das cenas mais bonitas e sensuais do cinema brasileiro, mais para o final do filme, que ocorrem na praia, durante a noite, com as belíssimas Lucy e Norma seminuas. 

O filme de Ruy Guerra é extremamente crítico em relação ao comportamento machista de Vavá e Jandir, membros da burguesia que tratam as mulheres como sendo meros objetos de desejo, mas que na hora H, de ter relações sexuais com ambas, eles acabam falhando. 

O filme, aliás, foge ao que era mostrado nas primeiras produções do Cinema Novo, que focava na vida dos trabalhadores miseráveis, das cidades e principalmente da área rural e do sertão nordestino, mostrando a vida desregrada de membros desonestos, cafajestes, da burguesia carioca.

'Os Cafajestes' disputou com 'O Pagador de Promessas' (Anselmo Duarte), o direito de ser o representante do Brasil na disputa pela Palma de Ouro em Cannes, em 1962, mas foi preterido, apesar do apoio total dos integrantes do Cinema Novo. 

Esse acontecimento deve ter influenciado no comportamento nada amistoso de vários integrantes do movimento em relação ao único filme brasileiro a conquistar o prêmio máximo no maior festival de cinema do mundo, bem como em relação ao próprio Anselmo Duarte. 

Isso também aconteceu, em grande parte, porque a trajetória no cinema era bem diferente daquela dos cineastas do Cinema Novo, pois ele trabalhou nas chanchadas da Atlântida e em filmes da Vera Cruz, que se baseavam na estrutura narrativa hollywoodiana tradicional.. 

Apesar disso, Cacá Diegues disse, em seu livro 'Vida de Cinema', que os membros do movimento gostavam, sim, de Anselmo Duarte e que sempre que o mesmo viajava para o Rio de Janeiro, ele era muito bem recebido e os diretores 'cinemanovistas' conversavam bastante com o mesmo, que contava histórias hilariantes, dando muitas risadas juntos.   

8 - Vidas Secas (Nelson P. dos Santos; 1963).

'Vidas Secas' (1963): Adaptação do livro de Graciliano Ramos, o filme faz parte da chamada 'Trilogia de Ouro' do Cinema Novo, que também inclui 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' e 'Os Fuzis'.

O filme é uma adaptação do clássico livro 'Vidas Secas', de autoria de Graciliano Ramos, e foi filmado no sertão da Bahia. Consta que na primeira vez em que esteve no local escolhido para filmar, estava chovendo torrencialmente, o que obrigou Nelson Pereira dos Santos a mudar os seus planos, filmando 'Mandacaru Vermelho' antes de 'Vidas Secas'.

Nelson Pereira dos Santos foi um pioneiro em mostrar a realidade do país e do povo brasileiro nas telas do cinema, tal como mostram os seus filmes 'Rio, 40 Graus' (1955) e 'Rio Zona Norte' (1957), sendo bastante influenciado pelo Neorrealismo Italiano. 

Ele influenciou inúmeros cineastas, incluindo os criadores do Cinema Novo, e acabou se integrando ao movimento, tornando-se um respeitado membro do movimento, assumindo um papel de líder e mentor do mesmo.

'Vidas Secas' concorreu à Palma de Ouro em Cannes, em 1964, mesmo com o governo brasileiro tendo escolhido 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' para representar o país no festival. Isso aconteceu em função do filme de Nelson P. dos Santos ter sido reconhecido pelos franceses como um excelente filme.

Assim, o Brasil teve dois filmes concorrendo ao prêmio máximo do Festival de Cannes em 1964. E a não premiação dos dois filmes revoltou inúmeros jornalistas e críticos, que concederam à 'Vidas Secas' vários prêmios paralelos, como os prêmios de 'Cinema de Arte', da Juventude e do OCIC (Escritório Católico de Cinema).
'Vidas Secas' (Nelson Pereira) e 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (Glauber Rocha) concorreram à Palma de Ouro em Cannes, em 1964.

A história do filme se desenvolve em torno de uma família (pai, mãe, dois filho e um cãozinho) de miseráveis sertanejos que vagam pelo sertão do Nordeste em busca de um local onde possam se estabelecer de forma permanente, sonhando com uma vida melhor. 

Depois de muito vagar pelo sertão, embaixo de um sol terrível e de uma seca inclemente, eles finalmente encontram um pequeno sítio, aparentemente abandonado, mas que pertence a um latifundiário da região, para o qual eles começam a trabalhar. A família divide a criação de bezerros com o mesmo, sendo que a família fica com 1 bezerro de cada 4 que eles criam, mostrando a exploração deles pelo latifundiários. 

Em seu livro 'Vida de Cinema', o cineasta Cacá Diegues conta que muitos (as) franceses (as) pensaram que a cadela 'Baleia', que morre no filme, tinha mesmo morrido, gerando uma grande indignação entre eles (as). Para provar que isso não tinha acontecido, Nelson P. dos Santos mandou buscar 'Baleia' no Brasil e a chegada dela no aeroporto de Nice foi acompanhado pela imprensa, sendo que a cachorrinha virou tema de conversa no festival.


Assim, o filme mostra a realidade do sertão nordestino, marcada pelas terríveis secas, pela exploração da força de trabalho, pelo abandono da população pelos governantes, que desejam apenas cobrar impostos dos moradores, mas que nada fazem por eles, os abusos policiais contra os trabalhadores, cuja fome e miséria em que vivem são expostos neste belo clássico do Cinema Novo.

9 - Ganga Zumba (Cacá Diegues; 1963).
'Ganga Zumba' (1963): Filme de Cacá Diegues trata da luta pela liberdade dos escravos, fazendo conexão com as lutas políticas e sociais que ocorriam no Brasil nos anos 1960.

Este foi o primeiro longa-metragem de Cacá Diegues, que completou 23 anos durante as filmagens, e também foi o primeiro dos três filmes que o cineasta dirigiu e que estão relacionados à questão da história da escravidão no Brasil.

Depois, ele também dirigiu 'Xica da Silva' (1976) e 'Quilombo' (1984), sendo que este último é a conclusão da história que vemos neste belíssimo 'Ganga Zumba' e que deveria ter sido incluída no mesmo, mas que ficou de fora da produção devido à falta de recursos, pois o projeto original revelou-se muito ambicioso, segundo o próprio Cacá Diegues. Este declarou que produzir 'Quilombo' foi a maneira dele quitar uma dívida com ele mesmo.

A produção foi prejudicada pelos poucos recursos financeiros disponíveis para a sua realização, pois a ideia inicial do cineasta era mostrar como era a vida no Quilombo dos Palmares, o que ele somente conseguiu fazer em 1984, quando dirigiu 'Quilombo'. 

O filme contou com financiamento do Banco Nacional de Minas Gerais, de propriedade da família do então governador do estado, Magalhães Pinto, cujo sobrinho (José Luiz de Magalhães) comandava a instituição financeira que financiou inúmeros filmes do 'Cinema Novo', como 'Vidas Secas' (Nelson Pereira dos Santos), 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (Glauber Rocha) e 'Os Fuzis' (Ruy Guerra).

Antônio Pitanga interpreta Ganga Zumba. Ele está presente em vários dos mais importantes filmes do Cinema Novo.

A maior parte das filmagens foi feita no município de Campos (norte do estado do Rio de Janeiro), onde existiam imóveis coloniais e antigas fazendas de cana-de-açúcar. E a parte final do filme foi concluída na Floresta da Tijuca.

Em 'Ganga Zumba' vemos a história desse herdeiro de uma linhagem real africana e que era escravo em uma fazenda de cana-de-açúcar na capitania de Pernambuco, onde se localizava o Quilombo dos Palmares. O filme conta a história do plano elaborado para libertar Ganga Zumba, com o objetivo de levá-lo para o Quilombo.

O filme é baseado em um livro de autoria de João Felício dos Santos, sendo um romance histórico, e Ruy Guerra foi quem deu a sugestão para que Cacá Diegues fizesse a adaptação.

O cineasta diz em seu livro ('Vida de Cinema') que teve muitas dificuldades para captar recursos a fim de viabilizar a produção, tendo que recorrer a bancos, familiares e amigos. Diegues também contratou  profissionais que trabalharam sem receber salários, pagando os mesmos por meio do direito de participação na renda futura do filme.
'Ganga Zumba' (1963): Filme de um jovem Cacá Diegues mostra as manifestações culturais e religiosas de origem africana.

O filme conta com a participação de Antonio Pitanga, Luiza Maranhão, Eliezer Gomes, Léa Garcia e Teresa Raquel. Os sambistas Cartola e Dona Zica, amigos de Cacá Diegues, e a cantora Nara Leão também tem pequenas participações. 

'Ganga Zumba' foi exibido na Semana da Crítica no Festival de Cannes, em 1964, que era realizada para cineastas em início de carreira e foi muito bem recebido, tendo sido bastante elogiado por Bernardo Bertolucci, que também exibiu o seu filme 'Prima Della Rivoluzione' neste evento.

O filme se baseia no livro, de mesmo título, de autoria de João Felício dos Santos e tem quase todo o seu elenco formado por atores e atrizes de origem afro-americana, tais como Antônio Pitanga, Luiza Maranhão, Léa Garcia. O filme ainda contou com as participações de Cartola e da Dona Zica. Cacá Diegues disse que o seu interesse pelo assunto existia desde a sua infância, em Maceió, sua cidade natal. 

Cacá Diegues afirmou que 'Ganga Zumba' foi uma estreia diferente da de outros cineastas do Cinema Novo, possuindo características diferentes, como o fato de ser "um filme de época, um espetáculo de ficção semi-operístico, uma espécie de expressionismo política", dizendo ainda que isso gerou uma certa polêmica na época.

A história do filme mostra o momento histórico (por volta de 1660/1670) em que o Quilombo dos Palmares sofria sucessivos ataques dos portugueses, que tentavam destruir o mesmo, que se localizava na Serra da Barriga, em Alagoas, terra natal de Cacá Diegues e de sua família. 

No período colonial, o território onde se localizava o Quilombo dos Palmares fazia parte da Capitania de Pernambuco, que era vizinha da Capitania da Bahia, que eram as duas principais capitanias açucareiras do Brasil, possuindo o maior número de escravos africanos em todo o território brasileiro. 
Luiza Maranhão, Antônio Pitanga e Eliezer Gomes em 'Ganga Zumba', filme no qual quase todos os atores são negros, pois a história foi contada com base na perspectiva dos escravos.

Ganga Zumba era filho de uma princesa africana e nasceu no Congo, mas chegando ao Brasil foi escravizado. Sabendo da sua origem real africana, os líderes de Palmares decidem realizar uma ação para libertar Ganga Zumba e, assim, poder levar o mesmo ao Quilombo dos Palmares, para que assuma a liderança dos quilombolas.

O mais interessante no filme é que a história é inteiramente contada a partir da perspectiva dos escravos africanos. É a voz deles que vemos ser falada no filme e não a dos senhores de Engenho ou do governo de Portugal, postura essa que estava inteiramente de acordo com o projeto cinematográfico e, também, político do Cinema Novo.

Além disso, ao mostrar a luta dos escravos por sua liberdade, o filme também estabelecia uma clara conexão com as lutas políticas e sociais que se desenvolviam intensamente no Brasil no período em que foi produzido.

Neste período, nós tínhamos uma intensa luta pela Reforma Agrária (Ligas Camponesas e Sindicatos de Trabalhadores Rurais), o movimento operário era bastante atuante, promovendo inúmeras greves, bem como o movimento estudantil se fortalecia cada vez mais (UNE).

E também havia, nesta época, uma atividade intensa de intelectuais, que atuavam para transformar a sociedade brasileira e superar as heranças coloniais que ainda existiam e que eram responsáveis pelo atraso e pelo subdesenvolvimento do país (concentração de renda, desigualdades sociais, miséria, fome), com a criação do CPC da UNE, o Teatro de Arena, a Bossa Nova (que se tornou mais politizada com o tempo), a Poesia Concreta e o próprio Cinema Novo.

10 - Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha; 1964).

'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (1964): Quando o filme de Glauber foi lançado ele foi considerado, pelos membros do Cinema Novo, como o filme que sintetizava a proposta do movimento. O diretor de 'Parasite', Bong Joon-ho, é outro grande admirador da obra de Glauber, principalmente deste filme.

Este é um dos maiores clássicos do cinema nacional e foi recebido pelos próprios cineastas do Cinema Novo como a obra-prima que sintetiza a proposta moderna, inovadora e revolucionária do movimento. Um crítico da época, ao assistir o filme, disse que Eisenstein havia renascido e que o mesmo era brasileiro (Glauber, é claro).

O Cinema Novo procurou criar e desenvolver um cinema brasileiro dotado de uma linguagem autenticamente nacional, mas que tivesse alcance internacional e estivesse 'alinhada com as vanguardas universais'. E o Cinema Novo também "se comportava como se fosse o registro autorizado da voz do país e, ao mesmo tempo, absorvia o que de melhor acontecia na ponta criativa do planeta".

Obs3: Os comentários que coloquei entre aspas no parágrafo acima foram retirados do livro 'Vida de Cinema', de Cacá Diegues, página 193.

O Cinema Novo fazia uma reflexão crítica sobre a realidade brasileira do período, que era marcada por exploração dos trabalhadores, miséria, fome, analfabetismo, violência, injustiças, que é o que vemos em vários outros filmes clássicos do movimento, como 'Vidas Secas' (Nelson P. dos Santos; 1963) e 'Os Fuzis' (Ruy Guerra; 1964). 

Geraldo Del Rey e Yoná Magalhães interpretam um casal de sertanejos miseráveis (Manuel e Rosa) que seguem um beato (Sebastião) e depois se integram ao bando do cangaceiro Corisco. Glauber deixa claro que nem o misticismo e tampouco o banditismo seriam soluções para resolver os problemas sociais do país. 


Em seu livro 'Vida de Cinema', Cacá Diegues disse o seguinte: "Pretendíamos criar um cinema nacional fundado em valores culturais que fossem originalmente nossos, sabíamos que isso implicava reeducar o público para a nova língua cinematográfica resultante desse esforço". Ele também diz que Glauber era o 'nosso cineasta mais ousado'. 

E é exatamente isso que vemos em 'Deus e o Diabo na Terra do Sol', que mostra a realidade do sertão nordestino, com seu arraigado misticismo popular, violência endêmica (jagunços, cangaceiros) e exploração dos miseráveis trabalhadores pelos latifundiários (chamados de 'coronéis'), que ainda sofrem com a seca.

Glauber mostra que a busca dos miseráveis sertanejos por soluções no misticismo (sempre esperando por milagres) e no cangaço (usando do banditismo puro e simples) está fadada ao fracasso, pois não resolver os problemas estruturais daquela sociedade atrasada e ainda gera reações violentas e brutais por parte das principais instituições e das classes dominantes: Igreja Católica, Militares, Latifundiários e Governo.

A história do filme gira em torno de um casal de sertanejos miseráveis, Manuel e Rosa (interpretados por Geraldo Del Rey e Yoná Magalhães), que procura tentar superar a situação terrível em que vivem, sendo vítimas da exploração de um latifundiário e da seca terrível. Manuel mata o latifundiário e é perseguido pelos jagunços do mesmo, que matam a sua mãe. 

Manuel segue Corisco, cangaceiro que sobreviveu ao massacre do bando de Lampião, mas depois recusa o uso da violência, abandonando o bando do mesmo.


Depois de matar os jagunços, Manuel conduz a esposa para Monte Santo, um povoado formado por seguidores de um líder místico, o beato Sebastião, acreditando que o mesmo realizará milagres que irão melhorar as suas vidas. Mas a esposa não acredita nisso. E o povoado acaba inviabilizado.

Posteriormente, Manuel e Rosa vão a procura de Corisco (interpretado por Othon Bastos) e do seu bando de cangaceiros, que são sobreviventes do massacre promovido contra Lampião.

Porém, Manuel percebe que usar da violência não irá resolver coisa alguma e desiste de permanecer no bando de Corisco, que entra em conflito com o assassino de aluguel chamado Antônio das Mortes (interpretado por Maurício do Valle). Depois, Manuel vai embora com a esposa, em direção ao mar, em busca de uma nova Utopia.

Assim, Glauber mostra a necessidade de superação destas formas de luta ultrapassadas, sendo necessário criar uma nova maneira de lutar para superar o atraso, a pobreza extrema e o subdesenvolvimento do país.

A respeito deste filme de Glauber, o diretor sul-coreano Bong Joon-ho, que conquistou 4 Oscars neste ano com 'Parasite', disse o seguinte: "De todos, 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (1964), do Glauber Rocha, foi o filme que jamais saiu de minha cabeça. É impressionante, ainda hoje fico de boca aberta ao rever aquela maravilha".

11 - Os Fuzis (Ruy Guerra; 1964).
'Os Fuzis' (1964): Filme de Ruy Guerra é um dos melhores do Cinema Novo. O cineasta estudou cinema no IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos) de Paris entre Setembro de 1952 e meados de 1954.


Este foi o segundo longa-metragem de Ruy Guerra (natural de Moçambique), que havia feito 'Os Cafajestes' no ano anterior. Este polêmica obra foi o primeiro filme brasileiro com uma cena de nu frontal, tendo feito muito sucesso, até pela cena que levou o filme a ser censurado por um período de tempo e que teve a bela Norma Bengell (uma ex-vedete do teatro de revista) como protagonista.

'Os Fuzis' conquistou o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1962 (feito repetido pelo mesmo Ruy Guerra com o filme 'A Queda', em 1976).

Este prêmio foi um dos mais importantes entre aqueles que foram conquistados pelos cineastas do Cinema Novo, junto com o prêmio de Melhor Diretor para Glauber Rocha no Festival de Cannes de 1969 e o Leão de Ouro de Melhor Filme para 'Eles Não Usam Black-Tie', de Leon Hirszman, no Festival de Veneza de 1981.

Para muitos estudiosos do Cinema Novo, 'Vidas Secas' (1963), 'Deus e o Diabo na Terra do Sol' (1964) e 'Os Fuzis' (1964) constituem uma 'Trilogia de Ouro' do movimento, pois são três filmes clássicos e emblemáticos, que resumem a proposta inicial do movimento, e que tratam da vida do povo miserável do sertão do Brasil usando de elementos poéticos e com claras pretensões revolucionárias.

A história de 'Os Fuzis' mostra um pequeno grupo de soldados da Polícia Militar da Bahia que são enviados para um miserável cidade do interior do estado com o objetivo de impedir que o armazém de alimentos de um comerciante particular seja invadido pelos miseráveis e famintos habitantes da localidade, que sofrem com a seca há vários anos e cujos filhos estão morrendo de fome, literalmente.

Porém, vários conflitos começam a acontecer durante a permanência dos policiais no local, incluindo aqueles que ocorrem entre os policiais e um motorista de caminhão (Gaúcho), que se revolta com a atuação dos mesmos, protegendo o comerciante enquanto que o povo morre de fome.

12 - O Desafio (Paulo César Saraceni; 1965).
'O Desafio' (1965): Filme de Saraceni foi o primeiro que tratou do impacto do Golpe de 64 sobre a jovem intelectualidade de Esquerda brasileira, que havia lutado por uma Revolução Nacional Libertadora e que, agora, via tudo desmoronar.

Este foi o primeiro filme dirigido por um cineasta brasileiro (Saraceni, um dos mais talentosos e autorais do Cinema Novo) que tratou do impacto que o Golpe de 64 teve sobre a intelectualidade brasileira de Esquerda que, nos anteriores, principalmente após a vitória da Revolução Cubana, lutaram para que o Brasil também tivesse uma Revolução Nacional e Libertadora.

Mas o Golpe de 64 e a instalação progressiva de uma Ditadura Militar cada vez mais repressiva colocou um fim neste processo, levando ao surgimento de um sentimento de desalento entre muitos intelectuais esquerdistas, fenômeno este que é mostrado por Saraceni neste belo filme, no qual se nota a clara influência da Nouvelle Vague, de Godard em especial, bem como do Neorrealismo Italiano, principalmente de Rossellini.

Aliás, o próprio Godard elogiou muito o filme, dizendo que o mesmo era o melhor exemplo de um filme que era, ao mesmo tempo, poético e revolucionário.

A história do filme gira em torno de um casal, um jovem intelectual de Esquerda (Marcelo) e a sua amante (Isa), um bela mulher que é esposa de um rico industrial que apoiou o Golpe de 64. Porém, o relacionamento de Marcelo e Isa entra em crise devido ao fato dele ver na amante uma representação simbólica da classe social contra a ele lutou.

Assim, o filme pode ser encarado como sendo uma alegoria que mostra a ruptura que ocorreu entre a intelectualidade esquerdista, que defendia uma Revolução Nacional Libertadora para o Brasil, e a burguesia nacional que se acreditava progressista, mas passou para o lado golpista quando sentiu que os seus interesses de classe estavam ameaçados. 

13 - A Hora e a Vez de Augusto Matraga (Roberto Santos; 1965).
'A Hora e a Vez de Augusto Matraga' (1965): Ótimo filme de Roberto Santos, cineasta que foi um dos precursores do Cinema Novo.

Este filme se baseou em um conto de autoria de Guimarães Rosa, que faz parte do primeiro livro do escritor mineiro, que foi 'Sagarana', autor de inúmeras obras clássicas da literatura brasileira e que teve vários de seus contos e livros adaptados para o cinema.

O filme foi dirigido por Roberto Santos, diretor que foi um precursor do Cinema Novo com o seu filme 'O Grande Momento' (1958), que foi influenciado pelo Neorrealismo Italiano, e também pelo filme 'Rio, 40 Graus', de Nelson Pereira dos Santos, que também é uma produção de caráter Neorrealista.

'A Hora e a Vez de Augusto Matraga" possui uma bonita trilha sonora, de autoria de Geraldo Vandré, com belas músicas, cujas letras são claramente conectadas com o momento político do período 1964-1965, referindo-se ao Golpe de Estado que implantou uma Ditadura Militar que durou 21 anos.

Assim, logo no início do filme ouvimos Vandré cantar que não se importa em morrer, desde que a situação melhore, o que é uma referência à defesa da luta armada por alguns setores, minoritários, da oposição à Ditadura Militar.
O excelente ator Leonardo Villar interpreta Augusto Matraga.

A bela fotografia ressalta a importância das paisagens e também temos belos enquadramentos de câmera que se relacionam com os personagens. Também temos uma clara relação entre a trajetória de Matraga e a natureza. Assim, as aves, o vento e a chuva representam momentos importantes em sua história.

E também deve-se ressaltar duas belas sequências, quando Matraga tenta domar um potro selvagem e, no final, quando entra em conflito com um violento jagunço (Joãozinho Bem-Bem), representando dois momentos distintos da sua trajetória, quando tentava voltar a ser uma pessoa de índole forte e, depois, quando já estava pronto para enfrentas novas lutas e duelos mortais.

O filme conta com um excelente elenco, com a presença de Leonardo Villar (Augusto Matraga), em mais uma excelente atuação, Jofre Soares (interpretando o jagunço Joãozinho Bem-Bem), Mauricio do Valle (padre) e Flávio Migliaccio (Quim Ricadeiro, empregado de Matraga).

A história do conto e do filme gira em torno de um violento fazendeiro do norte de Minas Gerais (uma região muito pobre e semiárida), Augusto Matraga, que é abandonado pela esposa e pelos seus capangas, que o trocam por outro fazendeiro, seu inimigo. 
Augusto Matraga tinha se afastado de conflitos, procurando por sua redenção, mas a chegada do bando de jagunços comandado por Joãozinho Bem-Bem (Jofre Soares) faz com que ele mude, mergulhando em um conflito interior.

Ele vai atrás dos mesmos para tentar leva-los de volta para a sua propriedade. Porém, ele acaba sendo atacado pelos jagunços do fazendeiro e é abandonado pelos mesmos, que pensam que o mesmo  morreu.

Matraga é salvo por um casal de negros miseráveis devotos e, influenciado pelos mesmos, decide mudar de vida, abandonando a violência, tornando-se um devoto que busca pela sua redenção, passando a se preocupar com a vida após a morte e em saber se irá para o céu ou para o inferno. Ele também evita de se relacionar com pessoas de fora, pois teme ser reconhecido, mas isso acaba acontecendo.

Quando o jagunço Joãozinho Bem-Bem aparece, o mesmo percebe que Matraga é uma pessoa corajosa e violenta e o convida para entrar para o seu bando, mas este recusa. No entanto, o fato o leva a ir embora mais adiante, quando irá novamente se encontrar com o bando de Joãozinho, momento no qual irá entrar em conflito com o mesmo.

O filme de Roberto Santos conquistou vários prêmios no Festival de Brasília de 1966, incluindo o de Melhor Filme, Diretor, Ator,  Diálogo e Argumento. Ele também foi escolhido como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

14- A Grande Cidade (Cacá Diegues; 1966).
A Grande Cidade (1965): Filme de Cacá Diegues foi um dos primeiros do Cinema Novo a focar a história de personagens que vivem nas cidades, enfrentando problemas tipicamente urbanos.

Este foi um dos primeiros filmes dirigidos por um integrante do Cinema Novo que procurou mudar o foco para uma história de natureza essencialmente urbana. Até este momento os filmes do movimento eram, quase todos, com poucas exceções, concentrados em histórias que se desenvolviam na área rural do país.

Em seu livro ('Vida de Cinema'), Cacá Diegues diz justamente isso, ou seja, que o filme priorizou dramas e conflitos sociais de natureza urbana, pois o Brasil estava mudando rapidamente, devido à industrialização cada vez mais rápida. E o Cacá Diegues estava certo, neste aspecto, pois foi justamente nessa década que a população urbana ultrapassou a população rural no conjunto do país.

Cacá Diegues também discordava da visão que predominava no Cinema Novo e que colocava as áreas urbana e rural do país como se simbolizassem polos opostos, dizendo que o filme representasse uma premonição do que iria acontecer no Brasil nos anos posteriores, tal como ele mostrou em 'Bye Bye Brasil', no qual a massificação da TV e a urbanização inviabilizam a existência do circo mambembe de Lorde Cigano. 

O personagem principal do filme é Luzia, interpretada por Anecy Rocha, irmã de Glauber, que interpreta a noiva de Jasão e que saiu do sertão nordestino para viver com o mesmo no Rio de Janeiro, atraída pelas promessas de uma boa dia que ele lhe tinha feito. Mas quando chega na cidade não consegue encontrar o mesmo e acaba sentindo-se perdida e ameaçada por pessoas que não conhece. Os outros personagens importantes do filme tem as suas ações girando em torno do que Luzia faz ou deixa de fazer.
Calunga, interpretado por Antônio Pitanga, corre no meio da rua, em cena que lembra a sequência final de 'Acossado'. O Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague exerceram uma significativa influência sobre os cineastas do Cinema Novo.

Cacá Diegues também diz que o personagem chamado de Vaqueiro, cujo nome é Jasão (interpretado por Leonardo Villar), adotava a mesma forma de viver que existia no velho mundo rural, com todo o seu sofrimento e sentimento de fatalidade, e que tinha continuidade nas cidades. 

Enquanto isso, o personagem Inácio (Joel Barcellos), um pedreiro miserável que trabalha no setor de construção civil, representa o conservadorismo popular. De fato, no filme, Inácio chega a manifestar saudade da época em que o Brasil era uma Monarquia... Ele diz que Inácio não consegue compreender qual é a verdadeira causa do seu sofrimento. 

O cineasta também diz que o personagem de Antonio Pitanga, o Calunga, cujo nome, entre os povos Bantos africanos, se refere a uma entidade espiritual que se manifesta como uma força da natureza, era um personagem que possuía a capacidade de conviver com o 'mau cheiro do mundo' de forma crítica, esperta e bem-humorada. 

A história do filme se desenvolve em torno destes quatro personagens, sendo que três deles são imigrantes que vieram do sertão nordestino, onde enfrentavam a exploração dos latifundiários e secas terríveis. Além disso, também temos participações menores de Hugo Carvana, que faz o papel de um informante da Polícia, de Jofre Soares, que é o dono de um bar e de Zé Keti, interpretando ele mesmo. 
Anecy Rocha, irmã de Glauber, interpreta Luiza, jovem que chega ao Rio de Janeiro, originária do sertão nordestino, acreditando que poderá desfrutar de uma vida melhor.

Porém, quando chegam nas grandes cidades do 'Sul Maravilha' (São Paulo, Rio de Janeiro) eles enfrentam uma dura realidade, marcada por exploração da força de trabalho, baixos salários, abandono do governo, inexistência de serviços públicos essenciais (educação, saúde, saneamento, moradia, transporte...), criminalidade e muitos acabam se desesperando de tal maneira que pensam em voltar para a terra natal, como é o caso de Inácio. 

Assim, eles passam a viver em troca de malandragens (Calunga), trabalhos de baixos salários em condições precárias (Inácio), criminalidade (Jasão) ou como empregados da classe rica (Luzia). 

Enquanto Inácio sonha em voltar, a jovem Luiza sente-se enganada pelo Vaqueiro, de quem era noiva no Nordeste, mas que age inicialmente como se não a reconhecesse. Porém, ela irá descobrir mais adiante o motivo desse comportamento do violento de Jasão, que mata um senador, o que irá lhe custar muito caro no final, quando é caçado pela Polícia. 

O filme de Cacá Diegues, assim, está repleto de críticas sociais que mostram as imensas desigualdades sociais do país, o abandono da população mais pobre pelos governantes, a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas, além de mostrar as belezas naturais do Rio de Janeiro, como se a cidade fosse um 'paraíso terrestre', imagem que irá entrar em choque com as precárias condições de vida da população.
Jasão (interpretado por Leonardo Villar), também é chamado de 'Vaqueiro' (Cowboy), o que é uma referência aos Westerns produzidos por Hollywood.

O filme também faz referências políticas à acontecimentos da época, tal como ocorre em uma cena em que vemos uma pichação com uma critica à OEA (Organização dos Estados Americanos) que, na época, em Abril de 1965, havia promovido (por ordens dos EUA) uma invasão militar da República Dominicana, que possuía um governo nacionalista e reformista. 

Aliás, o governo ditatorial de Castello Branco enviou 1.300 soldados brasileiros para participar da invasão do país caribenho, sendo que dois generais brasileiros foram os líderes formais da invasão. 

No início do filme, chama a atenção a maneira como o cineasta apresenta a cidade e seus habitantes, mostrando Calunga olhando e falando diretamente com a câmera (algo que Godard fazia com frequência) e mostrando planos gerais da bela cidade (quando vista de cima). E Calunga sai pelas ruas da cidade perguntando para as pessoas o que elas fazem diariamente, quanto tempo dormem, como se fosse um interrogatório para um documentário. 

E no final desta bonita sequência nós vemos Calunga correndo pelo meio da rua em uma cena que, claramente, lembra a sequência final de 'Acossado', de Godard, quando Michel Poiccard (personagem de Jean-Paul Belmondo) fez o mesmo. O fato do filme ter sido feito com a câmera na mão, em um brilhante trabalho de Dib Lutfi, também conecta o filme com o movimento que revolucionou o cinema francês e mundial. 
Inácio (Joel Barcellos) também veio do sertão nordestino e sonha em acumular dinheiro para voltar à sua terra natal. Ele trabalha como operário de construção civil e ajuda Luzia quando esta chega ao Rio de Janeiro.

Além da Nouvelle Vague, o filme de Cacá Diegues também faz referências aos Westerns e ao Cinema Mudo. Assim, Jasão é chamado de Vaqueiro, ou seja, de 'Cowboy' e quando e,le mata dois policiais o vemos em uma posição semelhante à dos Cowboys dos Westerns, atirando com dois revólveres ao mesmo tempo. 

Enquanto isso, em outro momento, vemos Inácio correndo pela praia em imagens saturadas, como se fosse um sonho, imaginando a possibilidade de voltar para o sertão, enquanto vemos imagens de sertanejos famintos e miseráveis, deixando claro que não existe opção para o jovem operário que não o de permanecer ali mesmo, no Rio de Janeiro, por mais difícil que seja a vida na 'Cidade Maravilhosa'. 

E ainda temos uma bonita sequência final, com Calunga dançando como se estivesse em uma arena romana, demonstrando que sabe dos perigos a que está exposto na grande cidade, mas que não tem outra opção a não ser a de lutar para permanecer vivo usando, para isso, da sua capacidade de adaptação. 

Em seu livro, o diretor Cacá Diegues disse que, para ele, Calunga é o personagem que representa o futuro, que será resultado de um mundo que está em transformação e, por isso, é totalmente incerto. Isso talvez explique porque dele ser o único que está presente na cena final e de continuar tão feliz quanto na sequência inicial. 

15 - Terra em Transe (Glauber Rocha; 1967).

'Terra em Transe' (1967), de Glauber Rocha, é um dos grandes filmes brasileiros de todos os tempos e gerou muita polêmica na época do seu lançamento. Até os dias atuais ele ainda é bastante debatido, tanto por profissionais ligados ao cinema, como por estudiosos do período (historiadores, cientistas políticos...).


O Contexto Histórico!

Em 'Terra em Transe', Glauber Rocha faz uma reflexão profunda por meio da qual ele procura entender os motivos que levaram ao colapso do regime democrático brasileiro em 1964, com a vitória do Golpe de Estado  que resultou na implantação da Ditadura Militar (1964-1985).

No filme, Glauber critica o chamado 'Populismo' de caráter Nacionalista e Reformista, que foi o tipo de política adotada no Brasil a partir dos governos de Getúlio Vargas (1930-1945; 1951-1954).

Tal política procurava conciliar os interesses de classe no país, a fim de manter um mínimo de estabilidade política e se promover uma política desenvolvimentista, que fortalecesse a soberania e tornasse mais justa a distribuição de renda.

Depois da morte de Vargas (Agosto de 1954), essa política teve continuidade nos governos de JK (1956-1961) e, principalmente, no de Jango (1961-1964), que tentava aprovar, no Congresso Nacional, as chamadas 'Reformas de Base': agrária, urbana, tributária, eleitoral, educacional.

Mas as 'Reformas de Base' foram violentamente sabotadas, tanto pelas forças Conservadoras (UDN, PSD, Latifundiários, Banqueiros, Industriais, Igreja Católica), que as consideravam muito radicais, como também pelas Esquerdas Radicais (PTB brizolista, PCB, UNE, CGT, Ligas Camponesas), que diziam que elas eram muito moderadas. 
Paulo Martins (Jardel Filho) é um intelectual de Esquerda que cobra de Felipe Vieira (José Lewgoy), governador do estado fictício de Alecrim, uma postura ativa de resistência ao Golpe de Estado promovido por Porfírio Diaz, líder político conservador, que deseja manter a sociedade mumificada, sem qualquer mudança.

As Esquerdas Radicais, que controlavam os movimentos sociais (movimentos estudantil, sindical, camponês, intelectuais), promoveram uma oposição dura ao governo Jango, abandonando o mesmo.

Jango também ficou sem apoio no Congresso Nacional e nas Forças Armadas, cuja oficialidade reagiu ao apoio que as Esquerdas Radicais davam às rebeliões de militares de baixa patente no Exército (sargentos) e na Marinha (marinheiros).

E a crescente crise econômica e social (aumento da inflação, do déficit público) reduziram fortemente o apoio que ele tinha, inicialmente, do setor empresarial e da classe média.

Assim, Jango ficou sem qualquer apoio político organizado e sem base institucional, pois o Congresso Nacional rejeitava todos os seus projetos, o tornou extremamente fácil para as Direitas golpistas derrubarem o seu governo.

A trama do filme!

No filme, Glauber vai elaborar uma análise, procurando refletir sobre quais foram os motivos que levaram ao 'Colapso do Populismo no Brasil' em 1964, que é baseada nas teorias de Octávio Ianni, em especial. 

No filme de Glauber, o personagem que representa esse 'Populismo Nacionalista' no filme é interpretado pelo José Lewgoy e se chama Felipe Vieira, governador do estado de Alecrim. Vieira possui característica paternalista e caricata e é mostrado como sendo um político fraco, sem coragem de enfrentar os setores mais poderosos das elites dominantes do país.
O personagem Paulo Martins (Jardel Filho, em atuação excepcional) foi baseado no poeta Mario Faustino, cujas poesias são declamadas por ele.

O filme de Glauber Rocha começa pelo fim. Isso mesmo. 'Terra em Transe' se inicia com um relato feito por um poeta e intelectual de Esquerda (Paulo Martins, interpretado brilhantemente por Jardel Filho) a respeito do contexto político da época, no qual um Golpe de Estado implanta uma Ditadura em um país fictício chamado 'Eldorado'.

Paulo insiste em continuar resistindo ao Golpe, mas faz isso de forma solitária, isolado da população e, logo, tal resistência revela-se inteiramente inútil.

Enquanto o excelente José Lewgoy interpreta o vacilante, paternalista, caricato e fraco líder 'Populista' do filme (Felipe Vieira), o brilhante Paulo Autran interpreta o líder político conservador e reacionário (Porfirio Diaz), que ataca as chamadas 'Reformas de Base' e o Nacionalismo Revolucionário que o PTB e as Esquerdas Nacionalistas tentavam levar adiante.

Na visão que Glauber mostra no filme foram os conflitos entre esses dois segmentos políticos (Populistas Nacionalistas X Burguesia Conservadora ligada ao capital estrangeiro) que, ao se radicalizarem, durante o governo Jango (1961-1964), acabaram levando ao Golpe de 64 e à Ditadura Militar de 21 anos (1964-1985). 

Paulo Martins se alia a um empresário de imprensa de perfil progressista e nacionalista (Julio Fuentes, interpretado por Paulo Gracindo), mas que é pressionado por Diaz para apoiar o Golpe de Estado em andamento, o que ele acabará fazendo. 
'Terra em Transe' (1967): Paulo Autran interpreta, brilhantemente, o líder político conservador Porfírio Diaz. Segundo consta, seu personagem foi baseado na figura de Carlos Lacerda, um dos principais líderes antigetulistas e articuladores políticos do Golpe de 64.

Desolado, sem o apoio desta Burguesia, liberal e progressista e com a repressão cada vez mais violenta da Ditadura, Paulo Martins sai disparando a sua metralhadora a esmo, acreditando que por meio da luta armada será possível derrotar a Ditadura de Porfirio Diaz. Mas ele faz isso sozinho, sem ter qualquer apoio popular. 

Desta maneira, Glauber Rocha deixa claro que não acreditava que a luta armada seria o melhor caminho para derrotar a Ditadura Militar que havia se instalado no Brasil após o Golpe de 64, pois isso não tinha apoio popular. Em países como Cuba e Vietnã a luta de guerrilhas funcionou porque possuía maciço apoio popular, o que nunca aconteceu no Brasil. 

Essa tese da luta armada era defendida por algumas organizações de Esquerda minoritárias, em 1967, pois a Ditadura Militar estava se tornando cada vez mais repressiva e fechava de forma crescente a todos os canais de participação popular na vida política do país, impondo a censura, cassando mandatos de políticos de oposição, intervindo no STF, fechando os partidos políticos existentes (PTB, UDN, PSD...).

Então, qual é a saída que Glauber aponta, no filme, para tirar o Brasil daquela situação? Na verdade, ele não sabe e, justamente em função disso, é que ele não aponta solução alguma.  

A principal mensagem que essa obra-prima de Glauber Rocha, que é 'Terra em Transe', deixa claro o fato de que o Brasil vivia uma situação de impasse e que não havia solução alguma para isso naquele momento.
'Terra em Transe' (1967): Filme conta com um grande elenco, reunindo Francisco Milani, Mauricio do Valle, José Lewgoy, Glauce Rocha e Jardel Filho. E ainda tivemos Paulo Autran, Paulo Gracindo, Flávio Migliaccio e Danuza Leão.

Relação de Filmes!


A relação de filmes do Cinema Novo foi divida em três fases:

Filmes Precursores!

São filmes que foram realizados entre 1953 e 1962, que já possuíam elementos que estariam presentes nos filmes do Cinema Novo, mas cuja realização se deu antes que o grupo de cineastas que os realizou tivesse se organizado como um movimento propriamente dito. 

Tais filmes foram precedidos pela realização de dois importantes Congressos Brasileiros de Cinema, sendo que o primeiro ocorreu em Setembro de 1952 e o segundo aconteceu em Dezembro de 1953. 

Como resultados da realização destes dois Congressos, nós tivemos a adoção de várias medidas de estímulo à produção nacional, como a taxação de filmes estrangeiros, a criação de escolas de cinema e de associações que representavam os interesses dos cineastas e dos técnicos do setor. 

Posteriormente, outros Congresso foram realizados, mas isso ocorreu somente a partir dos anos 1990. 

E também tivemos a criação do Geicine, em 1961, do INC (Instituto Nacional de Cinema), em 1966, da Embrafilme, em 1969, e do Concine, em 1976.

'Tocaia no Asfalto' (1962) foi o primeiro filme realizado por Roberto Pires, no Rio de Janeiro. Sua trama gira em torno de corrupção política. Pires foi quem deu início ao Ciclo Baiano de Cinema.

Cinema Novo Pré-Golpe de 64!

Nessa fase, os filmes dos cineastas do movimento defendiam, claramente, um projeto de transformação revolucionária da sociedade, por meio da conscientização e mobilização da população pobre e miserável, principalmente da área rural. Assim, o poder das classes dominantes seria destruído e seria construída uma nova nação.

Os cineastas do movimento estavam convictos de que a vitória viria e que o Brasil se tornaria uma nação moderna, justa, igualitária e soberana. Mas daí veio o Golpe de 64 e tudo aquilo em que acreditavam passou a ser questionado ou adiado para um futuro incerto.

Cinema Novo Pós-Golpe de 64!


Nesta fase, veio a crise provocada pela derrubada do governo Jango e pela vitória do Golpe de 64, que passou a promover uma brutal perseguição contra os principais líderes e movimentos sociais que defendiam as Reformas de Base do governo Jango ou ainda a Revolução Nacional Libertadora das Esquerdas Radicais do período (CGT, UNE, PTB brizolista, PCB, Ligas Camponesas).

A derrota das forças de Esquerda gera um sentimento de perplexidade e desolação entre a intelectualidade de Esquerda do país (vide o filme 'O Desafio', de Saraceni), que passa a descrer das lutas políticas e sociais, mas que, simultaneamente, não sabe qual o melhor rumo a tomar para combater a cada vez mais violenta Ditadura Militar, pois a luta armada somente é vista como uma opção por uma minoria da oposição. 

Esse impasse está brilhantemente demonstrado na obra-prima 'Terra em Transe', de Glauber Rocha.

A Falecida (1965), baseado em peça de Nelson Rodrigues, foi dirigido por Leon Hirszman. Este foi o filme de estreia de Fernanda Montenegro, que contracena com outros dois excelentes atores, Nelson Xavier e Joel Barcellos.

Filmes Precursores!

1) Agulha no Palheiro (Alex Viany; 1953);

2) Rio, 40 Graus (Nelson Pereira dos Santos; 1955);

3) Absolutamente Certo (Anselmo Duarte; 1957);

4
) Rio Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos; 1957);

5) O Grande Momento (Roberto Santos; 1958);

6
) Redenção (Roberto Pires; 1959);

7) Bahia de Todos os Santos (Trigueirinho Neto; 1960);

8) Cidade Ameaçada (Roberto Farias; 1960);

9
) A Grande Feira (Roberto Pires; 1961);

10
) Mandacaru Vermelho (Nelson Pereira dos Santos; 1961);

11) Barravento (Glauber Rocha; 1962);

12) Tocaia no Asfalto (Roberto Pires; 1962);

13) Assalto ao Trem Pagador (Roberto Farias; 1962).

Cena de 'O Grande Momento' (1958), de Roberto Santos, que é considerado um precursor do Cinema Novo e que conta com a participação de um jovem Gianfrancesco Guarnieri.O filme conta a história de um jovem operário (Zeca) que está se preparando para casar, mas que tem grandes dificuldades para bancar as despesas.

Cinema Novo Pré-Golpe de 64!

14) Os Cafajestes (Ruy Guerra; 1962);

15) Porto das Caixas (Paulo César Saraceni; 1962);

16) Cinco Vezes Favela (Vários; 1962);

17) Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos; 1963);

18) Ganga Zumba (Cacá Diegues; 1963);

19) Garrincha, Alegria do Povo (Joaquim Pedro de Andrade; 1963);

20) Boca de Ouro (Nelson Pereira dos Santos; 1963);

21) Sol Sobre a Lama (Alex Viany; 1963);

22) Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha; 1964);

23) Selva Trágica (Roberto Farias; 1963);

24) Os Fuzis (Ruy Guerra; 1964).
'Os Fuzis' (1964): Filme de Ruy Guerra mostra um grupo de policiais que é enviado para uma cidade do sertão da Bahia, onde a população miserável população local sofre com uma seca terrível, para evitar que os sertanejos famintos saqueiem um depósito de alimentos particular.

Cinema Novo Pós-Golpe de 64!

25
) O Desafio (Paulo César Saraceni; 1965);

26
) A Falecida (Leon Hirszman; 1965); 

27) A Hora e a Vez de Augusto Matraga (Roberto Santos; 1965);

28) Memórias do Cangaço (Paulo Gil Soares; 1965);

29) O Padre e a Moça (Joaquim P. de Andrade; 1966);

30
) A Grande Cidade (Cacá Diegues; 1966);

31) Todas as Mulheres do Mundo (Domingos de Oliveira; 1966);

32)
Terra em Transe (Glauber Rocha; 1967);

33
) A Opinião Pública (Arnaldo Jabor; 1967);

34) Garota de Ipanema (Leon Hirszman; 1967);

35) Proezas de Satanás na Vila de Leva-e-Trás (Paulo Gil Soares; 1967);

36) Capitu (Paulo César Saraceni; 1968);

Cena de 'O Desafio' (1965), de Paulo César Saraceni, que tem Oduvaldo Vianna Filho e Isabella como protagonistas. O filme também conta com a participação de Sérgio Britto e Joel Barcellos.

37) Fome de Amor (Nelson Pereira dos Santos; 1968);

38) A Vida Provisória (Maurício Gomes Leite; 1968);

39) Bebel Garota Propaganda (Maurice Capovilla; 1968);

40) Copacabana me Engana (Antonio Carlos Fontoura; 1968);

41) Edu, Coração de Ouro (Domingos de Oliveira, 1968);

42) Lance Maior (Sylvio Back; 1968);

43) O Homem Nu (Roberto Santos; 1968);

44) O Homem Que Comprou o Mundo (Eduardo Coutinho; 1968);

45) Viagem ao Fim do Mundo (Fernando Cony Campos; 1968);

46) Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade; 1969);

47
) O Dragão da Maldade contra o Santos Guerreiro (Glauber Rocha; 1969);


48
) O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl; 1969);

49) Brasil Ano 2000 (Walter Lima Jr; 1969);

50) Memória de Helena (David Neves; 1969);
'O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro' (1969), de Glauber Rocha, é um dos filmes preferidos de Martin Scorsese.

51) Cabeças Cortadas (Glauber Rocha; 1970);

52
) Menino de Engenho (Walter Lima Jr.; 1970);

53
) Os Herdeiros (Cacá Diegues; 1970);

54
) O Leão de Sete Cabeças (Glauber Rocha; 1970);

55
) Os Deuses e os Mortos (Ruy Guerra; 1970);

56) Pindorama (Arnaldo Jabor; 1970);

57) Azyllo Muito Louco (Nelson Pereira dos Santos; 1970);

58
) A Casa Assassinada (Paulo C. Saraceni; 1971);

59
) Como era gostoso o meu francês (Nelson P. dos Santos; 1971);

60
) Na Boca da Noite (Walter Lima Jr.; 1971; 66 minutos);

61) Os Inconfidentes (Joaquim P. de Andrade; 1972);

62
) São Bernardo (Leon Hirszman; 1972);

63) Câncer (Glauber Rocha; 1972);

64) Quem é Beta? (Nelson Pereira dos Santos; 1972);
'Todas as Mulheres do Mundo' (1966), dirigido por Domingos de Oliveira, em cena com Paulo José e Leila Diniz, que fez aqui o seu primeiro filme. O filme combinou sucesso de público e de crítica e mostra uma história de amor. 

65) Quando o Carnaval Chegar? (Cacá Diegues; 1972);

66) Toda Nudez Será Castigada? (Arnaldo Jabor; 1973);

67) Uirá, um Índio em Busca de Deus (Gustavo Dahl; 1973);

68
) Claro (Glauber Rocha; 1975);

69) Guerra Conjugal (Joaquim P. de Andrade; 1975);

70) A Queda (Ruy Guerra; 1976);

71) Fogo Morto (Marcos Farias; 1976);

72) Xica da Silva (Cacá Diegues; 1976);

73
) Morte e Vida Severina (Zelito Viana; 1977);

74) Tenda dos Milagres (Nelson P. dos Santos; 1977);

75) Tudo Bem (Arnaldo Jabor; 1978);

76) A Lira do Delírio (Walter Lima Jr.; 1978);

77
) A idade da Terra (Glauber Rocha; 1980);

78
) Bye Bye Brasil (Cacá Diegues; 1980);
'O Bravo Guerreiro' (1968), dirigido por Gustavo Dahl, conta com um excelente elenco, reunindo Paulo César Pereio, Mario Lago, Milton Gonçalves, Isabella, Paulo Gracindo e Hugo Carvana. O filme trata do sistema político brasileiro.

79) Eles Não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981);

80) Ao Sul do Meu Corpo (Paulo C. Saraceni; 1982);

81) Inocência (Walter Lima Jr.; 1983);

82) Memórias do Cárcere (Nelson P. dos Santos; 1984);

83) Quilombo (Cacá Diegues; 1984);

84) Avaeté - Semente da Vingança (Zelito Viana; 1985);

85) Chico Rei (Walter Lima Jr.; 1985);

86) Cabra Marcado Para Morrer (Eduardo Coutinho; 1985);

87) Eu Sei Que Vou Te Amar (Arnaldo Jabor; 1986);

88) Jubiabá (Nelson P. dos Santos; 1986);

89) A Bela Palomera (Ruy Guerra; 1988);

90) Kuarup (Ruy Guerra; 1988);

'Por Dentro do Cinema Novo - Minha Viagem', de Paulo César Saraceni, um dos principais cineastas do movimento, tornou-se um livro de referência sobre o Cinema Novo.

91) ABC da Greve (Leon Hirszman; 1990);

92) A Terceira Margem do Rio (Nelson P. dos Santos; 1993);

93) O Viajante (Paulo C. Saraceni; 1999);

94) Peões (Eduardo Coutinho; 2004);

95) Os Desafinados (Walter Lima Jr.; 2008);

96) Cinema Novo (Eryk Rocha; 2016).

Obs2: Grande parte dos filmes relacionados podem ser encontrados no Youtube. 

Links!


Martins Scorsese fala sobre a obra de Glauber Rocha e o Cinema Novo:
https://www.youtube.com/watch?v=qHoqvvdQqkg

Entrevista com Cacá Diegues:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0308200307.htm

Entrevista com Nelson Pereira dos Santos:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0308200308.htm
'Fome de Amor' (1968), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, conta com a participação de Irene Stefânia e de Leila Diniz. A história do filme mostra dois casais burgueses em uma ilha e os problemas que ocorrem entre eles.

O PCB e a sua história:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-comunista-brasileiro-pcb

O CPC da UNE:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/centro-popular-de-cultura-cpc

Bong Joon-ho, diretor de 'Parasite', fala de sua admiração pela obra de Glauber Rocha:
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2020/02/diretor-de-parasita-e-fa-de-glauber-rocha-e-pensa-em-conhecer-o-carn.html
 
Roberto Pires:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa442091/roberto-pires

http://cadernodecinema.com.br/blog/crime-no-sacopa/

Crítica sobre 'Barravento':
https://www.planocritico.com/critica-barravento/

'Macunaíma' (1969), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, fez um imenso sucesso, de público e de crítica, e contou com grande elenco: Grande Otelo, Milton Gonçalves, Paulo José, Jardel Filho, Dina Sfat.

'Rio, 40 Graus':
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/cinema/noticia/2018/04/com-rio-40-graus-nelson-pereira-dos-santos-firmou-um-marco-no-cinema-brasileiro-cjgb4vc8a028u01ql88sotvjl.html

Intervenção da OEA na República Dominicana em 1965:
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/intervencao-brasil-republica-dominicana-1965.phtml

Curtas-Metragens!

O Pátio (Glauber Rocha; 1959; 13 minutos):
https://www.youtube.com/watch?v=JBZYR1JFa2k

O Poeta do Castelo (Joaquim Pedro de Andrade; 1959; 12 minutos):
https://www.youtube.com/watch?v=moHvzd64Px4&t=143s

O Mestre de Apipucos (Joaquim P. de Andrade; 1959; 10 minutos):
https://www.youtube.com/watch?v=DRJ4CXDdhT0

Arraial do Cabo (Paulo César Saraceni; 1960; 17 minutos);
https://www.youtube.com/watch?v=guDKxb8Fr-Y&t=69s
O diretor de 'Parasite', que conquistou o Oscar de Melhor Filme em 2020, é um dos grandes admiradores da obra de Glauber Rocha.

Aruanda (Linduarte Noronha; 1960; 22 minutos):

https://www.youtube.com/watch?v=blt5UairB0U&t=98s

Couro de Gato (Joaquim P. de Andrade; 1960; 15 minutos):
https://www.youtube.com/watch?v=TujWc7Seroc&t=769s

Maioria Absoluta (Leon Hirszman; 1964; 18 minutos):
https://www.youtube.com/watch?v=Vsmg36X1eAM&t=752s

Maranhão 66 (Glauber Rocha; 1966; 10 minutos):
https://www.youtube.com/watch?v=t0JJPFruhAA

Cinema Novo (Joaquim P. de Andrade; 1967; documentário da TV alemã):
https://www.youtube.com/watch?v=3rSPoHQU1VM

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