'The Man Who Fell to Earth' - Nicolas Roeg mostra a alienação humana e a devastação material e espiritual promovida pela Civilização Industrial! - Marcos Doniseti!

'The Man Who Fell to Earth' - Nicolas Roeg mostra a alienação humana e a devastação material e espiritual promovida pela Civilização Industrial! - Marcos Doniseti!

'The Man Who Fell to Earth' (1976), dirigido por Nicolas Roeg, é um clássico da ficção científica que conta com David Bowie na condição de protagonista, em atuação perfeita do astro de Rock britânico.

Sinopse: Um alienígena (Thomas Jerome Newton) chega à Terra em busca de água, que ele deseja transportar para o seu planeta natal (Anthea), pois o mesmo sofre com um brutal processo de aquecimento global, o que fez secar todas as suas fontes do precioso líquido, que é essencial para a vida. 

Sua esposa e dois filhos (que parecem ser os últimos habitantes do planeta) estão próximos de morrer em função disso, o que levará à total extinção da sua espécie. O planeta não possui mais água, matas, rios, possuindo um clima extremamente quente, seco, inteiramente desértico.

Quando chega à Terra, Newton (nome que é uma referência a Isaac Newton) trás algumas patentes de tecnologias revolucionárias de vários produtos eletrônicos (câmeras de vídeo, máquinas fotográficas...) que são largamente consumidos na Terra, fato este que Newton conhece, pois as transmissões de TV da Terra viajaram pelo espaço e chegaram até o seu planeta de origem.

A partir dessas patentes Newton cria uma gigantesca corporação (World Enterprises), cujos lucros ele pretende usar para construir uma nave espacial que lhe permita transferir água para Anthea. 

O alienígena Thomas Jerome Newton cai, literalmente, na Terra. Sua missão era levar água para o seu planeta de origem, mas ele enfrentará inúmeros obstáculos para conseguir cumprir esta missão. 

Um advogado, Oliver Farnsworth, passa a administrar a sua holding (World Enterprises) para ele, que se torna uma das maiores corporações do mundo. Newton também passa a viver junto com uma bela jovem, Mary Lou, que se apaixona por ele e que será o seu único romance durante a história.

No entanto, a expansão muito rápida da World Enterprises e da riqueza crescente de Newton chamam a atenção de outras corporações e de governos poderosos, principalmente o dos EUA, que os veem como uma ameaça aos seus interesses, o que irá prejudicar os planos de Newton de levar água da Terra para o seu planeta de origem. 

A trama, de fato, acaba se tornando mais um olhar crítico sobre a civilização industrial que está destruindo a Terra, deixando claro que o mesmo processo de devastação que ocorre no planeta natal de Newton poderá se repetir aqui. 

Frase!

"É urgente eliminarmos da mente humana a ingênua suposição de que seja possível sairmos da grave crise em que estamos mergulhados usando o mesmo pensamento que a produziu." - Albert Einstein.

A produção do filme!

Candy Clark, David Bowie e Nicolas Roeg no set de filmagem. Roeg era diretor de fotografia antes de iniciar a carreira de cineasta, tendo trabalhado como tal em 'Fahrenheit 451' de Truffaut e em 'Casino Royale' (filme da saga '007' de 1967).

'O Homem Que Caiu na Terra' é um belo filme de ficção científica, que passou a ser melhor compreendido nos últimos anos e que foi dirigido pelo cineasta britânico Nicolas Roeg, que também possui pelo menos um clássico em sua trajetória, que é o 'Don't Look Now' (Inverno de Sangue em Veneza; 1973). 

As filmagens foram realizadas no Novo México e o autor da trilha sonora foi John Philips, ex-integrante do grupo psicodélico californiano The Mamas and the Papas. David Bowie, aliás, queria ser o autor da trilha sonora e chegou a compor várias músicas para o filme, mas a escolha recaiu sobre John Philips. 

Algumas das músicas feitas para o filme foram selecionadas para o álbum seguinte de Bowie, que foi o clássico 'Low', que foi lançado em Janeiro de 1977 e foi gravado em Berlim em colaboração com Brian Eno, ex-integrante do Roxy Music.

Uma curiosidade é que, durante as filmagens, David Bowie se envolveu romanticamente com uma jovem da região chamada Ola Hudson, uma figurinista afro-americana que tinha um filho chamado Saul Hudson, um garoto de apenas 10 anos, ao qual Bowie, em algumas ocasiões, colocava na cama para dormir.

Daí o Saul Hudson cresceu e adotou o nome artístico de Slash, tornando-se o conhecido guitarrista do Guns and Roses.

A pintura 'Paisagem com a queda de Ícaro', de Pieter Bruegel, é citada no livro de Walter Tevis e também aparece no filme. A trajetória de Newton remete à tentativa de Ícaro de chegar ao Sol, à Luz, que se refere ao Conhecimento. Um poema de W. H. Auden sobre a pintura de Bruegel (mas há quem diga que não foi ele o autor da obra) também é mostrado no filme. Nele, Auden diz que a pintura de Bruegel mostra a indiferença das pessoas em relação ao sofrimento alheio. Assim, no filme nós temos a presença da intertextualidade, envolvendo a Pintura, a Poesia e o Cinema em torno de um mesmo tema.

Muitos anos depois, já famoso e um músico de sucesso e talento reconhecidos, Slash disse que a entrada de Bowie em sua vida 'foi como assistir a um alienígena aterrissar no meu quintal'. Ele chegou a ser levado por sua mãe para assistir a um show de Bowie. 

Sobre essa experiência, Slash declarou o seguinte: 

"Eu vi os elementos familiares de um homem que fiquei conhecendo como exagerado ao extremo. Ele havia reduzido o estrelato do Rock às suas raízes: ser astro de Rock é a intersecção entre quem você é e quem você quer ser". 

Outro romance que se desenvolveu durante as filmagens (desconheço se já havia começado antes do início delas) se deu entre o diretor Nicolas Roeg e a atriz Candy Clark.

'The Man Who Fell to Earth' é baseado em um livro de Walter Tevis, que foi o seu segundo livro e foi publicado em 1963. Tevis também escreveu outras obras que acabaram sendo adaptadas para o Cinema, como foi o caso do livro 'The Hustler' (seu primeiro romance, de 1959), que foi levado para a tela grande, em 1961, por Robert Rossen (no Brasil o filme ganhou o título de 'Desafio à Corrupção'). 

'The Hustler' também teve um livro que deu continuidade à sua história, que foi 'The Color of Money', publicado em 1984. Este livro foi adaptado por Martin Scorsese em 1986 (no Brasil o filme se chamou 'A Cor do Dinheiro'). Paul Newman é a grande estrela dos dois filmes e, na versão de Scorsese, ele contracena com uma jovem estrela em ascensão, que é o Tom Cruise

O livro de Walter Tevis, de 1963, possui algumas diferenças em relação ao filme, o que é normal, pois cinema e literatura são linguagens diferentes. E o momento histórico em que o livro e o filme foram criados também possuem várias diferenças.

Outro livro de Walter Tevis que foi adaptado é 'O Gambito da Rainha', que se tornou uma minissérie de grande sucesso que foi produzida e exibida pela Netflix. 

A atriz Candy Clark, que interpreta Mary Lou, que vive com Newton por muitos anos, contou em uma entrevista para a 'Variety', em Janeiro de 2016, que a sugestão de convidar Bowie para o papel do protagonista veio de um produtor cinematográfico, Alex Winitsky. Daí, ela e o diretor Nicolas Roeg foram conversar com Bowie, que estava vivendo em Los Angeles, e tudo ficou acertado. 

Candy Clark também disse que embora conhecesse a trajetória musical de Bowie, ela nunca havia assistido a um show dele antes de trabalhar com o Rock Star no filme. Sobre esse assunto, ela disse o seguinte: "Fui a um de seus shows depois que terminamos o filme e graças a Deus não o vi antes do filme. Eu ficaria maravilhada, uma groupie completa!".

Com relação à trajetória de Candy Clark, antes de 'O Homem Que Caiu na Terra', ela já havia trabalhado em três longas-metragens, incluindo 'Fat City' (John Huston; 1972) e 'American Graffiti' (George Lucas; 1973) e em algumas produções para TV. Depois ela participou de inúmeros filmes e séries (inclusive em alguns episódios de 'Criminal Minds' e de 'Twin Peaks - O Retorno') e continua na ativa. 

Pauline Kael fez uma crítica com observações interessantes sobre o filme, na qual disse o seguinte: "O esmorecido forasteiro pode ser considerado o representante de todos que se sentem incompreendidos, sexualmente imaturos ou diferentes que perderam o caminho, e então o filme é uma gigantesca plataforma de lançamento para qualquer coisa sobre a qual os espectadores queiram viajar". 

Esse comentário de Pauline pode ser aplicado ao próprio Bowie, que demorou para ser compreendido pelo grande público, levando-o a enfrentar uma situação de virtual desespero com as suas contínuas tentativas fracassadas de se tornar um grande astro do Rock, algo que ele desejava desde o início da sua carreira. 

A letra de 'Space Oddity', clássica canção de 1969 que se tornou o seu primeiro sucesso, reflete bem esse estado de espírito de Bowie naquela época, pois ela fala de um astronauta (Bowie) que se perde no espaço e tenta restabelecer a comunicação com as pessoas na Terra (o público) e não consegue, sendo uma metáfora das suas contínuas e infrutíferas tentativas, até aquele momento, de atingir a fama e o sucesso.

David Bowie e Thomas Jerome Newton - O que há em comum?

Bowie na capa da 'Rolling Stone', em matéria assinada por Cameron Crowe.

A grande estrela do filme é o Rock Star, também britânico, David Bowie, que atuou pela primeira vez, em sua carreira de ator, na condição de protagonista. 

Na época da realização do filme o genial Bowie estava em um momento crítico de sua carreira, enfrentando problemas graves de consumo de drogas (cocaína, em especial, da qual se tornara dependente), o que foi admitido publicamente pelo próprio Bowie já naquela época e também posteriormente. 

Em uma entrevista de 1996, Bowie disse o seguinte: 

"Eu estava em grave declínio emocional e social. Acho que eu estava destinado em se tornar mais uma baixa [morte por overdose] do rock; — na verdade, eu tenho certeza de que não teria sobrevivido aos anos 70 se continuasse o que eu estava a fazer. Mas tive a sorte de descobrir em algum lugar dentro de mim que eu estava me matando de verdade, e tive que fazer algo drástico para me tirar disso. Eu tive que parar, e foi o que fiz.".

Bowie havia se tornado uma das grandes estrelas do Rock nos primeiros anos da década de 1970, quando gravou alguns dos seus álbuns mais criativos e inovadores, principalmente depois do lançamento de 'Ziggy Stardust' (1972), que o alçou ao sucesso e reconhecimento internacionais.

Bowie na fase do 'The Thin White Duke'. Durante a sua brilhante carreira o genial Bowie assumiu diferentes personagens, que representavam distintas facetas da sua personalidade, como ele mesmo admitiu.

Vários desses álbuns tornaram-se clássicos do Rock e fizeram muito sucesso comercial e de crítica, incluindo 'The Man Who Sold the World' (1970), 'Hunky Dory' (1971), 'The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars' (1972), 'Aladdin Sane' (1973), 'Diamond Dogs' (1974), 'Young Americans' (1975) e 'Station to Station' (1976). 

E depois ainda tivemos a brilhante e inovadora 'Trilogia de Berlim', com os álbuns 'Low' (1977), 'Heroes' (1977) e 'Lodger' (1978). Bem poucos artistas e grupos da história do Rock construíram uma obra tão bela, vasta e rica quanto Bowie. O vocalista e compositor Ian McCulloch, do Echo and the Bunnymen, disse que somente os Beatles fizeram tantos discos e músicas boas quanto Bowie e que, no final, Bowie era o seu preferido.

Desta maneira, ao atingir o estrelato, Bowie passou a vivenciar os problemas que são inerentes à fama e ao sucesso mundiais que muitas estrelas de Rock enfrentam durante as suas carreiras e que o próprio retratou brilhantemente na fase Ziggy Stardust: Sucesso desmesurado, grande espaço na mídia, bajulação de pessoas que passam a viver em função da Estrela e, também, idolatria crescente por parte do grande público, festas regadas a sexo, bebidas e drogas, turnês intermináveis e muito desgastantes em arenas e estádios lotados e, é claro.

Este foi um problema que toda uma geração de artistas e grupos de Rock, extremamente talentosos e populares, muitos originários dos 'loucos anos 60' (Beatles, Led Zeppelin, Jimi Hendrix, Pink Floyd, The Rolling Stones, The Doors...), enfrentaram nesse período. E com David Bowie não foi diferente.

Neste período, Bowie se tornou um grande amigo de Iggy Pop e Lou Reed (produzindo vários álbuns deles), além de Dennis Hopper, sendo que todos eles eram jovens, muito talentosos e que levavam uma vida baseada no 'Sexo, Drogas e Rock'n'roll', testando os limites de tudo, vivendo intensamente cada momento. 

E é claro que tudo isso gera um grande desgaste físico, mental e emocional, cobrando um alto preço de quem a vivencia.

David Bowie, Iggy Pop e Lou Reed. Os três rock stars tornaram-se grandes amigos e Bowie foi fundamental para que os dois talentosos amigos se recuperassem e retomassem as suas carreiras.

E o protagonista do filme, o alienígena Thomas Jerome Newton, interpretado por Bowie, também passa por processos muito semelhantes. Ele vem à Terra, torna-se um bilionário rapidamente, graças à realização de investimentos em tecnologias inovadoras e revolucionárias, mas se mantém isolado de todos, embora se torne uma pessoa famosa e conhecida do grande público.

E o seu sentimento de frustração e amargura se intensifica à medida que Newton não consegue atingir o seu objetivo, que é o de levar água da Terra para o seu planeta de origem, devido aos inúmeros obstáculos e dificuldades que irá enfrentar. 

A sua personalidade também vai se modificando com o tempo, devido ao seu demorado período de permanência na Terra e à sua convivência com os outros humanos, embora tente evitar ambas as coisas, o que não consegue, gerando um sentimento crescente de frustração e que ele irá aliviar por meio do consumo crescente de bebidas alcoólicas. 

Logo, Newton vai se tornando cada vez mais humano, o que no filme de Roeg possui um caráter explicitamente negativo. Newton passa por um intenso desgaste, levando a um crescente e prejudicial isolamento e a uma completa alienação em relação à realidade na qual está inserido. Isso faz com que ele se torne um alcoólatra solitário e que sofre intensamente, pois abandonou a missão original que lhe foi confiada. 

E quando analisamos as letras de várias músicas que Bowie compôs vemos essa afinidade entre ele e o personagem, Thomas Jerome Newton, que interpreta em 'The Man Who Fell to Earth'. 

Um exemplo disso é a letra de 'Word on a Wing', canção do álbum 'Station to Station' (1976), Bowie diz o seguinte: "Senhor, eu me ajoelho e te ofereço; Minha palavra em uma asa; E eu estou me esforçando para me encaixar entre; Seu esquema de coisas.".

David Bowie e Candy Clark interpretam os protagonistas do filme.

A respeito do trabalho de Bowie e de sua total adequação para o papel de Thomas Jerome Newton, é interessante reproduzir uma fala da atriz Candy Clark, que afirmou o seguinte sobre o astro britânico em sua entrevista para a 'Variety': 

"David não era uma pessoa que expressava o que estava sentindo”, lembra Clark. “Ele nunca revelou nada do que estava sentindo, como ‘estou tão nervoso’, então você nunca sabia o que estava acontecendo dentro dele".

Candy Clark também afirmou o seguinte sobre Bowie: "Além disso, ele só passava um tempo com o que eu chamaria de "sua comitiva". Ele era muito distante e quieto e é claro que isso foi perfeito para mim, porque minha personagem, Mary-Lou, (sua amante) nunca soube o que estava acontecendo dentro de Thomas Newton.".

Ela também diz que, para poder trabalhar no filme, Bowie prometeu para Nicolas Roeg que não iria consumir drogas enquanto as filmagens estivessem em andamento e o astro cumpriu com a sua palavra, adotando uma postura extremamente profissional o tempo inteiro, focando inteiramente no trabalho. 

E mesmo que Bowie tenha feito uso de cocaína, ou de outras substâncias consideradas ilícitas durante as filmagens, isso não afetou em nada ao seu trabalho no filme.

David Bowie interpreta Thomas Jerome Newton em 'O Homem Que Caiu na Terra'. Sua atuação foi muito elogiada pelo diretor, Nicolas Roeg, e pela sua parceira no filme, Candy Clark.

Sobre a participação de Bowie no filme, o diretor Nicolas Roeg afirmou o seguinte: "Eu não conseguia pensar em mais ninguém para o papel... Eu não conhecia David, mas tinha visto o trabalho dele e isso se tornou uma espécie de fixação porque parecia haver paralelos nas atitudes e pensamentos do trabalho que David estava fazendo na época.".

Nicolas Roeg também disse o seguinte sobre a participação de Bowie no filme: 

“Durante as primeiras semanas de filmagem, tinham algumas pessoas do estúdio à espreita – mais para conhecer David Bowie do que por qualquer outra razão, eu imaginei –, e eles expressaram algumas reservas. ‘Ele parece um pouco… estranho, você não acha?’ E eu respondia: ‘O personagem é um alienígena, como ele deveria atuar? Como se fosse Gary Cooper?’. Não é que David não fosse amigável – nós jantamos juntos várias vezes, e ele guardava uma biblioteca no seu trailer, que estava cheia de livros sobre todos os assuntos imagináveis – mas ele se mantinha reservado até o ponto em que as pessoas começavam a pensar nele como um ‘outro’ misterioso, entende? Boa parte dessa performance é apenas Bowie sendo ele mesmo – e é isso que é tão brilhante.”

Assim, Bowie e Roeg exploraram ao máximo as conexões existentes entre o rock star e o personagem Thomas J. Newton. Desta maneira, Tony Mascia, que era segurança de Bowie, faz o papel de guarda-costas no filme. E até a limusine usada por Newton é a mesma utilizada pelo ator durante as filmagens do documentário 'Cracked Actor'. 

Inclusive, foi justamente depois que assistiu ao documentário 'Cracked Actor', dirigido por Alan Yentob para a BBC, que Roeg decidiu convidar Bowie para interpretar o alienígena Newton, pois viu que o rock star era a pessoa perfeita para interpretar o protagonista do filme.

A trama do filme!

Logo depois que caiu na Terra, Newton se delicia ao beber um pouco de água, que não existe mais em seu planeta de origem (Anthea).

A história do filme, que já resumi na sinopse acima, começa com a chegada de um alienígena à Terra, com ele e a sua nave pousando em um lago da cidade de Haneyville, do Novo México, que fica próxima de Los Alamos, onde se desenvolveu o 'Projeto Manhattan', o que é uma referência ao livro de Walter Tevis, no qual a questão nuclear é muito importante.

O alienígena, que inicialmente usa o nome Sussex, se apresenta como britânico e passa a usar o nome Thomas Jerome Newton (David Bowie), sendo que é originário de um planeta chamado Anthea, cuja natureza foi devastada por um processo de aquecimento global que secou os rios, mares, oceanos, exterminou os animais e extinguiu as florestas, destruindo toda a sua natureza. 

Inclusive, temos uma cena na qual é mostrada essa transição de um planeta com uma natureza bonita e cheia de vida e que dá lugar a um planeta inteiramente desértico. A chegada de Newton à Terra não é, no entanto, um segredo, pois vemos um homem de terno e gravata que o vê chegando ao planeta e, portanto, o mesmo sabe que ele possui origem alienígena. 

Isso também mostra que a vinda de alienígenas não era novidade e que o governo dos EUA sabia da presença desses visitantes. Mais adiante no filme veremos que o próprio Newton confirma que ele não é o primeiro visitante e diz para Bryce, engenheiro químico que trabalha para a sua corporação, a World Enterprises, que ele mesmo já viu rastros de outros alienígenas na Terra. 

No filme temos uma visão bastante crítica com relação à civilização industrial, que é dominada por gigantescas corporações e por governos poderosos e inescrupulosos. Essa combinação de forças está devastando os recursos naturais e ameaça a vida na Terra.

Aliás, aqui é importante fazer uma observação: O filme se baseou em um livro, de autoria de Walter Tevis, que foi publicado em 1963. Depois que revi o filme várias vezes, ao qual eu havia assistido há muitos anos, tomei a decisão de escrever esse texto e, para isso, também fiz a leitura do livro. 

E até pelo momento histórico distintos em que o livro foi escrito e o filme foi produzido, eles chamam a atenção e dão destaque para temas muito diferentes. 

O tema da alienação do indivíduo é central nas duas obras, mas no livro a questão do risco de uma guerra nuclear está muito presente, o que é perfeitamente compreensível, pois um pouco antes da sua publicação nós tivemos a chamada 'Crise dos Mísseis'.

Essa crise ocorreu em outubro de 1962 e envolveu os EUA, URSS e Cuba e quase gerou uma guerra nuclear. Esse tema, inclusive, será explorado em outras obras da época, como foi o caso do 'O Planeta dos Macacos' (Franklin J. Schaffner; 1968). 

Até mesmo cineastas como Antonioni, em 'Eclipse' (1962) e Godard, no segmento 'O Novo Mundo', que integrou o projeto 'RoGoPaG' (de 1962), trataram da questão nuclear em suas obras.

Aliás, no livro ficamos sabendo que Anthea enfrentou várias guerras nucleares e que foi exatamente isso que devastou o planeta e o tornou estéril e sem vida. E no livro o próprio Newton diz que ele veio para a Terra também para tentar impedir que ocorra uma guerra nuclear aqui.

A família de Newton, esposa e filhos, permaneceu no desértico planeta Anthea, esperando pelo momento em que ele voltaria da Terra levando a água que iria salvá-los.

No livro de Tevis, Newton diz que, do jeito que a situação do planeta estava se desenvolvendo, uma guerra nuclear iria acontecer em, no máximo, 10 anos. Como ele já havia visto a devastação que isso tinha provocado em Anthea, a sua intenção era evitar que o mesmo viesse a acontecer na Terra.

Enquanto isso, no filme, a questão nuclear está ausente, pois o medo de uma guerra desse tipo já tinha diminuído bastante em 1976, pois na época os EUA e a URSS tinham desenvolvido a política de 'Détente' ('Degelo'), fechando vários acordos que diminuíram fortemente o risco de uma guerra nuclear. 

Assim, além da alienação do indivíduo, o outro tema central presente no filme é a destruição da natureza por meio de um processo de aquecimento global provocado pelo desenvolvimento da civilização industrial. Isso fica bastante evidente nas cenas em que vemos grandes cidades, com ruas congestionadas por automóveis, pessoas correndo de um lugar para outro, contrastando essas imagens com as de Anthea, que é o planeta de origem de Newton.

Logo, a trama do filme, que é de 46 anos atrás, o aproxima das atuais mudanças climáticas que se desenvolvem na Terra, que também se relacionam com a aceleração econômica global das últimas décadas, e que estiveram no centro das preocupações mundiais nos últimos anos.

Agora temos um grande número de produções (filmes, séries) que tratam desse assunto, e não podemos esquecer que este filme de Roeg foi um dos pioneiros em tratar do mesmo. 

Somente depois de 2020 é que esse cenário começou a mudar, devido à explosão de uma Pandemia de Covid-19 e com a Guerra na Ucrânia e em outros países (Líbia, Síria, Iraque...), que está levando governos de muitos países a mudar a sua política de energia.

O advogado Oliver Farnsworth (interpretado por Buck Henry) é procurado por Newton devido ao fato de ser um especialista em patentes. Ele acabará sendo o responsável por administrar a World Enterprises, corporação criada por Newton que desenvolveu tecnologias revolucionárias com base nas patentes que Newton trouxe de seu planeta natal (Anthea).

O filme também antecipou o domínio da economia mundial por grandes corporações, do qual a World Enterprises, que é fundada por Newton, é o melhor exemplo. Ela é uma gigantesca corporação que usa de tecnologias revolucionárias que são trazidas para a Terra por Newton. A corporação atua em seis áreas de tecnologia de ponta, incluindo Astronomia, Bioquímica e Cibernética.

Outras grandes corporações, verdadeiras, também são citadas no filme, como é o caso da Kodak, Du Pont, Exxon, RCA, Sony, Pan Am e TWA, por exemplo. 

E a figura de Newton, que é uma pessoa reclusa e solitária, que evita contato com os outros, para que ninguém suspeite e descubra sobre a sua origem alienígena, meio que também antecipa esses grandes empresários globais e de grande apelo midiático que temos atualmente, como são os casos de Jeff Bezos, Steven Jobs, Elon Musk, Bill Gates e Mark Zuckerberg. 

Destes grandes empresários, entendo que a proximidade maior de Newton é com Elon Musk, que também criou uma empresa para promover a exploração espacial e que afirma possuir planos para iniciar a colonização humana de Marte nos próximos anos, embora ele não promova tantas inovações tecnológicas. 

Newton, no filme, foi um revolucionário que deixou todas as outras empresas para trás em termos de avanços tecnológicos. 

E será justamente isso que irá chamar a atenção do governo e de outras corporações para a sua World Enterprises e para o próprio Newton, que se tornou um multimilionário muito rapidamente, pois ele necessitava financiar a transposição da água da Terra para o seu planeta, Anthea, plano este que ele somente irá revelar anos depois da sua chegada à Terra.

E tudo isso também o tornará uma pessoa famosa e de grande apelo midiático, por mais que ele tenha tentado fugir dessa perseguição da mídia global. 

Assim, o filme de Roeg também possui uma visão crítica sobre a mídia de massa que, já nos anos 1970, estava bastante desenvolvida e em rápido crescimento mesmo em países mais pobres e atrasados. A 'Aldeia Global', sobre a qual escreveu o teórico canadense Marshall McLuhan, já era uma realidade naquela época.  

Nathan Bryce tira fotos da sua relação com uma jovem estudante. Ele se utilizou de um filme desenvolvido pela World Enterprises e fica surpreso ao verificar que a revelação da foto se dá de maneira instantânea. Isso o levará a se interessar pela empresa de Newton.

Durante a sua permanência na Terra, Newton irá se envolver com uma bonita jovem, que se chama Mary Lou. Inicialmente ele gostava muito da companhia dela, que a ajudou a se adaptar ao planeta, pois quando ele chegou o seu organismo não se integrou tão bem às características da Terra. Ele era frágil fisicamente e sentia-se mal quando usava elevadores.

Porém, com o passar do tempo irá se desenvolver um processo de humanização de Newton, que se tornará um viciado em assistir televisão, passando a ignorar a apaixonada Mary Lou, que reclamava que ele não lhe dava mais nenhuma atenção. 

E quando o Newton assistia a todos aqueles aparelhos de TV, simultaneamente, ele começa a se sentir muito mal com aquela situação, gritando para que todas aquelas imagens saiam de sua mente e voltem para o lugar de onde vieram. Esta sequência também pode ser interpretada como sendo a consciência de Newton lhe dizendo para retomar o seu projeto original, permitindo que volte ao seu planeta natal. 

E depois de muito assistir TV o alienígena Newton concluiu que essa mídia pode até exibir tudo o que acontece na Terra, mas não mostra o que os seres humanos possuem de mais misterioso.

Com o seu crescente isolamento, Newton passa a encarar a jovem Mary Lou apenas como uma empregada e os laços emocionais que existiam inicialmente entre os dois, quando ele ainda era um alienígena por inteiro, irão desaparecer. 

Isso pode ser encarado como uma crítica que o filme faz à maneira como as relações entre homens e mulheres se desenvolviam naquela época. 

O filme mostra, assim, que se no início Newton e Mary Lou se relacionavam sexualmente de uma forma bem mais afetiva e carinhosa, mais para o final, quando o relacionamento deles já havia desmoronado, quando se reencontram e fazem sexo, esse ocorre de uma forma tipicamente sadomasoquista, com muita mais violência, principalmente emocional.

O cientista Nathan Bryce (interpretado por Rip Torn, à direita) discute com Canutti. Nesta época ele trabalhava como professor universitário. Depois ele será contratado por Newton para trabalhar para a World Enterprises.

Aliás, essa é outra diferença que temos em relação ao livro, no qual em momento algum temos qualquer envolvimento romântico entre Betty Jo (o nome da jovem no livro é esse) e o alienígena Newton. Betty Jo é mais velha e bem menos atraente do que a Mary Lou que temos no filme.

E pode-se dizer que o filme também é bem mais generoso, quando comparado com as produções atuais, ao mostrar cenas de sexo, não apenas entre Newton e Mary Loy, mas principalmente no caso de Nathan Bryce.

Bryce é um professor universitário e engenheiro químico que vai trabalhar para a World Enterprises e que se torna próximo de Newton. Bryce costumava se envolver sexualmente com as jovens alunas da universidade e vemos isso em vários momentos do filme. 

Outro exemplo de como o filme também inovou em questões sexuais e comportamentais é que ele também mostra um casal inter-racial, que envolve um homem negro e uma mulher branca e loira. E também temos um casal homossexual, que é formado por Oliver Farnsworth, o advogado de Newton que passou a administrar a World Enterprises, e Trevor, que são casados. 

E quando exibe as cenas de relações sexuais, Roeg sempre alterna com outras imagens, que se conectam com os atos dos amantes. Assim, quando vemos Bryce se relacionando sexualmente com uma jovem, Roeg alterna essas imagens com a de Newton sendo atendido por Mary Lou depois que se sentiu mal quando usou o elevador do hotel.

Portanto, o filme também se diferencia do livro nestes aspectos, o que é claramente fruto da chamada revolução sexual dos anos 1960, que se desenvolveu principalmente na segunda metade daquela década, depois da publicação do livro de Walter Tevis. E também nesse aspecto o filme de Nicolas Roeg foi pioneiro e tratava de temas relevantes e que eram novidade em sua época.

Mary Lou cuida de Newton, pois o mesmo se sentiu mal quando usou o elevador do hotel. Seu organismo ainda não havia se adaptado ao planeta. Mais adiante ele irá usar um outro elevador e nada aconteceu, pois já estava adaptado às condições da Terra.

O planeta de Newton (Anthea) foi devastado e se tornou seco e desértico e quando ele chega à Terra ele fica maravilhado com a natureza exuberante e com o fato de existir tanta água, se deliciando com a mesma quando a bebe. Sempre que lhe perguntam o que ele quer beber, Newton sempre pede água. 

Por isso mesmo é que Newton, quando decide construir uma casa para morar, ele escolhe um local isolado, longe das cidades, ao lado de um lago rodeado de uma floresta, em meio a uma natureza exuberante, que é tudo o que deixou de existir em Anthea. 

Somente mais tarde, depois de muitos anos no planeta, à medida que ele vai se tornar cada vez mais humano, é que ele começará a mudar os seus hábitos, passando a consumir cada vez mais bebidas alcoólicas. 

Esse é um elemento importante do filme, ou seja, o processo de humanização de Newton é visto de maneira negativa e quanto mais humano ele se torna, mais ele vai decaindo, em todos os aspectos (físico, moral, emocional e intelectual). 

Outro aspecto interessante do filme é que o Tempo não é mostrado como sendo linear, embora exista uma relação de continuidade, de causa e efeito, na trama principal. Mas em vários momentos o elemento temporal normal (passado, presente e futuro) não é respeitado. 

Assim, em uma sequência, quando Newton viaja, em sua limusine, junto com Mary Lou, para um local isolado onde irá construir a sua nova casa, ele vê e também é visto por colonos pioneiros do século XIX, como se uma brecha espaço temporal tivesse sido aberta entre eles naquele momento. Logo depois essa brecha se fecha.

Newton torna-se um multimilionário, mas evita contato com as pessoas. Mary Lou, Farnsworth e Bryce são os únicos com quem ele procura estabelecer relações. Ele teme que a sua verdadeira origem seja descoberta e acabar sendo perseguido por isso. Afinal, ele percebe que os seres humanos demonstram ter grande dificuldade em conviver com quem é diferente ou estranho.

Outro momento em que fica claro que essa relação espaço temporal que vemos no filme (no livro isso não acontece) é distinta da normal ocorre quando, mais para o final, vemos que várias décadas se passaram desde que Newton chegou à Terra.

Logo, todas as pessoas envelheceram, menos o próprio Newton, o que pode ser explicado por sua origem alienígena. No entanto, as características fundamentais da sociedade (economia, tecnologia, moda, veículos, aparências das ruas...) não se alterou. 

E temos até uma cena de caráter meio que sobrenatural, quando Bryce vê Newton indo em sua direção e falando com ele, que estava pescando, mas naquele momento vemos que o alienígena estava dormindo. 

E nestes momentos não existe, da parte de Roeg, qualquer preocupação em dar uma explicação sobre tudo isso. 

Este é outro elemento do filme de Roeg que chama a atenção, ou seja, a trama vai se desenvolvendo sem que os acontecimentos sejam devidamente explicados, deixando para que os espectadores reflitam e tirem as suas conclusões sobre o que estão assistindo.

O filme também possui inúmeras referências literárias, pictóricas e cinematográficas, como são os casos de uma poesia de W. H. Auden sobre o quadro 'Paisagem com a queda de Ícaro', de Pieter Bruegel, que também é mostrado. Também existem referências ao cinema, como ao filme 'Sylvia Scarlett' (1936), de George Cukor, e 'The Third Man' (1949), de Carol Reed.  

Também temos referências à cultura japonesa, com uma cena que mostra uma peça do teatro Kabuki, do qual Bowie era um grande admirador e que também o influenciou em sua trajetória musical, entre muitas outras. 

Aliás, essa cena simula uma luta que termina em morte e que é alternada com outra cena, de uma relação sexual entre Bryce e uma jovem, que atingem o orgasmo no exato momento em que uma das personagens da peça é morta, estabelecendo uma relação entre sexo e morte.

Em determinados momentos as falas dos filmes que são exibidos nos aparelhos de TV a que Newton assiste, simultaneamente, se conectam com a trama do filme, caracterizando um tipo de intertextualidade. 

Essa intertextualidade é uma característica presente no filme, que envolve várias formas de arte e de comunicação: Literatura, Teatro, Cinema, Música, Pintura, Rádio, TV.

A verdadeira aparência do alienígena Thomas Jerome Newton irá assustar bastante Mary Lou. O estranhamento do ser humano com quem é diferente (seja por razões de cor, religião, nacionalidade, etc) está presente no filme de Roeg.

Esse vício crescente de Newton em assistir TV o tempo inteiro é mais uma demonstração do seu processo de humanização, que o leva cada vez mais a se afastar da sua natureza alienígena e a se esquecer de qual era a sua missão original, ou seja, a de ajudar a população do seu planeta, que corria sério risco de extinção, incluindo a sua esposa e os seus filhos. 

E é claro que isso agrava a situação de Newton, que fica cada vez deprimido em função do seu fracasso. E o estranhamento das pessoas com relação a Newton também é demonstrado em vários momentos. 

Desta maneira, quando Newton chega a uma pequena cidade do Kentucky e se instala no hotel local, policiais locais olham para ele com desconfiança e decidem investigá-lo, mesmo que ele não tenha feito nada de ilegal. É o fato dele ser diferente que gera esse comportamento preconceituoso.

E a própria Mary Lou se espanta quando vê Newton com a verdadeira aparência dele, que mostra um corpo desprovido de pelos, cabelos, inteiramente liso, e com olhos bem diferentes dos humanos, que lhe dão uma aparência que é assustadora para ela. Quando o vê, tal como ele é, ela grita muito, pois fica assustada. 


Nathan Bryce e Newton conversam em uma cápsula espacial que foi construída pela corporação do alienígena. Foi nesta conversa que Bryce começou a desconfiar da origem de Newton.

E mesmo depois, quando observa Newton, deitado na cama, do jeito que ele realmente é, Mary Lou tentará se acostumar com aquela visão de um ser tão diferente, mas não consegue e se afasta dele. Apenas muitos anos depois de convivência entre os dois é que ela irá se acostumar com a verdadeira natureza de Newton. 

Ela tentará, inclusive, convencer Newton a revelar a sua verdadeira identidade, extraterrestre, para a humanidade, o que ele se recusará a fazer, pois sabe o quanto os seres humanos são preconceituosos, intolerantes e violentos. 

Este é uma característica do filme que também o conecta com fenômenos políticos e sociais recentes, pois nos últimos anos tivemos o retorno, em muitos países, e o fortalecimento de movimentos e de lideranças políticas que fazem um discurso marcado pelo ódio, preconceito e intolerância com relação a pessoas que são diferentes.

Tais pessoas são discriminadas e perseguidas pelo fato de não se enquadrarem em um modelo que é considerado como sendo 'normal', que caracteriza o chamado 'cidadão de bem' que, aliás, era o nome do jornal da Ku Klux Klan.

A esposa de Newton vê, em Anthea, uma imagem de seu marido, que fez uma propaganda para a TV. As imagens chegaram até Anthea. Aliás, foi por meio de imagens de TV que os habitantes do planeta tomaram conhecimento da existência da Terra, para a qual eles deram o nome de 'Planeta Água', pois o mesmo possui muito do líquido que, em Anthea, não existe mais.

O isolamento de Newton, somado ao crescente poderio financeiro e tecnológico da sua corporação, a World Enterprises, levou a que o governo dos EUA interferisse em sua empresa, se apossando da mesma, ao mesmo tempo em que Newton é preso e submetido a inúmeros testes por agências e organizações governamentais (CIA? FBI? o filme não deixa claro).

Assim, o seu projeto espacial, de retornar para Anthea, é destruído e Newton somente é libertado apenas porque sua prisão era ilegal e isso estava criando problemas políticos para o governo dos EUA, que enfrentava um desgaste com o aumento do desemprego, o que é comentado por Peters, que trabalha para o governo 'estadunidense'. 

Newton até chegou a enviar mensagens para Anthea para conseguir se conectar com a sua esposa e seus filhos que ficaram em seu planeta natal. 

Ele fez isso gravando um comercial para a TV dos produtos eletrônicos da World Enterprises e, também, gravando um disco, esperando que o mesmo fosse tocada por alguma emissora de rádio. Newton faz isso porque sabe que as ondas de TV e de Rádio se propagam pelo espaço e, assim, poderiam ser captadas por sua família.

Thomas Jerome Newton assiste ao filme 'The Third Man' ('O Terceiro Homem', 1949), dirigido pelo cineasta britânico Carol Reed. A atriz italiana Alida Valli é quem aparece na cena assistida por Newton.

Esse comentário de Peters refere-se ao fato de que, após o primeiro 'Choque do Petróleo', em outubro de 1973, a economia dos países ricos, incluindo a dos EUA, entrou em uma grave recessão, o que aumentou bastante a taxa de desemprego, bem como a inflação. 

Portanto, o filme de Roeg está claramente conectado com os principais desenvolvimentos econômicos, tecnológicos, sociais, comportamentais e culturais daquele período histórico em que foi realizado. 

Inclusive, temos até mesmo a participação de um astronauta dos EUA, Jim Lovell, que participou dos projetos Gemini e Apollo da NASA. Ele participou da fracassada missão da 'Apollo 13', em abril de 1970, que deveria ter pousado na Lua, o que não aconteceu devido à explosão de um dos tanques de oxigênio. Apesar dos problemas, os três astronautas conseguiram retornar sãos e salvos para a Terra.

O filme de Roeg também se utiliza de várias técnicas e recursos cinematográficos que o diferenciam e o afastam muito de um filme convencional. 

Assim, temos o uso da câmera subjetiva, de sons externos (dos trens, por exemplo) que são incorporados ao filme, ouvimos os pensamentos dos personagens, de diálogos que ocorrem sem a presença dos personagens que estão conversando, pois a imagem que é exibida é outra e não a dos que conversam.

Conclusão!

Em um determinado momento do filme vemos um grupo de pioneiros, da época da colonização dos EUA. Eles veem Newton em sua limusine e o mesmo também os vê, como se uma brecha espaço temporal tivesse sido aberta.

O filme de Nicolas Roeg, de fato, é uma obra bela, poética e angustiante que mostra uma visão crítica sobre a civilização industrial que está destruindo a Terra, deixando claro que o mesmo processo de devastação que ocorre no planeta natal de Newton poderá se repetir aqui.

Ele mostra um processo que, nos últimos anos, passou a preocupar um número cada vez maior de pessoas, que passaram a se mobilizar em defesa da natureza. Os movimentos ambientalistas dessas últimas décadas fizeram com que surgissem muitos movimentos e partidos políticos dedicados à defesa do Meio Ambiente, os chamados 'Verdes'. 

Na mais recente eleição parlamentar realizada na Alemanha o Partido Verde foi o terceiro mais votado e se uniu aos Sociais Democratas e aos Liberais para formar o novo governo do país, assumindo o comando de vários ministérios importantes, como o das Relações Exteriores. 

Além disso, o filme também trata da alienação que leva muitas pessoas a se isolarem da realidade na qual estão inseridas e estabelece uma clara conexão entre a alienação que vemos no plano individual, de Thomas Jerome Newton com relação as pessoas que vivem e desfrutam dessa civilização industrial e tecnológica que se tornou dominante na Terra.

Tal como Bowie, Newton também tinha várias facetas.

'O Homem Que Caiu na Terra' também mostra que essa alienação também se desenvolve no plano coletivo. Ele também deixa claro que essa alienação se dá também na maneira como a espécie humana está se relacionando com a Terra, pois ela está devastando o planeta sem se preocupar com as trágicas consequências desse processo.

Os seres humanos como seles não pertencessem ao planeta, como se não fizessem parte da natureza, erro que poderá custar caro para a própria espécie humana. 

Logo, o planeta natal de Newton é uma representação do que poderá vir a acontecer com a Terra em um futuro não tão distante, devido à emergência e desenvolvimento de uma civilização industrial e tecnológica, bem como de uma sociedade de consumo global que a sustenta.

E o que o filme mostra, claramente, é que esse processo poderá levar a Terra a ficar em uma situação semelhante ao do planeta natal de Newton, com a sua natureza inteiramente devastada. 

A relevância do filme de Nicolas Roeg pode ser demonstrada pelo fato de que 46 anos depois da sua realização a sua história está sendo retomada por meio de uma série de TV, que começou a ser exibida pela Showtime em 25 de Abril e que terá 10 episódios, contando com um ótimo elenco.

E a trama do filme também será adaptada para os quadrinhos, com o lançamento de uma Graphic Novel baseada no filme de Roeg e que será lançada, em 25 de Outubro de 2022, pela Titan Comics.

Desesperada porque Newton não lhe dá mais atenção, Mary Lou reclama dessa situação e chora, enquanto ele somente quer saber de assistir televisão. A mídia de massa passou a ser objeto de crítica de muitos artistas nessa época.

Informações Adicionais!

Título: The Man Who Fell to Earth (O Homem Que Caiu na Terra);

Diretor: Nicolas Roeg;

Roteiro: Paul Mayersberg, baseado em livro de mesmo título de Walter Tevis, de 1963;

Fotografia: Anthony B. Richmond;

Gênero: Ficção Científica; Duração: 139 minutos;

País de Produção: Reino Unido e EUA; Ano de Produção: 1976; 

Música: John Philips e Stomu Yamashta; Edição: Graeme Clifford;

Elenco: David Bowie (Thomas Jerome Newton); Rip Torn (Nathan Bryce); Candy Clark (Mary Lou); Buck Henry (Oliver Farnsworth); Bernie Casey (Peters); Jackson D. Kane (Professor Canutti); Tony Mascia (Arthur); Linda Hutton (Elaine); Adrienne Larussa (Helen); Claudia Jennings (Esposa de Peter's).

Prêmio: Melhor Ator para David Bowie na Academia de Ficção Científica, Horror e Fantasia, nos EUA, em 1977.

Newton foi impedido de levar adiante os seus planos para salvar o seu planeta e acabou se humanizando por completo, tornando-se um alcoólatra.

Links:

Informações sobre o filme:

https://www.imdb.com/title/tt0074851/?ref_=ttawd_awd_tt

A trajetória de David Bowie:

https://rollingstone.uol.com.br/noticia/memoria-relembre-entrevista-concedida-por-david-bowie-irolling-stonei-em-1972/

Informações sobre a nova série baseada no filme:

https://www.imdb.com/title/tt10758074/

Música 'Word on a Wing':

https://www.youtube.com/watch?v=hmtL3RxiVjc

Documentário da BBC - 'Cracked Actor - David Bowie' (1975).

https://www.dailymotion.com/video/x3ewvxy

Informações sobre a morte de Nicolas Roeg:

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2018/11/24/interna_diversao_arte,721343/morre-nicholas-roeg-cineasta-que-redefiniu-a-imagem-de-david-bowie.shtml

Lista dos 10 filmes favoritos de Nicolas Roeg:

https://faroutmagazine.co.uk/nicolas-roeg-10-favourite-films-of-all-time/

Totalmente derrotado e corrompido pela humanidade, Newton baixa a cabeça no final do filme.

Informações sobre a Graphic Novel:

https://www.space.com/david-bowie-the-man-who-fell-to-earth-graphic-novel-titan-comics

Declarações de Nicolas Roeg sobre o trabalho com Bowie:

https://ims.com.br/filme/o-homem-que-caiu-na-terra/

Fotos raras do filme:

https://edition.cnn.com/style/article/david-bowie-the-man-who-fell-to-earth-behind-the-scenes/index.html

Candy Clark em tributo para David Bowie:

https://www.sfexaminer.com/entertainment/candy-clark-pays-tribute-to-ultimate-man-who-fell-to-earth/

Fotos do set de filmagem:

https://www.theguardian.com/film/gallery/2018/jul/18/david-bowie-on-the-set-of-the-man-who-fell-to-earth-nicolas-roeg-in-pictures

Um quadro a óleo e dois poemas:

http://artelivrosevelharias.blogspot.com/2013/02/um-quadro-oleo-e-dois-poemas.html

Trailer do filme de 1976:



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