'Gods of the Plague': Fassbinder dá continuidade à sua 'Trilogia dos Marginalizados', em filme com fortes tons autobiográficos!

'Gods of the Plague': Fassbinder dá continuidade à sua 'Trilogia dos Marginalizados', em filme com fortes tons autobiográficos! - Marcos Doniseti!

'Gods of the Plague' ('Deuses da Peste; 1970) foi o segundo filme da 'Trilogia dos Gângsters' de Fassbinder, sendo fortemente influenciado pela Nouvelle Vague, Expressionismo Alemão, Filmes Noir e que também contém referências a 'O Anjo Azul' (1930), de Sternberg.


'Deuses da Peste' (R. W. Fassbinder; 1970)!

'A Trilogia dos Marginalizados'!

'Gods of the Plague' (Deuses da Peste') é o segundo filme daquela que eu chamo de 'Trilogia dos Marginalizados', e que outros denominam de 'Trilogia dos Gângsters'.

Essa Trilogia foi roteirizada e dirigida por Rainer Werner Fassbinder e começou com 'O Amor é Mais Frio do que a Morte' (1969), que foi o seu primeiro longa-metragem. A trilogia foi concluída com 'O Soldado Americano' (1970), que foi o seu sexto longa-metragem. 

Entendo que a expressão 'Trilogia dos Marginalizados' é a melhor para denominar estes três filmes de Fassbinder, pois as tramas deles são, essencialmente, sobre as pessoas que, sendo criminosas ou não, vivem à margem da sociedade, rejeitando os valores dominantes na mesma.

As histórias dos filmes que compõem a Trilogia não envolvem apenas gângsters ou criminosos, mas também pessoas que rejeitam os valores e comportamentos dominantes na sociedade burguesa, capitalista, rica e altamente desenvolvida, da Alemanha Ocidental do final dos anos 1960 e princípio dos anos 1970. 

Tais pessoas preferem viver de uma maneira alternativa, formando comunidades, por exemplo, nas quais tenta-se evitar de reproduzir os padrões dominantes da tradicional instituição familiar  burguesa. 

E essa rejeição a estes valores burgueses, por parte destes segmentos marginalizados, se dá em vários aspectos, incluindo processos de caráter político, econômico, familiar, cultural, sexual, enfim, envolve o mundo das relações interpessoais e da maneira como os indivíduos se relacionam com as instituições dominantes  nas sociedades burguesas afluentes e ricas do mundo capitalista, em especial.

O grupo do 'Antiteatro' em 1970: Na janela: Rudolf Waldemar Brem e Ingrid Caven; Em pé (da esquerda para a direita): Margit Carstensen, Hanna Schygulla, Lilith Ungerer, Fassbinder, Günther Kaufmann, Ursula Strätz, Harry Baer (abraçando Ursula), uma jovem não identificada e Peer Raben; Sentado (à direita): Kurt Raab; À esquerda, sentado, um jovem não identificado. 

O 'Teatro de Ação' e a produção do filme! 

Nestes primeiros filmes ficam claras quais são as principais influências sobre a obra de Fassbinder, como a Nouvelle Vague (Godard, em especial), o Expressionismo Alemão e os filmes do Policial Noir. 

Assim, o contraste entre claro e escuro, a luz e as trevas, está muito presente no filme, não apenas na fotografia, mas na composição dos personagens. Eles também vivem uma situação de contraste em suas vidas, oscilando entre diferentes opções e escolhas de vida. Os casos de Franz e Johanna são bastante emblemáticos desse tipo de situação. 

E também tivemos muita presença dos elementos teatrais, pois o cineasta e sua equipe de atores e atrizes que atuam no filme, a trupe de Fassbinder, vinha inteiramente do Teatro.

Fassbinder constituiu a sua trupe a partir dos membros de um grupo teatral de vanguarda de Munique chamado 'Teatro em Ação', que foi criado em 1966, e que, após a sua entrada para o grupo, passou a se chamar de 'Antiteatro'. Muitos dos membros do 'Teatro em Ação' não participaram do grupo do 'Antiteatro'. 

O grupo do 'Antiteatro' foi formado por cerca de 8 remanescentes do 'Teatro em Ação', incluindo Kurt Raab, Peer Raben, Hanna Schygulla, Irm Hermann, com Fassbinder no comando do mesmo. Eles trabalharam com o dramaturgo e cineasta por muitos anos, participando da maioria dos seus filmes.

Alguns dos integrantes do grupo do 'Antiteatro': Peer Raben, Hanna Schygulla, Kurt Raab e Ingrid Caven. 

Sobre o grupo 'Teatro em Ação', a atriz Marite Greiselis, que levou Fassbinder a fazer parte do mesmo, diz o seguinte sobre os seus integrantes: 

"Imbuídos do maior espírito de sacrifício, convictos, inspirados, soltando gritos primais... [tínhamos] muitos planos para o futuro, mas ninguém que fosse capaz de executá-los. Achávamo-nos num vácuo, esperando inconscientemente que aparecesse alguém para nos mostrar o caminho. Foi quando chegou Rainer Werner Fassbinder". 

E o próprio Kurt Raab, um dos atores que era um dos membros do grupo teatral e que trabalhou em muitos filmes de Fassbinder, admite que inicialmente todos os integrantes antipatizaram com o futuro cineasta. 

Raab chegou a dizer o seguinte, quando viu Fassbinder pela primeira vez:

"Pensei que fosse um intruso, alguém que tivesse seguido Marite até dentro do teatro, vindo da rua. Não escutei uma só palavra do que ele disse. Tudo o que eu sentia era aversão.". 

Obs1: Estas duas declarações foram retiradas do livro 'O Amor É Mais Frio do que a Morte', de Robert Katz, editora Brasiliense, páginas 48 e 49. 

'O Amor é Mais Frio do que a Morte', de Robert Katz, é uma ótima biografia do grande Rainer Werner Fassbinder.

Alguns anos depois, quando foi questionado porque eles adotaram esse nome, 'Antiteatro', Fassbinder respondeu dizendo que a razão disso é que o grupo era abertamente político.

Quando ele, Fassbinder, entrou para o grupo teatral, os seus integrantes gastavam muito tempo e energia discutindo sobre o que fazer, bem no espírito coletivista da época, mas não havia quem liderasse o grupo, pois os membros do 'Teatro em Ação', e como era típico daquela geração, não viam com bons olhos a ideia de que alguém comandasse o grupo. 

Afinal, naquele momento histórico a ideia de autoridade era considerada como sendo um elemento essencialmente autoritário e fascista, sendo inteiramente repudiada por aquele geração. Todas as instituições e autoridades eram contestadas pelos jovens da época. 

Porém, isso não impediu que Fassbinder decidisse assumir a liderança do grupo, dando um rumo para o mesmo. Sobre o assunto, o cineasta disse o seguinte:

"Quando apareci no Teatro de Ação, ele era dirigido por Peer Raben, tão gentil, mas tão gentil que não dava nem para a gente saber que era ele quem dirigia o grupo. A partir do momento em que assumi a liderança - sabe-se lá porque, talvez porque eu a quis, talvez porque os outros me quiseram - ninguém mais teve dúvidas sobre quem era o diretor. Nunca me agradou um líder que seja tão bonzinho e que tenha a fala tão mansa que ninguém nem repara nele. Acho isso perigoso. Prefiro um líder que se exponha. De início, quando comecei a dirigir, eles não queriam trabalhar comigo". 

Obs2: Trecho retirado do livro 'O Amor é Mais Frio do que a Morte', de Robert Katz, editora Brasiliense, página 52.

Lilith Ungerer e Harry Baer foram dois dos integrantes do 'Antiteatro', grupo teatral liderado por Fassbinder, que trabalharam em vários filmes do mesmo. Baer trabalhou com Fassbinder até os últimos dias de vida do cineasta.

Kurt Raab comentou sobre essa maneira de Fassbinder de trabalhar, afirmando o seguinte:

"Tínhamos que ensaiar mesmo sem estar dispostos; tínhamos que dar espetáculo mesmo quando havia mais pessoas no palco do que na plateia. Ele trabalhava com o material pobre de um teatro pequeno, mas, ao dirigir suas peças, procedia como se estivesse num estúdio cinematográfico, cada passo sendo marcado no palco com exatidão, cada movimento estudado do princípio ao fim, cada olhar fixado em seus mínimos detalhes. Não tardou que disso resultasse algo que se podia encarar como um sucesso e um reconhecimento de público e de crítica". 

Isso permitiu que o grupo se tornasse extremamente produtivo, realizando um grande número de filmes e peças de teatro em um curto período de tempo. Fassbinder escrevia roteiros e filmava rapidamente, chegando a fazer filmagens que duravam apenas 15 dias. Mel Ferrer, que atuou em 'Lili Marlene' (1981), chamava Fassbinder de 'Fastbinder' devido à rapidez com a qual o cineasta alemão trabalhava. 

Desta maneira, somente em 1970 e 1971 o cineasta dirigiu 10 longas-metragens. E Fassbinder manteve essa elevada produtividade por toda a sua carreira, realizando 3 curtas-metragens, 39 longas-metragens e 2 séries de TV (com 7 episódios com duração de 90 a 105 minutos cada um) entre 1966 e 1982.

Franz reencontra a sua namorada, Johanna Reiher (Hanna Schygulla), na boate 'Lola Montes', que também é o título de um filme dirigido por Max Ophuls, também alemão, sendo um dos filmes preferidos de Fassbinder.

A trama do filme! 

A história de 'Deuses da Peste' (1970) começa, de certa maneira, no ponto em que 'O Amor é Mais Frio do que a Morte' terminou, com o casal de criminosos (Franz Walsch e Johanna) fugindo após o assassinato de Bruno pela polícia.

No primeiro filme da Trilogia, o personagem Franz Walsch foi interpretado pelo próprio Fassbinder, enquanto que Johanna foi interpretada pela grande musa do cineasta, a maravilhosa Hanna Schygulla. Já neste segundo filme, Harry Baer interpreta Franz Walsch e a mesma Schygulla faz o papel de Johanna. 

O nome Franz Walsch passou a ser usado por Fassbinder para representar a ele mesmo nos filmes e, até mesmo, quando fazia algum trabalho técnico, como o de montagem. A origem do nome Franz é o protagonista do romance 'Berlin Alexanderplatz' (Franz Biberkopf), que ele adaptou brilhantemente em 1980, e o sobrenome vem do cineasta Raoul Walsh, que era um dos preferidos do cineasta alemão.

A trama de 'Deuses da Peste' gira em torno de um pequeno marginal, Franz Walsch, que acabou de ser libertado da prisão. Quando ele é libertado, o porteiro lhe diz para tomar cuidado, caso contrário ele voltará para a prisão, mas Franz diz que isso nunca mais irá acontecer.

Hanna Schygulla interpreta uma cantora e prostituta que namora Franz. Sua personagem remete claramente a Lola, personagem de Marlene Dietrich em 'O Anjo Azul' (1930), de Josef von Sternberg. 

É como se Franz estivesse dizendo que preferia morrer do que voltar a ser preso, como se estivesse antecipando a sua morte. Esse sentimento de fatalidade, de que não se pode lutar contra o destino, é um elemento muito presente nos filmes do Policial Noir. Não importa o que o personagem faça, o seu destino já está traçado, mesmo que lute contra isso. 

Ao ser libertado, e tudo indica que esta não era a primeira vez que isso acontecia com ele, Franz procura pelos antigos amigos, familiares (a mãe e o irmão, Marian) e também por sua namorada (Johanna). E as mulheres que se envolveram com ele no passado também voltam a demonstrar interesse. 

Assim, Franz retornará para aquele que é o seu habitat natural, o do mundo dos marginais, daqueles que vivem à margem da sociedade (cafetões, prostitutas, traficantes, pequenos bandidos, policiais...), enfim, o submundo, que foi o ambiente no qual Fassbinder também cresceu e no qual ele foi, digamos assim, educado. 

Porém, inicialmente Franz somente tem olhos para a sua antiga namorada, que é Johanna, que canta em um nightclub, e também trabalha como prostituta nas horas vagas, e a vemos em uma cena que é uma clara referência a Marlene Dietrich no clássico 'O Anjo Azul' (1930), de Josef von Sternberg. Inclusive vemos uma foto de Dietrich no camarim de Johanna. 

Johanna e Franz se reencontram no camarim dela... ao lado dela vemos a foto de Marlene Dietrich.

Assim, Fassbinder remete o seu filme ao cinema e à arte alemãs produzida no período da República de Weimar (1919-1933). Outro exemplo disso é que também temos uma cena na qual Franz escuta uma música de Karl Valentin, um brilhante e inovador artista (ator, comediante, dramaturgo) alemão que usava da sátira para criticar a sociedade deste período. 

Valentin foi autor de frases brilhantes e sarcásticas, como 'o ser humano é bom, as pessoas é que são ruins', 'antes, até o futuro era melhor', 'tudo já foi dito, mas não por todos' e 'toda coisa tem três lados - um positivo, um negativo e um estranho'. 

Johanna é a femme fatale do filme, com a qual Franz não consegue se reconectar sentimentalmente, acabando por abandonar a mesma e preferindo ficar com Margarethe. E a desprezada Johanna terminará sendo a responsável pelo final trágico que aguarda Franz e Gunther. 

Enquanto isso, o seu irmão, Marian, trabalha como pintor. Franz também reencontra a sua mãe, que é interpretada por Lilo Lempeit, a mãe de Fassbinder.

Aliás, isso deixa claro a presença de muitos elementos autobiográficos no filme (tal como ocorre com praticamente toda a obra de Fassbinder), pois Franz não tem pai (saiu de casa ou morreu) e, na vida real, Fassbinder e a sua mãe foram abandonados pelo pai biológico (Hellmuth Fassbinder) do futuro cineasta quando este contava com apenas 6 anos de idade.

Fassbinder e sua mãe ficaram vários anos se encontrando apenas uma vez por semana, nos domingos à tarde, pois ele saiu de casa por se desentender com o novo amante da mãe. Depois, quando este último faleceu, Fassbinder a convidou para trabalhar em seus filmes, seja como atriz, seja na área da produção. 

Johanna é pressionada e chantageada por um detetive da Polícia para que ajude a prender Franz e Gunther, mas ela resiste, pois é apaixonada pelo primeiro. 

Em 'Deuses da Peste', Franz também procura pelo seu velho amigo de atividades criminosas, que é Gunther (Gunther Kaufmann). Aliás, em uma cena é sugerida que existiu um relacionamento amoroso entre eles antes de Franz ser preso. 

Franz também irá rever outras mulheres, que até possuem um interesse romântico por ele, mas ele faz questão de se manter distante de todas, o que são os casos da linda atendente do café (loura e sem nome, interpretada pela bela Lilith Ungerer), de Madalena Fuller (Ingrid Caven, com quem Fassbinder chegou a se casar), de Margarethe (Margarethe von Trotta) e de Carla. 

Assim, com a exceção de Gunther, todos os relacionamentos de Franz com os demais personagens são marcados pela frieza e pelo distanciamento. A sua vida o fez assim. Ele também consegue estabelecer uma conexão emocional com o seu velho amigo Joe, um antigo parceiro de atividades criminosas, que agora se estabeleceu, formando família e desfrutando de um ótimo padrão de vida.

Logo, somente com os amigos masculinos e antigos parceiros de atividades criminosas é que Franz consegue se entender, se conectando emocional e sentimentalmente com eles, sugerindo-se a existência de antigas relações de caráter homossexual entre Franz, Gunther e Joe. Somente entre os três é que temos verdadeiras relações de proximidade e de cumplicidade no filme.  

Em 'Deuses da Peste' nós também temos a presença de vários elementos contrastantes, que são originários dos filmes do Expressionismo Alemão e dos filmes do Policial Noir, como os existentes entre o claro e o escuro (Luz e Trevas). Mas também temos a presença de outros contrastes, como nas cenas em que Franz, o protagonista, fica em silêncio quando ouve várias músicas.

Franz se afasta de Johanna e acaba se envolvendo com Margarethe (Margarethe von Trotta). 

E isso também ocorre quando o próprio Franz, quando sai da prisão, demonstra não saber exatamente o que deveria fazer de sua vida, como se estivesse em dúvida se deveria voltar a ser um criminoso, junto com o antigo parceiro e amante Gunther, ou se deveria tentar criar algum negócio legal, como o que foi proposto por Margarethe para ele e para o seu amigo. 

Os três chegam a conversar sobre a possibilidade de construir uma vida repleta de sol e sem chuva (outro contraste) em algum lugar da Grécia. Assim, neste momento, Fassbinder também sugere, claramente, a existência de um ménage à trois entre Franz, Gunther e Margarethe. 

Outra mulher da antiga vida de Franz é a jovem Carla que, por sua vez, usa de uma fachada de vendedora de revistas pornográficas, perambulando pelo submundo, mas a sua verdadeira atividade, mesmo, é negociar informações, vendendo as mesmas para todos que estiverem dispostos a pagar por elas. 

Desta maneira, se alguém queria saber aonde uma determinada pessoa se encontrava, a jovem Carla sabia, mas essa informação ela somente passava para outra pessoa se fosse devidamente remunerada por isso. Mas, para o Franz, de quem ela gostava, Carla fazia um sensível desconto. 

Esse grande número de pessoas com as quais Franz se envolveu, em seu passado no submundo de Munique, incluindo inúmeros homens e mulheres, deixa claro o caráter não muito intenso e também efêmero de todas estas relações, que se constroem e se desconstroem com muita facilidade e rapidez. 

O nome de Madalena é uma referência ao cineasta Samuel Fuller, enquanto que Margarethe é interpretada pela futura cineasta Margarethe von Trotta, que foi dirigir o seu primeiro filme em 1975 ('A Honra Perdida de Katharina Blum') junto com o seu então marido Volker Schlondorff, amigo de Fassbinder que é citado em 'Os Deuses da Peste'.

Essa foto imensa de Margarethe em seu quarto inspirou uma cena de 'A Honra Perdida de Katharina Blum', que foi dirigido por Scholondorff e pela própria Margarethe von Trotta. E a imagem de seu filme influenciou Kieslowski em 'A Fraternidade é Vermelha'. 

Os reencontros com Gunther e com Joe são, de fato, os únicos momentos que leva Franz a sorrir e a ficar muito contente. No caso dos outros reencontros (com a mãe, namorada, irmão, ex-amantes) todos eles foram marcados pela frieza e pelo distanciamento. Ele se mantém distante de todos, apesar das tentativas que todos eles fazem para tentar se reconectar emocional e sentimentalmente com Franz.

E no filme fica sugerido que essa recusa de Franz em se envolver profundamente com os outros se dá em função do fato de que ele foi preso devido ao envolvimento com Johanna que, no filme anterior, colaborou com a polícia para entregar Bruno à mesma, bem como pelo seu interesse por Gunther. 

Franz também procura por um outro amigo, chamado Joe, que agora já está bem estabelecido, pois se casou, é dono de uma bela Mercedes-Benz e sua esposa está esperando um filho. Assim, ele não demonstra interesse em retomar as atividades criminosas, embora continue sendo amigo de Franz e de Gunther. 

E pouco tempo depois que ele retornou, Franz encontrou o seu irmão morto, o que o levará a se tornar alguém ainda mais fechado e frio do que já era, levando a mergulhar em pensamentos. Sua hesitação em voltar de imediato para as atividades criminosas deixam claro que ele quer mudar de vida, mas a vida de antigamente, com todos os seus personagens (ex-amantes, criminosos, policiais, prostitutas...) o suga novamente na direção de sempre. 

Franz (Harry Baer) ouve música satírica de autoria de Karl Valentim, ator e comediante que fez muito sucesso na Alemanha durante a República de Weimar (1919-1933), enquanto reflete sobre qual o rumo que deve dar para a sua vida. 

Enquanto não entra em ação novamente, Franz perambula pelas casas dos velhos amigos e amigas, bem como pelos clubes noturnos e cassinos clandestinos de Munique junto com a sua amada, que é a bela Johanna, e com o seu irmão, Marian, que tem um relacionamento com a jovem Madalena (Ingrid Caven). 

Mas isso não irá durar muito tempo, pois Franz e Gunther fazem planos para um roubo a um supermercado, mas tais planos correm o sério risco de naufragar, pois a Polícia persegue e vigia a dupla, pois suspeita que eles estão planejando voltar a atuar de maneira criminosa. 

E um dos seus inspetores é pressionado a fazer uso de métodos mais duros e violentos com o objetivo de descobrir o que Franz e Gunther estão planejando e, para isso, o inspetor (interpretado por Jan George) irá chantagear Johanna, forçando-a a colaborar com a Polícia. 

Johanna sofre e chora intensamente, em uma cena emocionante, mas ela acaba cedendo. E o final trágico que ela tanto temia acabará acontecendo, o que a levará a chorar e sofrer ainda mais por Franz. 

Franz e Gunther: Eles eram amigos de longa data e Fassbinder sugere que havia um relacionamento mais íntimo entre os dois.

Conclusão!

O filme de Fassbinder trata de pessoas perdidas, vivendo à margem da sociedade, que estão envolvidas em atividades criminosas e que não conseguem se conectar sentimental e emocionalmente com mais ninguém por muito tempo. 

Assim, no filme nós temos relações fluídas e efêmeras, que duram pouco tempo e nas quais os participantes não se limitam a ser apenas um casal tipicamente pequeno-burguês, envolvendo várias outras pessoas. E em muitos destes casos tais relações envolvem a troca de sexo por dinheiro.  

Este foi o universo no qual Fassbinder cresceu, após o pai (Hellmuth Fassbinder) abandonar a ele e a sua mãe (Liselotte), em 1951, indo morar em Colônia. Depois disso, Fassbinder, com apenas 6 anos de idade, foi morar com a mãe em Munique, em uma zona de prostituição. 

E o fato da mãe, Liselotte, passar a viver com um homem com quem Fassbinder nunca se entendeu, acabou por fazer com que o mesmo ficasse o tempo inteiro nas ruas, principalmente nos cinemas, chegando a assistir até 4 filmes diariamente, principalmente as produções de Hollywood, da era Clássica, e convivesse intensamente com prostitutas, cafetões, pequenos bandidos, travestis, traficantes, policiais. 

E quando Fassbinder começou a filmar, foi este universo, no qual ele cresceu, que ele passou a mostrar nas telas de cinema.

Joe e Franz Walsch: Amigos há muito tempo, mas Joe não está mais envolvido com atividades criminosas. Joe e Gunther são os únicos com quem Franz se conecta emocionalmente. 

Logo, não é a toa que os seus personagens levam uma vida vazia e repleta de desilusão, pois as suas ambições estão inteiramente fora de seu alcance (viver de maneira livre e descompromissada na ensolarada Grécia...), e qualquer tentativa de fugir ao destino trágico que os aguarda está fadada ao fracasso, sofrendo perseguições policiais e agressões destes marginais. 

Pode-se concluir, também, que a trama do filme serve como uma espécie de defesa que Fassbinder faz das suas próprias ambições como cineasta (a Grécia ensolarada...), pois ele enfrentou grandes dificuldades, inicialmente, para conseguir convencer aos membros do 'Teatro em Ação' para que eles se empenhassem em realizar um trabalho melhor organizado e mais profissional, tal como foi confirmado por Marite Greiselis.

Robert Katz, em seu livro, diz o seguinte: 

"Rainer, de início, não foi aceito. Mas continuou aparecendo e tomando assento à mesa redonda do grupo, onde o trabalho era discutido, bebendo-se vinho barato. Ninguém a não ser Irm - que não tirava os olhos de cima dele - deu-lhe a menor atenção. Rainer não se deixou abater. Ele havia decidido que os outros eram personagens a procura de um autor".  

Obs2: Trecho retirado da página 49 do livro 'O Amor é Mais Frio do que a Morte', de Robert Katz.

Gunther, Franz e Margarethe formam um ménage à trois. Eles sonham em ter uma bela vida em uma Grécia ensolarada... 

Informações Adicionais!

Título: Gotter der Pest (Os Deuses da Peste);

Diretor: Rainer Werner Fassbinder;

Roteiro: R. W. Fassbinder; 

Ano de Produção: 1970;

País de Produção: Alemanha Ocidental; 

Duração: 88 minutos;

Gênero: Drama; Policial;

Fotografia: Dietrich Lohmann; 

Música: Peer Raben; 

Elenco: Harry Baer (Franz Walsch); Hanna Schygulla (Johanna Reiher); Margarethe von Trotta (Margarethe); Gunther Kaufmann (Gunther); Ingrid Caven (Madalena Fuller); Carla Egerer (Carla); Jan George (Inspetor da Polícia); Lilo Pempeit (Mãe de Franz); Marian Seidowski (Marian Walsch); Hannes Gromball (Gerente do Supermercado); Irm Hermann (Barwoman); Lilith Ungerer (Atendende do Café); Doris Mattes (Marie Luise); Micha Cochina (Joe).

Franz e Gunther vão ao supermercado, para promover um assalto, e no local eles encontram um velho amigo, gerente da loja, que seguiu uma vida normal, trabalhando dentro das regras sociais. 

Links:

Trailer do filme:

(26) Götter der Pest 1970 (Trailer) wWw.ClassiCMovieS.Ro - YouTube

Karl Valentin:

1882: Nasce o comediante bávaro Karl Valentin | Fatos que marcaram o dia | DW | 04.06.2011

Crítica | O Anjo Azul (1930) - Plano Crítico (planocritico.com)

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