Claude Chabrol - Comentando 7 Filmes da época áurea da sua carreira! - Marcos Doniseti!
Nesse texto irei comentar 7 filmes que foram dirigidos pelo cineasta francês Claude Chabrol, que começou a se destacar a partir de 1958-1959, quando filmou, com recursos próprios, aqueles que são considerados os dois primeiros longas-metragens da Nouvelle Vague, que foram 'Le Beau Serge' (Nas Garras do Vício; 1958) e 'Les Cousins' (Os Primos; 1959).
Chabrol fez parte do movimento cinematográfico que começou a se desenvolver a partir de um grupo de cinéfilos, que também era integrado por Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette, Éric Rohmer e Alexandre Astruc.
Esses cinéfilos viviam e respiravam cinema 24 horas por dia, 7 dias por semanas, todos os anos, assistindo a inúmeros filmes todas as semanas, na Cinemateca de Paris (fundada por Henri Langlois em 02 de Setembro de 1936) e nos Cineclubes da Cidade Luz.
Além de assistir a inúmeros filmes, os integrantes da chamada 'Gangue Schérer', nome dado por André Bazin, pois o grupo era liderado por Eric Rohmer (que se chamava Jean-Marie Maurice Schérer), também passaram a escrever sobre os filmes que assistiam. Inicialmente, eles escreviam um boletim do Cineclube que haviam criado, que foi o CCQL: Ciné Club du Quartier Latin.
Depois, o boletim do CCQL foi ampliado e se tornou a 'Gazette du Cinéma', uma publicação da qual Eric Rohmer era o editor-chefe e que foi publicada entre Maio e Novembro de 1950 (foram 5 edições: Maio, Junho, Setembro, Outubro e Novembro). Dos 5 integrantes do grupo, apenas Truffaut não chegou a colaborar com a publicação.
Claude Chabrol e Stéphane Audran realizaram muitos filmes juntos e também foram casados entre 1964 e 1980. |
Os membros do grupo começaram a filmar já a partir de 1950, com a realização de um média metragem ('Le Quadrille'), com 40 minutos de duração, dirigido por Jacques Rivette e que foi financiado por Godard (que também atuou no filme), que vendeu, sem autorização, algumas edições raras da vasta biblioteca da sua família para bancar a produção do filme.
Nos anos seguintes, após a estreia com 'Le Quadrille', os membros do grupo irão dirigir vários curtas. Godard dirigiu 'Charlotte et son Jules', em 1958, por exemplo. A única exceção foi Chabrol, que estreou diretamente dirigindo um longa-metragem, que foi 'Le Beau Serge' (1958).
Posteriormente, a partir de Abril de 1951, tivemos início da publicação da 'Cahiers du Cinéma', com a qual os 5 membros do grupo irão colaborar durante muitos anos. E foi nas páginas da 'Cahiers' que eles criaram e desenvolveram a chamada 'Teoria dos Autores' e travaram inúmeras batalhas contra o restante da crítica cinematográfica francesa, que não concordava com as suas ideias.
Os dois primeiros filmes de Chabrol, 'Le Beau Serge' (1958) e 'Les Cousins' (1959), foram bem recebidos e o segundo conquistou um grande sucesso comercial, o que abriu caminho para uma nova geração (uma Nouvelle Vague, expressão criada pela revista semanal "L'Express" em 1957) de cineastas, em especial a do grupo da 'Cahiers', que passou a ser chamado de 'Jovens Turcos'.
A expressão foi criada devido à intenção do grupo de revolucionar o cinema francês, produzindo filmes de caráter autoral, de baixo orçamento, sobre temas contemporâneos, em locações reais e revelando novos atores e atrizes, como Bernadette Lafont, Jean-Claude Brialy e Gérard Blain, protagonistas de 'Le Beau Serge'.
Claude Chabrol, Stéphane Audran e Jean-Pierre Cassel. |
Em 'Les Cousins' Chabrol trabalhou pela primeira vez com a atriz Stéphane Audran, com quem se casaria em 1964, formando uma das principais duplas do cinema, sendo que o casamento deles durou até 1980. Foi também com a bela e talentosa Stephane Audran que Chabrol realizou os seus melhores filmes, sendo que irei comentar 7 deles na sequência.
Chabrol filmou bastante (foram 75 produções no total) e isso colaborou para que ele realizasse filmes excelentes, verdadeiros clássicos, mas que também fizesse outros bem fracos, o que ele mesmo reconheceu.
E Chabrol também meio que 'fugiu' de Paris em seus filmes, pois em um grande número dos mesmos as histórias se desenvolvem no interior da França, em pequenas cidades e na área rural, característica que sempre esteve presente em sua obra, desde 'Le Beau Serge' (1958).
Chabrol também ficou conhecido como o cineasta que valorizava muito a mise-en-scène, bem como mostrava o cotidiano de confortáveis famílias burguesas, e também por trabalhar com temas como o conflito entre aparência e essência, que é central em sua obra.
Os protagonistas de seus filmes mantém, simultaneamente, uma vida pública burguesa confortável e, aparentemente, decente e honrada, sempre procurando mostrar para todos que formam famílias bem estabelecidas e felizes, de acordo com os valores hegemônicos que são definidos pela própria Burguesia: Ricos, bem sucedidos, honestos, dignos, felizes e honrados. Cidadãos de bem.
Mas, enquanto isso, elas também experimentam uma vida secreta, com os membros dos casais burgueses envolvendo-se em romances e até em assassinatos, enquanto procuram esconder de todos essas ações que entram em conflito com os valores que dizem possuir e que procuram demonstrar publicamente.
Nos filmes de Chabrol as tramas são desenvolvidas de uma maneira mais lírica, sem cenas de violência explícita. A maneira como ele mostra as mortes são bem evidentes disso, evitando de mostrar cenas muito fortes. No momento exato em que o crime ocorre ele acelera as cenas ou mostra tudo de longe.
E os seus personagens também são mostrados de uma maneira que eles não são nem inteiramente bons e tampouco são inteiramente maus.
Os personagens de Chabrol são apenas pessoas que possuem virtudes, defeitos, angústias, desejos, necessidades, que vivem alguns momentos de felicidade e outros de tristeza, que muitas vezes são ou estão se sentindo solitárias, com seus sofrimentos, suas fraquezas e que não resistem à certas tentações. Eles são humanos, pura e simplesmente.
Outro aspecto destes filmes é que os protagonistas são sempre integrantes da Grande Burguesia francesa, que procuram preservar os seus privilégios e seu prestígio, mesmo que para isso precisem matar, mentir, manipular, enganar, iludir, trair.
Assim, por exemplo, quando os burgueses cometem algum crime (assassinato, por exemplo) e o mesmo passa a ser investigado pela Polícia, em um primeiro momento eles negam qualquer envolvimento no mesmo e mentem na cara dura para os detetives que investigam os crimes que foram cometidos.
Claude Chabrol e Jean-Luc Godard. |
Logo, para os burgueses retratados por Chabrol em seus filmes parecer que se é honesto é muito mais importante do que ser honesto. A aparência, portanto, é mais importante do que a essência.
Outra característica da obra de Chabrol, neste período, é que os finais dos filmes nunca são felizes, porém eles são sempre coerentes com a trama que foi desenvolvida, embora sempre deixem em aberto a possibilidade de que a história poderia vir a ser concluída de uma maneira diferente daquela que foi escolhida pelo cineasta.
Os protagonistas também se fazem a mesma pergunta no final. Nitidamente, mesmo sem dizer nada, percebe-se que eles se questionam se deveriam ter agido de outra maneira, tomando decisões diferentes e se isso teria feito diferença no final.
Assim, o espectador também faz esse mesmo questionamento e pode refletir sobre a forma como o filme termina e, desta maneira, o mesmo tem plenas condições de imaginar o seu próprio final.
E foi justamente no período que vai de 1968 a 1973 que Chabrol realizou aqueles que são considerados os seus melhores filmes a respeito desses temas. E são eles que irei comentar a partir de agora.
1 - Les Biches (As Corças; 1968; 94 minutos)!
Este é um belo filme de Chabrol e que possui um tema bastante polêmico para a época da sua realização (e que, mesmo depois de 53 anos, ainda é polêmico para muitos) pois ele mostra um triângulo amoroso que começa a se constituir a partir de um relacionamento romântico que se desenvolve entre duas belas mulheres.
A história do filme gira em torno de Why (interpretada pela lindíssima Jacqueline Sassard) e Frédérique (interpretada por Stéphane Audran) que se envolvem romanticamente.
Frédérique é proprietária de uma pequena empresa de construção de embarcações, enquanto que Why vivia de desenhar corças nas calçadas, ruas e pontes de Paris. E foi em um momento como esse que elas se conheceram, pois Frédérique deu 500 francos para a jovem Why pelo desenho que esta fez em uma ponte, o que levou a que esta última se interessasse em descobrir o motivo disso.
A partir daí a bela e madura Frédérique deixa claro que o seu interesse não é pelos desenhos de Why, mas pela bela jovem, o que dá início a um romance entre as duas. Elas são felizes enquanto o romance não é abalado por algum acontecimento novo.
A bela Why se envolve romanticamente com Paul Thomas, por quem acaba se apaixonando, mas o relacionamento deles não irá durar muito tempo. |
Porém, esse abalo no romance das duas belas mulheres acaba ocorrendo quando elas conhecem um arquiteto, Paul Thomas (interpretado por Jean-Louis Trintignant) durante uma festa na bela residência de Frédérique. E mais adiante elas também acabam por ter um affair, em momentos distintos, com esse arquiteto.
Porém, a partir deste momento, o romance de Frédérique e Why chega ao fim, devido ao envolvimento da primeira com Paul.
No entanto, a jovem Why não aceitará tão facilmente ser passada para trás dessa maneira e tentará fazer parte do mundo e da vida deles, dando origem a uma série de situação embaraçosas e conflitantes, o que levará a um final que não será nada feliz.
2 - La Femme Infidele (Stéphane; 1969; 94 minutos)!
Este filme é mais um excepcional trabalho desta ótima fase de Chabrol, a melhor de sua carreira, e que conta com Stéphane Audran e Michel Bouquet na condição de protagonistas.
Eles interpretam um casal burguês (Hélène e Charles Desvallées) que é, aparentemente, muito feliz e que desfruta de uma vida de sonhos. Eles são ricos, bem sucedidos, tem uma vida tranquila, vivendo em uma região de origem aristocrática (Versailles).
Charles e Hélène são casados há 11 anos e tem um filho (Michel) que os ama, é estudioso e disciplinado, embora o mesmo se irrite quando não consegue terminar um grande quebra-cabeças. Charles ama profundamente a sua bela esposa e acredita que é correspondido pela mesma.
Charles trabalha em seu escritório, que se localiza em Paris, para onde se desloca diariamente. Seu principal companheiro de trabalho é Paul, que namora com uma das secretárias, a jovem, bela e alegre Brigit.
Porém, o que ele não sabia, mas que acabará descobrindo, é que a sua bela esposa também costuma ir a Paris, três vezes por semana, para se encontrar com o seu amante, um homem rico e divorciado que se chama Victor Pegala (interpretado por Maurice Ronet).
Charles começará a desconfiar do comportamento de Hélène e contratará um detetive particular para que siga e, assim, ele descobrirá que é traído por sua esposa.
Charles, ao descobrir o romance, decide ir até o apartamento de Victor, apresentando-se como o marido de Hélène, o que deixa Victor surpreso. Eles conversam e, em um determinado momento, o marido traído descobre um fato que o deixa transtornado emocionalmente. Isso terá consequências nefastas, levando a um final trágico.
3 - Que La Bête Meure (A Besta Deve Morrer; 1969; 107 minutos)!
Neste filme nós vemos um homem, Charles Thénier (interpretado por Michel Duchaussoy), decidir se vingar do responsável por atropelar e matar o seu jovem filho, ainda uma criança. Ele inicia uma jornada pessoal para descobrir quem foi o responsável pela tragédia e decide que não fará mais nada em sua vida até encontrar e matar o assassino.
Para isso, Thénier faz a denúncia para a Polícia, que começa investigando oficinas mecânicas, a fim de descobrir em qual delas o veículo avariado no atropelamento poderia ter sido consertado. Mas essa busca revela-se infrutífera e Thénier percebe que dependerá do acaso para descobrir quem matou o seu filho.
E o acaso acontece quando o seu veículo fica atolado em uma estrada de terra, no interior do país, pois havia chovido bastante na região, e consegue a ajuda de um morador local, que conta a história de um veículo que anteriormente havia passado pelo mesmo problema e cuja descrição, percebe Thénier, remete ao veículo cujo motorista matou o seu filho.
O filho do morador conta que no veículo viajavam um homem, que ele não sabia quem era, e uma atriz famosa de TV (Hèléne Lanson, interpretada por Caroline Cellier). Daí, Thénier decide ir até Paris a fim de se encontrar com a jovem e bonita atriz, com o objetivo de, por meio dela, chegar até o responsável por matar o seu filho.
Thénier e Hélène se envolvem romanticamente, embora ele não a ame, pois está apenas interessado em usar a atriz para chegar até o assassino, a quem pretende matar. E quando isso acontecer ele irá se convencer ainda mais de que o assassino merece morrer, pois ele se revela uma pessoa extremamente cruel, que não hesita em humilhar a todos ao seu redor, incluindo a esposa, o filho e os parentes mais próximos.
Mas ele irá executar o seu plano? Deixarei isso em aberto, para que vocês mesmo descubram quando assistirem ao filme.
4 - Le Boucher (O Açougueiro; 1970; 89 minutos)!
Stéphane Audran interpreta uma professora e diretora (Hélène) de uma pequena escola de uma pequena cidade do interior da França (nos anos 60 e 70 Chabrol é o cineasta que mostrava o interior da França, enquanto Godard era o cineasta que mostrava Paris, pelo menos em sua fase inicial).
Ela conhece um açougueiro (o 'boucher' do título), chamado Popaul (interpretado por Jean Yanne) durante uma festa de casamento. Eles se aproximam e Popaul se apaixona pela bela Hélène, mas esta não se interessa por desenvolver um relacionamento amoroso com ele, devido a um fato do passado, uma decepção amorosa, que lhe fez sofrer bastante.
Pouco tempo depois a jovem esposa é brutalmente assassinada. E não demora muito para que outro assassinato, de outra jovem mulher, e com as mesmas características, aconteça na pequena cidade.
Neste segundo caso, a vítima é descoberta por Hélène, que encontra no local do crime um isqueiro, semelhante ao que ela havia dado de presente para Popaul, o que a leva a suspeitar que ele seria o assassino. Ela esconde o isqueiro em sua casa, não entregando o mesmo para a Polícia, mas, ao mesmo tempo, ela tenta se afastar de Popaul, mas isso não será fácil.
E a Polícia começa a suspeitar que os crimes foram cometidos por uma mesma pessoa, um Serial Killer, mas não consegue nenhuma prova ou indício que aponte para o assassino, desconhecendo o fato de que Hélène escondeu a prova que apontaria para a culpa de Popaul.
Essa trama terá um final trágico, que não contarei aqui, é claro, para não antecipar nada a quem for assistir ao filme.
5 - La Rupture (Trágica Separação; 1970; 119 minutos)!
Este é um filme que possui todos os principais elementos da obra de Chabrol deste período, sendo uma adaptação do livro 'The Balloon Man', de Charlotte Armstrong.
Assim, temos membros de uma família (os Régnier) da grande burguesia que está envolvida em uma conspiração familiar que visa desmoralizar uma jovem, bela e digna mulher (Hélène) que está se divorciando do seu marido (Charles) porque este se tornou um psicótico violento e com intenções de matar, comportamento este que foi provocado pelo abuso de drogas (LSD).
Após sofrer um surto psicótico, Charles (Jean-Claude Drouot) tenta matar o próprio filho, uma criança de 6 ou 7 anos, e também a sua bela mulher, Hélène (Stephane Audran). No entanto, ela consegue se defender e responde às agressões do marido, conseguindo impedir que ele matasse ao filho (Michel) e à ela mesma.
Depois disso, ela vai morar em uma pensão que se localiza perto do hospital em que o filho está internado e na qual irá se relacionar com algumas pessoas que vivem meio que abandonadas pela sociedade, incluindo um ator fracassado (Gerard Mostelle), que acabará ajudando Hèléne a tomar conhecimento dos planos sujos de Ludovic.
Hélène e Mostelle simbolizam pessoas honestas e que se recusam a se deixar corromper pelos demais e pela sociedade. Sempre que recebe oferta de dinheiro de Ludovic ela rejeita. E quando Mostelle também recebeu uma oferta corruptora da parte de Ludovic, ele irá agir de maneira semelhante, repudiando a mesma.
A proprietária da pensão, a senhora Pinelli, é uma mulher que está próxima de perder a pensão, seu marido (Henri) é alcoólatra e ela ainda tem uma filha (Elise) com problemas mentais. E também temos três mulheres idosas que ficam jogando tarô o dia inteiro e que se dedicam a falar mal da vida alheia.
Assim, inicia-se o processo de divórcio e é durante esse período de tempo que ficaremos sabendo dos detalhes a respeito da história do casal, Hélène e Charles, bem da origem rica e burguesa de Charles.
E daí veremos o desenvolvimento dos planos desonestos da família deste último, liderada pelo patriarca Ludovic Régnier (que é interpretado por Michel Bouquet) para garantir que o seu neto (Michel) fique com eles e não com Hélène.
Para conseguir que isso aconteça, o grande burguês Ludovic contrata um homem de negócios que está bastante endividado, literalmente falido, chamado Paul Thomas, que aceita colocar em prática um plano sujo para desmoralizar Hélène, com o objetivo de permitir que ela seja desmoralizada perante a Justiça, permitindo que a família de Ludovic possa ficar com a guarda do neto (Michel).
A
pensão está para ser derrubada em função de obras que serão feitas na
região e isso será usado por Ludovic e por Paul Thomas para manipular a senhora Pinelli, iludindo-a com a possibilidade dela mudar a sua pensão para uma outra casa, de propriedade de Ludovic e, assim, conseguir
executar o seu plano de desmoralização de Hélène.
O problema é que à medida que Thomas investiga a vida da bela mulher, ele descobre que não há nada que ela tenha feito que possa ser usado contra ela no processo relativo à guarda de Michel e que pudesse beneficiar Ludovic. Thomas chega a dizer que Héléne é uma santa, uma nova Joana d'Arc.
Apesar disso, a promessa de Ludovic de resolver os seus problemas financeiros e de colocá-lo como gerente de suas empresas, o leva a continuar com o plano, que tentará desmoralizar Hélène. Porém, alguns fatos, que não irei comentar, farão com que a história tome um rumo muito diferente daquele que Ludovic e Thomas desejavam.
E o final ficará, parcialmente, em aberto, misturando realidade e sonhos, deixando para que o espectador reflita sobre o mesmo e pense em uma maneira distinta de se concluir este belo e intrigante filme de Chabrol.
6 - Juste Avant la Nuit (Ao Anoitecer; 1971; 102 minutos)!
Michel Bouquet interpreta Charles em 'Juste Avan le Nuit'. |
Este é mais um belo drama policial de Chabrol que envolve uma família burguesa que possui um integrante envolvido em um crime. O filme é uma adaptação de um livro chamado 'The Thin Line' (1951), de Edward Atiyah, sendo que o cineasta japonês Mikio Naruse já havia feito uma adaptação do mesmo anteriormente, em 1966.
A história do filme gira em torno de Charles Masson (Michel Bouquet), proprietário de uma pequena agência de publicidade em Paris, que se envolve com a esposa, Laura, de seu melhor amigo, François (François Périer).
Em seus encontros, Laura adotava uma postura selvagem e estimulava um comportamento mais agressivo da parte de Charles nas relações sexuais, que ocorriam no apartamento de uma amiga de Laura, a fim de aumentar o seu nível de prazer. Charles, embora não gostasse muito de agir desta maneira, acabava por se submeter aos desejos de Laura, embora não escondesse o seu desconforto com isso.
Em um destes encontros, que ocorre logo no início do filme, ela o estimula a simular um estrangulamento, apertando as mãos dele em seu pescoço. Charles aperta cada vez mais, o que provoca a morte de Laura.
Michel Bouquet e Stéphane Audran em cena do filme. Ele interpreta um marido infiel que comete um crime e passa por uma crise de consciência em função disso. |
A diferença do filme de Chabrol em relação a outros filmes policiais tradicionais é que a trama não irá se desenvolver em torno da investigação feita por detetives, mas do impacto que a morte de Laura tem sobre o próprio assassino, Charles.
Charles irá sofrer bastante, passando por uma crise de consciência devido ao crime que cometera, pois era um chefe de família tipicamente burguês, que vivia com uma esposa com quem tinham um ótimo relacionamento, eles possuem dois filhos (Auguste e Josephine) adoráveis, que os amavam e com os quais brincavam. Desta maneira, Charles começa a sentir cada vez mais a necessidade de contar para alguém o que havia acontecido.
Charles acaba contando para a sua bela esposa, Hélène (Stéphane Audran), todas as circunstâncias da morte de Laura, mas ele conta a história de forma gradual. Primeiro, ele diz para a esposa que havia se envolvido com Laura, depois ele diz que foi o autor do crime e, finalmente, ele conta em detalhes como era o relacionamento dele com a mulher do seu melhor amigo e quais foram as circunstâncias da morte de Laura.
Hélène reage de forma calma e tranquila ao que o marido lhe conta, falando ao mesmo ainda que a morte de Laura foi acidental, mas até o próprio Charles duvida disso, pois ele diz que se sentia reprimido por Laura que, claramente, era o lado mais forte do relacionamento deles.
Charles (Michel Bouquet) e Hélène (Stéphane Audran) formam um casal e constituem uma família burguesa bem sucedida, mas que enfrenta uma crise em função de um crime cometido por ele. |
Assim, ele passa a acreditar que desejava, sim, matar Laura, a fim de se livrar dessa mulher que era mais forte do que ele e que o levava a fazer coisas, em seus encontros, que jamais teria coragem de fazer com a sua bela esposa.
Assim, gradualmente, iremos descobrir de que maneira se dava o relacionamento, meramente sexual, entre Charles e Laura e por qual motivo ele se envolve com essa mulher que, claramente, não adotava um comportamento e não tinha uma vida sexual que podemos considerar 'normal', pois ela gostava de correr riscos. Em determinado momento do filme, o próprio Charles diz que era justamente isso que o atraía em Laura.
Posteriormente, Charles também contará para o seu melhor amigo (o arquiteto François) que foi ele quem matou Laura, mas isso não irá provocar uma reação mais forte de François, pois o mesmo entende que a amizade deles, que já dura 25 anos, é mais importante.
François também deixa claro que ele sabia muito bem quem era a esposa, ele sabia da sua agressiva energia sexual, e conta para Charles que o relacionamento do casal era diferente, sendo aberto ao envolvimento com outras pessoas.
Portanto, quem mais sofre no filme é o próprio Charles, que acabará encontrando uma solução nada feliz, trágica mesmo, para o dilema de consciência que enfrentava devido ao fato de ter assassinado Laura.
7 - Les Noces Rouges (1973; 92 minutos)!
Este é outro ótimo drama policial romântico de Chabrol. A história gira em torno de Pierre Maury (Michel Piccoli), Lucienne Delamare (Stéphane Audran) e Paul Delamare (Claude Piéplu).
Paul e Lucienne são casados, mas o relacionamento deles é mais frio e distante, servindo mais aos interesses políticos dele, que é o prefeito de uma cidade do interior da França (que é o sempre o cenário dos filmes de Chabrol).
Paul é bastante ambicioso e sua carreira política é mais importante do que tudo, mal tendo tempo disponível para a sua bela, sensual e intensa esposa. Assim, quando estão juntos, eles conversam sobre questões políticas que são do interesse dele, mas pelos quais ela não tem qualquer interesse.
Enquanto isso, sua bela e insatisfeita esposa tem um intenso e tórrido romance com Pierre, que também é casado, mas cuja esposa é doente e não lhe proporciona nenhum tipo de prazer (sexual ou intelectual) e também possui uma carreira como político.
A esposa de Pierre, Clotilde, é uma mulher doente, que não sente nenhum prazer na vida e, assim, a presença dela acaba mais atrapalhando do que ajudando ao mesmo. Quando estão juntos (jantando, por exemplo) eles não tem nada a dizer um para o outro. É um casamento vazio, inteiramente desprovido de sentimentos.
Chabrol mostra esse cotidiano infeliz e deprimente ao qual estes personagens estão limitados, o que é uma característica importante da obra do cineasta, que sempre mostra essa realidade cotidiana vazia em seus filmes. Seus personagens sempre estão vivenciando uma existência desprovida de emoções ou sentimentos, marcada por um total vazio interior.
Logo, está criado o cenário para que Lucienne e Pierre procurem fora de seus casamentos o prazer, a satisfação, a paixão e a felicidade que não encontram nos mesmos. E é exatamente isso que irá acontecer.
Com o tempo, a atenta, esperta e inteligente filha de Lucienne, Hélène (sempre temos uma Hélène nos filmes de Chabrol...), começa a desconfiar do comportamento da mãe, passando a acreditar de que ela tem um affair com Pierre.
Hélène nasceu quando Lucienne ainda era jovem e, logo, não chegou a conhecer seu pai, sendo alguém que nasceu de um relacionamento rápido e sem sentimentos mais fortes envolvidos.
Logo, o larápio e ambicioso político Paul é seu padrasto e o relacionamento dele com a jovem Hélène é frio e distante. Ela é muito mais próxima da mãe, Lucienne, é claro.
Em seu tórrido affair (eles mal se encontram e já começam a se abraçar, acariciar e beijar intensamente) Pierre e Lucienne vivem se encontrando em locais afastados, em horários nos quais quase ninguém aparece, como castelos, beira de rios, entre outros.
Porém, o ambicioso prefeito Paul Delamare acaba convidando Pierre para ser seu Vice nas eleições seguintes, para garantir a sua reeleição.
E assim Pierre e Lucienne terão que ter mais cuidados quando forem se encontrar. Eles se aproveitam das frequentes viagens de Paul até Paris, por questões políticas, para novos encontros tórridos e intensos.
E daí ela passa a se arriscar mais e a ver Pierre com mais frequência, o que leva a filha a questionar sua mãe se está tendo um romance com Pierre, o que ela é obrigada a confirmar. E para facilitar a sua vida amorosa com Lucienne, vemos Pierre agir no sentido de matar Clotilde, lhe dando um veneno que ela pensava ser um remédio, mas ele inventa a história de que ela teria cometido suicídio, para esconder o crime que havia cometido.
Mas não é apenas a esperta Hélène que desconfia de um romance entre Lucienne e Pierre, pois um belo dia Paul diz aos dois que irá viajar urgentemente a Paris. Daí, o casal apaixonado decide se encontrar, com Lucienne indo até o apartamento de Pierre, voltando no fim da madrugada.
No entanto, qual não é a surpresa dela quando, ao voltar para a sua residência, ela encontra Paul, que havia simulado a viagem, pois já estava desconfiado do romance entre a sua esposa e Pierre.
Lucienne trai o marido (Paul) com Pierre, mas o mesmo não se importa, desde que ele possa enriquecer e tirar proveitos políticos do fato. |
Porém, Paul irá procurar tirar proveito pessoal do fato. Ele procura agir mais como um político ambicioso do que como um marido traído e decide ignorar o romance dos dois, passando a usar do fato para chantagear Pierre, cobrando o apoio do mesmo para a instalação de uma nova fábrica de plástico na cidade, que irá gerar muitos benefícios financeiros (a fábrica será construída em terrenos de sua propriedade) e políticos para ele, pois irá gerar muitos empregos novos na cidade.
Pierre fica indignado quando ouve a proposta pela primeira vez, mas depois que Paul descobre o seu romance com Lucienne, ele fica em uma situação complicada, enfrentando o dilema de ter ou não de se corromper para poder manter o seu romance com a mulher que ama, Lucienne, a esposa de Paul (sempre temos um Paul nos filmes de Chabrol...).
E daí a bela Lucienne e Paul terão que escolher qual será a postura que irão adotar, mas isso deixarei em aberto. Porém, mais uma vez, teremos um final que não é aquele que geralmente ocorre em filmes, digamos, 'normais'.
É bom ressaltar que o filme de Chabrol gerou muita polêmica na França naquela época, pois ele é baseado em uma história real, que envolveu uma liderança política do partido Gaullista.
Desta maneira, o filme foi censurado na época das eleições que ocorreram no país em 1974, a fim de evitar maiores prejuízos eleitorais aos governantes do país, que eram seguidores e herdeiros políticos do general Charles De Gaulle, que liderou a Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial.
Obs: 'Les Biches' está disponível no Youtube, com legendas em português.
Links:
Trecho de 'Les Biches' (1968):
https://www.youtube.com/watch?v=nMTYB2cSu2Y
Trailer de 'La Femme Infidele' (1969):
https://www.youtube.com/watch?v=F3UXvCzyFWo
Trailer de 'Que la Bête Meure' (1969):
https://www.youtube.com/watch?v=0vJ0aN5BZUk&t=17s
Trecho de 'Le Boucher' (1970):
https://www.youtube.com/watch?v=0B-mGbuengI
Trailer de 'La Rupture' (1970):
https://www.youtube.com/watch?v=tF96zYv9z6k
Trecho de 'Juste Avant La Nuit' (1971):
https://www.youtube.com/watch?v=JXCD2z7IsDY
Trecho de 'Les Noce Rouges' (1973):
https://www.youtube.com/watch?v=oGfS_ErkZok
Chabrol e a mise-en-scène:
https://estadodaarte.estadao.com.br/ver-ou-nao-ver-a-mise-en-scene-no-cinema-de-claude-chabrol/
Trailer de 'Le Beau Serge' (1958):
https://www.youtube.com/watch?v=QQAYs31Bp48
A trajetória de Claude Chabrol:
Mais um texto completo, eu adorei ter conhecido seu blog sobre cinema.
ResponderExcluirum abraço
Obrigado mais uma vez, Alice. Fique à vontade para ler os textos e comentar no blog. Abraço.
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