"Terra em Transe" - Glauber critica as classes sociais e usa 'Teoria do Populismo' para explicar os motivos da vitória do Golpe de 64!
"Terra em Transe" - Glauber critica as classes sociais e usa 'Teoria do Populismo' para explicar os motivos da vitória do Golpe de 64! - Marcos Doniseti!
A Frente Ampla:
http://memorialdademocracia.com.br/card/jango-jk-e-lacerda-criam-frente-ampla
A história do 'Correio da Manhã':
http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/correio-da-manha-110-anos-depois/
O Jornal do Brasil e a Ditadura Militar:
http://observatoriodaimprensa.com.br/caderno-da-cidadania/_ed699_o_jornal_do_brasil_na_resistencia_a_ditadura/
Extrema-Direita iniciou onda de atentados terroristas para radicalizar a Ditadura Militar:
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-publica/2018/10/01/atentados-de-direita-paramilitar-impulsionaram-ai-5-documentos-ditadura.htm
Terra em Transe:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra68016/terra-em-transe
"Terra em Transe" (1967): Glauber Rocha faz uma análise crítica devastadora das classes sociais e da classe política brasileira do período 'Populista' e dos primeiros anos da Ditadura Militar e apontava um futuro pessimista para o Brasil. Ele não errou.
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Introdução!
Nesse texto irei procurar demonstrar que o cineasta Glauber Rocha usou, em ‘Terra em Transe’, da chamada ‘Teoria do Populismo’ para apresentar a sua visão sobre os acontecimentos que tivemos no Brasil na época do Golpe Civil-Militar de 64. Essa teoria criticava fortemente os líderes políticos chamados de ‘Populistas’ (Brizola, Arraes, Goulart) que procuravam estabelecer alianças com as forças políticas burguesas, enquanto tentavam tomar medidas que beneficiassem as camadas populares (operários, camponeses, estudantes), promovendo uma política de ‘Conciliação de Classes’, que entrou em colapso justamente neste período. Também procuro explicar porque, no meu entendimento, essas críticas de Glauber possuem vários e relevantes pontos fracos, mas sem deixar de relevar o fato de que os mesmos se devem à visão equivocada dos teóricos do Populismo sobre os acontecimentos do período.
O contexto histórico!
Nesse texto irei procurar demonstrar que o cineasta Glauber Rocha usou, em ‘Terra em Transe’, da chamada ‘Teoria do Populismo’ para apresentar a sua visão sobre os acontecimentos que tivemos no Brasil na época do Golpe Civil-Militar de 64. Essa teoria criticava fortemente os líderes políticos chamados de ‘Populistas’ (Brizola, Arraes, Goulart) que procuravam estabelecer alianças com as forças políticas burguesas, enquanto tentavam tomar medidas que beneficiassem as camadas populares (operários, camponeses, estudantes), promovendo uma política de ‘Conciliação de Classes’, que entrou em colapso justamente neste período. Também procuro explicar porque, no meu entendimento, essas críticas de Glauber possuem vários e relevantes pontos fracos, mas sem deixar de relevar o fato de que os mesmos se devem à visão equivocada dos teóricos do Populismo sobre os acontecimentos do período.
O contexto histórico!
Em 'Terra em Transe' o mais talentoso e genial cineasta brasileiro de todos os tempos (Glauber Rocha, é claro), faz uma reflexão profunda por meio da qual ele procura entender os motivos que levaram ao colapso do regime democrático brasileiro em 1964, com a derrubada do governo Jango, em função da vitória do Golpe de Estado e que resultou na implantação da Ditadura Militar.
No filme, Glauber critica o chamado 'Populismo' de caráter Nacionalista e Reformista, como era identificado, na época, o tipo de política que foi adotada no Brasil a partir dos governos de Getúlio Vargas (1930-1945; 1951-1954), que procurava conciliar os interesses de classe no país, a fim de manter um mínimo de estabilidade política e se promover uma política desenvolvimentista, que fortalecesse a soberania e tornasse mais justa a distribuição de renda.
Depois da morte de Vargas (em Agosto de 1954), que cometeu suicídio em função de um Golpe de Estado vitorioso que o derrubou do cargo de Presidente da República, essa política teve continuidade nos governos de JK (1956-1961) e, principalmente, no de Jango (1961-1964), que tentava aprovar, no Congresso Nacional, as chamadas 'Reformas de Base': agrária, urbana, tributária, eleitoral, educacional.
Estas reformas, que eram debatidas no Congresso Nacional, visavam fazer do Brasil um país mais rico, desenvolvido, combinando esse processo de desenvolvimento com a construção de uma sociedade soberana que fosse caracterizada pela justiça social e pelo respeito às liberdades democráticas.
Essas 'Reformas de Base' não rompiam com o Capitalismo, motivo pelo qual elas eram consideradas como sendo muito moderadas pelos setores mais radicais das Esquerdas brasileiras (Brizola, PCB, CGT, UNE, Ligas Camponesas), mas visavam dotar o Brasil de um modelo de Capitalismo modernizado e com elevado grau de intervenção estatal na economia, fortalecendo a independência do país e promovendo a justiça social.
Caso as 'Reformas de Base' tivessem sido adotadas e gerassem bons resultados, elas teriam feito do Brasil um país com características muito semelhantes aos países da Europa Ocidental que adotaram o Welfare State (Estado de Bem-Estar Social) no Pós-Guerra (França, Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental e países da Escandinávia, como a Suécia, Dinamarca e Finlândia).
Mas as 'Reformas de Base' foram violentamente sabotadas, primeiro pelas forças Conservadoras, que as consideravam muito radicais e diziam que elas eram sinônimo de 'Comunismo', e depois pelas Esquerdas Radicais, que diziam que elas eram muito moderadas e representavam uma tentativa de Jango de promover uma conciliação de classes.
Com isso, as 'Reformas de Base' acabaram naufragando e, junto com elas, o mesmo aconteceu com o próprio governo Jango, que ficou bastante enfraquecido pelo fracasso das mesmas, sendo que outro projeto importante do seu governo (o 'Plano Trienal', que foi elaborado por Celso Furtado) também foi inviabilizado por ter sido rejeitado no Congresso Nacional.
O 'Plano Trienal' também havia sido rejeitado pelo Congresso Nacional durante o ano de 1963, quando Jango recuperou (em Janeiro) os poderes presidenciais que haviam sido tolhidos em 1961, em função da adoção do Parlamentarismo, que foi um retumbante fracasso.
A implantação do Parlamento, em Setembro de 1961, foi fruto de uma tentativa de Golpe de Estado, levada adiante pelas forças Conservadoras, que tentaram impedir a posse de Jango na Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros.
No final de Agosto e início de Setembro de 1961 o país ficou próximo de uma guerra civil, pois as Forças Armadas estavam divididas entre alas favoráveis e contrárias à posse de Jango na Presidência. Esta guerra civil foi evitada por meio da adoção do Parlamentarismo, o que contou com a concordância de Janto, fato este que irritou profundamente Leonel Brizola e as Esquerdas Radicais.
Assim, o governo de Jango, embora desfrutasse de apoio popular significativo, não tinha mais apoio organizado na sociedade. Desta maneira, as Esquerdas Radicais controlavam os movimentos sociais (movimentos estudantil, sindical, camponês, intelectuais) promoveram uma oposição dura ao seu governo, abandonando o mesmo.
Jango também ficou sem apoio no Congresso Nacional e nas Forças Armadas, cuja oficialidade reagiu ao apoio que as Esquerdas Radicais davam às rebeliões de militares de baixa patente no Exército (sargentos) e na Marinha (marinheiros).
E a crescente crise econômica e social (aumento da inflação, do déficit público) reduziram fortemente o apoio que ele tinha, inicialmente, do setor empresarial e da classe média.
Assim, Jango ficou sem qualquer apoio político organizado e sem base institucional, pois o Congresso Nacional rejeitava todos os seus projetos.
Além disso, seu governo também perdeu apoio das Forças Armadas em função das rebeliões militares que ocorreram em Setembro de 1963 (Revolta dos Sargentos) e no final de Março de 1964 (Revolta dos Marinheiros). Tais revoltas levaram a oficialidade das Forças Armadas a apoiar de forma quase unânime ao Golpe de 64.
Desta maneira, Jango perdeu qualquer condição de se manter na Presidência, sendo facilmente derrubado pelo Golpe Civil-Militar de 1964 que foi organizado pelas forças conservadoras e que contou com uma decisiva participação do governo dos EUA no planejamento, organização e execução do Golpe.
O presidente dos EUA (Lyndon Johnson) chegou até a preparar uma operação ('Brother Sam') para intervir no Brasil caso estourasse uma guerra civil no país em função do Golpe contra Jango.
Glauber, 'Terra em Transe' e a 'Teoria do Populismo'!
Estas reformas, que eram debatidas no Congresso Nacional, visavam fazer do Brasil um país mais rico, desenvolvido, combinando esse processo de desenvolvimento com a construção de uma sociedade soberana que fosse caracterizada pela justiça social e pelo respeito às liberdades democráticas.
José Lewgoy interpreta Felipe Vieira, líder 'populista' que governa o estado de Alecrim. Sara, logo atrás, é sua assessora. |
Essas 'Reformas de Base' não rompiam com o Capitalismo, motivo pelo qual elas eram consideradas como sendo muito moderadas pelos setores mais radicais das Esquerdas brasileiras (Brizola, PCB, CGT, UNE, Ligas Camponesas), mas visavam dotar o Brasil de um modelo de Capitalismo modernizado e com elevado grau de intervenção estatal na economia, fortalecendo a independência do país e promovendo a justiça social.
Caso as 'Reformas de Base' tivessem sido adotadas e gerassem bons resultados, elas teriam feito do Brasil um país com características muito semelhantes aos países da Europa Ocidental que adotaram o Welfare State (Estado de Bem-Estar Social) no Pós-Guerra (França, Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental e países da Escandinávia, como a Suécia, Dinamarca e Finlândia).
Mas as 'Reformas de Base' foram violentamente sabotadas, primeiro pelas forças Conservadoras, que as consideravam muito radicais e diziam que elas eram sinônimo de 'Comunismo', e depois pelas Esquerdas Radicais, que diziam que elas eram muito moderadas e representavam uma tentativa de Jango de promover uma conciliação de classes.
Com isso, as 'Reformas de Base' acabaram naufragando e, junto com elas, o mesmo aconteceu com o próprio governo Jango, que ficou bastante enfraquecido pelo fracasso das mesmas, sendo que outro projeto importante do seu governo (o 'Plano Trienal', que foi elaborado por Celso Furtado) também foi inviabilizado por ter sido rejeitado no Congresso Nacional.
O 'Plano Trienal' também havia sido rejeitado pelo Congresso Nacional durante o ano de 1963, quando Jango recuperou (em Janeiro) os poderes presidenciais que haviam sido tolhidos em 1961, em função da adoção do Parlamentarismo, que foi um retumbante fracasso.
A implantação do Parlamento, em Setembro de 1961, foi fruto de uma tentativa de Golpe de Estado, levada adiante pelas forças Conservadoras, que tentaram impedir a posse de Jango na Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros.
No final de Agosto e início de Setembro de 1961 o país ficou próximo de uma guerra civil, pois as Forças Armadas estavam divididas entre alas favoráveis e contrárias à posse de Jango na Presidência. Esta guerra civil foi evitada por meio da adoção do Parlamentarismo, o que contou com a concordância de Janto, fato este que irritou profundamente Leonel Brizola e as Esquerdas Radicais.
Assim, o governo de Jango, embora desfrutasse de apoio popular significativo, não tinha mais apoio organizado na sociedade. Desta maneira, as Esquerdas Radicais controlavam os movimentos sociais (movimentos estudantil, sindical, camponês, intelectuais) promoveram uma oposição dura ao seu governo, abandonando o mesmo.
Jango também ficou sem apoio no Congresso Nacional e nas Forças Armadas, cuja oficialidade reagiu ao apoio que as Esquerdas Radicais davam às rebeliões de militares de baixa patente no Exército (sargentos) e na Marinha (marinheiros).
E a crescente crise econômica e social (aumento da inflação, do déficit público) reduziram fortemente o apoio que ele tinha, inicialmente, do setor empresarial e da classe média.
Assim, Jango ficou sem qualquer apoio político organizado e sem base institucional, pois o Congresso Nacional rejeitava todos os seus projetos.
Além disso, seu governo também perdeu apoio das Forças Armadas em função das rebeliões militares que ocorreram em Setembro de 1963 (Revolta dos Sargentos) e no final de Março de 1964 (Revolta dos Marinheiros). Tais revoltas levaram a oficialidade das Forças Armadas a apoiar de forma quase unânime ao Golpe de 64.
Desta maneira, Jango perdeu qualquer condição de se manter na Presidência, sendo facilmente derrubado pelo Golpe Civil-Militar de 1964 que foi organizado pelas forças conservadoras e que contou com uma decisiva participação do governo dos EUA no planejamento, organização e execução do Golpe.
O presidente dos EUA (Lyndon Johnson) chegou até a preparar uma operação ('Brother Sam') para intervir no Brasil caso estourasse uma guerra civil no país em função do Golpe contra Jango.
Glauber, 'Terra em Transe' e a 'Teoria do Populismo'!
No filme, Glauber vai elaborar uma análise, procurando refletir sobre quais foram os motivos que levaram ao 'Colapso do Populismo no Brasil' em 1964. Aliás, este é o título de um famoso livro de Octávio Ianni, que foi um dos principais criadores e defensores da 'Teoria do Populismo'.
No filme de Glauber, o personagem que representa esse 'Populismo Nacionalista' no filme é interpretado pelo José Lewgoy e se chama Felipe Vieira, governador do estado de Alecrim. Vieira possui característica paternalista e caricata e é mostrado como sendo um político fraco, sem coragem de enfrentar os setores mais poderosos das elites dominantes do país.
Somente pela maneira como caracteriza o personagem já fica claro que Glauber não apreciava a política 'Populista' e reformista da época, cujo principal representante era João Goulart, que era o principal herdeiro do Trabalhismo Getulista.
Vieira é representando como um político que tenta conciliar interesses de classes diferentes e conflitantes (Burguesia X Trabalhadores rurais e urbanos) e que quando é colocado em uma situação de conflito mais aguda o mesmo tem que escolher um lado e ele acaba optando pelos interesses das classes dominantes e não das classes trabalhadoras.
É o que acontece quando um grupo de camponeses protesta pelo assassinato de seu líder e o governador manda a Polícia reprimir a manifestação, o que leva o intelectual Paulo Martins a romper politicamente com Vieira.
Assim, para Glauber, embora os líderes 'Populistas' até pudessem estar bem intencionados em melhorar as condições de vida da população (investindo em saúde e educação, por exemplo) eles continuavam membros das classes dominantes e, logo, quando as lutas de classes se intensificam (tal como aconteceu no Brasil durante o governo Jango) eles acabam escolhendo o lado da classe a que pertencem, que é a Burguesia.
O problema dessa visão, que é encampada pelo Glauber em ''Terra em Transe", é que ela acaba sendo muito simplista, pois em determinados momentos históricos os líderes 'Populistas' optavam por beneficiar, sim, aos trabalhadores em prejuízo dos Grandes Capitalistas.
Em 1954, por exemplo, Vargas aumentou o Salário Mínimo em 100%, o que era uma proposta defendida pelo seu Ministro do Trabalho, que era João Goulart, além de ter criado o monopólio estatal do Petróleo e a Petrobras, o que deixou irados os capitalistas brasileiros e o governo dos EUA.
Aliás, o período 1951-1964 (governos 'Populistas' de Vargas, JK e Jango) foi a época em que o Salário Mínimo teve o maior poder de compra de toda a sua história.
Jango, por sua vez, quando foi Presidente (1961-1964), sancionou a criação do 13o. Salário, criou o Estatuto do Trabalhador Rural e estimulou a criação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (foram criados cerca de 1500 em seu governo), além de ter criado a primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) da história do Brasil.
Além disso, inúmeros líderes sindicais, estudantis e de movimentos sociais organizados faziam parte do seu governo, ocupando inúmeros cargos importantes no mesmo.
Jango também se recusou a apoiar a política agressiva do governo de John Kennedy contra a Revolução Cubana, mesmo tendo recebido fortes pressões do governo dos EUA e até mesmo recebendo a promessa de que todos os problemas financeiros do Brasil, que tinha imensas dificuldades para conseguir pagar a sua dívida externa em dia (problema que antecede ao governo Jango), o presidente João Goulart recusou-se a mudar a sua política em relação à Revolução Cubana.
Portanto, dizer que Jango era um Presidente fraco não corresponde aos fatos, mas essa era a visão dominante da intelectualidade de Esquerda na época em que o filme foi realizado.
Os equívocos da 'Teoria do Populismo': Narodniks e Populistas - Nada a Ver!
Além disso, eu não gosto do uso da expressão 'Populismo' (ou 'Populista'), que há muito tempo perdeu completamente o seu significado original e, no Brasil, foi usada para designar líderes políticos que seriam enganadores e manipuladores, tornando-se sinônimo de demagogia.
Afinal, Populismo é o nome que se deu a um movimento político (Narodnik) que existiu na Rússia nas últimas décadas do século XIX, a partir de 1870, em especial.
Os 'Narodniks' eram integrantes da classe média-alta russa e eram muito influenciados pelas ideias do Iluminismo. Eles foram para a área rural do país a fim de tentar mobilizar os camponeses (que eram a imensa maioria da população) com o objetivo de promover uma Revolução Socialista no país, mas acabaram fracassando.
Em função deste fracasso, os 'Narodniks' mudaram de estratégia e passaram a usar do Terrorismo para atingir os seus objetivos. Eles chegaram a assassinar o Czar Alexander II em 1881.
Alexander Ulyanov, que era o irmão mais velho de Lênin, foi muito influenciado por tais ideias e morreu executado pelo regime Czarista depois que foi preso por se envolver em um plano dos 'Narodniks' para assassinar o Czar Alexander III, em 1887.
Porém, essa tentativa fracassou e daí o regime Czarista promoveu uma feroz repressão que resultou na virtual aniquilação do movimento Narodnik.
Assim, usar da expressão 'Populismo' para designar uma forma de relacionamento político entre certos líderes nacionalistas e reformistas da América Latina (Vargas, Cárdenas, Perón, Gaitán) e as camadas populares é um completo absurdo, pois estes líderes representaram fenômenos políticos radicalmente diferentes do 'Populismo' russo, que era um movimento de intelectuais revolucionários de classe média e que, depois, descambou para o Terrorismo.
Além de atacar os líderes 'Populistas', no filme as classes trabalhadoras também são ridicularizadas por Glauber, sendo chamadas de 'massas', (que era a expressão usadas pelas Esquerdas da época), pois estas não teriam Consciência de Classe e seriam facilmente enganadas e manipuladas por políticos demagogos e, logo, não teriam consciência alguma de quais seriam os seus verdadeiros interesses.
Assim, em uma das cenas temos um personagem de origem popular (Jerônimo) é chamado para falar, como se fosse a representação do povo, fica em silêncio por um momento e quando fala acaba fazendo afirmações sem nexo e incoerentes, o que leva o intelectual Paulo Martins a dizer que o povo é analfabeto e imbecil.
É bom ressaltar que, atualmente, essa 'Teoria do Populismo' demagógico e manipulador está sendo severamente criticada por estudiosos que mergulharam no estudo daquele período da história brasileira (1930-1964) e muitos dos seus principais aspectos não são mais levados a sério por historiadores importantes, tais como Daniel Aarão Reis Filho, Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.
Logo, usar o conceito de 'Populismo' para explicar os acontecimentos brasileiros do período 1930-1964 já foi dominante entre os estudiosos, tal como acontecia nas décadas de 1960, 1970 e 1980, mas hoje isso não acontece mais.
Mas naquela época essa era a interpretação dominante entre a intelectualidade de Esquerda do país e Glauber, que era um dos principais intelectuais brasileiros do período, compartilhava dessa visão.
Portanto, devemos evitar fazer qualquer tipo de julgamento ou condenação pelo fato de Glauber encampar essa visão, pois essa era a maneira pela qual a intelectualidade brasileira de Esquerda interpretava os acontecimentos brasileiros naquele momento.
No filme de Glauber, o personagem que representa esse 'Populismo Nacionalista' no filme é interpretado pelo José Lewgoy e se chama Felipe Vieira, governador do estado de Alecrim. Vieira possui característica paternalista e caricata e é mostrado como sendo um político fraco, sem coragem de enfrentar os setores mais poderosos das elites dominantes do país.
Somente pela maneira como caracteriza o personagem já fica claro que Glauber não apreciava a política 'Populista' e reformista da época, cujo principal representante era João Goulart, que era o principal herdeiro do Trabalhismo Getulista.
Vieira é representando como um político que tenta conciliar interesses de classes diferentes e conflitantes (Burguesia X Trabalhadores rurais e urbanos) e que quando é colocado em uma situação de conflito mais aguda o mesmo tem que escolher um lado e ele acaba optando pelos interesses das classes dominantes e não das classes trabalhadoras.
É o que acontece quando um grupo de camponeses protesta pelo assassinato de seu líder e o governador manda a Polícia reprimir a manifestação, o que leva o intelectual Paulo Martins a romper politicamente com Vieira.
Paulo foge, com Sara, depois que o Golpe de Estado triunfou. Ele queria que Vieira liderasse uma resistência ao Golpe, mas o mesmo recusou, para não derramar o sangue de inocentes. |
Assim, para Glauber, embora os líderes 'Populistas' até pudessem estar bem intencionados em melhorar as condições de vida da população (investindo em saúde e educação, por exemplo) eles continuavam membros das classes dominantes e, logo, quando as lutas de classes se intensificam (tal como aconteceu no Brasil durante o governo Jango) eles acabam escolhendo o lado da classe a que pertencem, que é a Burguesia.
O problema dessa visão, que é encampada pelo Glauber em ''Terra em Transe", é que ela acaba sendo muito simplista, pois em determinados momentos históricos os líderes 'Populistas' optavam por beneficiar, sim, aos trabalhadores em prejuízo dos Grandes Capitalistas.
Em 1954, por exemplo, Vargas aumentou o Salário Mínimo em 100%, o que era uma proposta defendida pelo seu Ministro do Trabalho, que era João Goulart, além de ter criado o monopólio estatal do Petróleo e a Petrobras, o que deixou irados os capitalistas brasileiros e o governo dos EUA.
Aliás, o período 1951-1964 (governos 'Populistas' de Vargas, JK e Jango) foi a época em que o Salário Mínimo teve o maior poder de compra de toda a sua história.
Jango, por sua vez, quando foi Presidente (1961-1964), sancionou a criação do 13o. Salário, criou o Estatuto do Trabalhador Rural e estimulou a criação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (foram criados cerca de 1500 em seu governo), além de ter criado a primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) da história do Brasil.
Além disso, inúmeros líderes sindicais, estudantis e de movimentos sociais organizados faziam parte do seu governo, ocupando inúmeros cargos importantes no mesmo.
Jango também se recusou a apoiar a política agressiva do governo de John Kennedy contra a Revolução Cubana, mesmo tendo recebido fortes pressões do governo dos EUA e até mesmo recebendo a promessa de que todos os problemas financeiros do Brasil, que tinha imensas dificuldades para conseguir pagar a sua dívida externa em dia (problema que antecede ao governo Jango), o presidente João Goulart recusou-se a mudar a sua política em relação à Revolução Cubana.
Portanto, dizer que Jango era um Presidente fraco não corresponde aos fatos, mas essa era a visão dominante da intelectualidade de Esquerda na época em que o filme foi realizado.
Os equívocos da 'Teoria do Populismo': Narodniks e Populistas - Nada a Ver!
Além disso, eu não gosto do uso da expressão 'Populismo' (ou 'Populista'), que há muito tempo perdeu completamente o seu significado original e, no Brasil, foi usada para designar líderes políticos que seriam enganadores e manipuladores, tornando-se sinônimo de demagogia.
Afinal, Populismo é o nome que se deu a um movimento político (Narodnik) que existiu na Rússia nas últimas décadas do século XIX, a partir de 1870, em especial.
Os 'Narodniks' eram integrantes da classe média-alta russa e eram muito influenciados pelas ideias do Iluminismo. Eles foram para a área rural do país a fim de tentar mobilizar os camponeses (que eram a imensa maioria da população) com o objetivo de promover uma Revolução Socialista no país, mas acabaram fracassando.
Paulo Autran interpreta Porfirio Diaz, um político conservador, que é ligado aos interesses do capital estrangeiro e que repudia totalmente a participação dos trabalhadores na vida política do país. |
Em função deste fracasso, os 'Narodniks' mudaram de estratégia e passaram a usar do Terrorismo para atingir os seus objetivos. Eles chegaram a assassinar o Czar Alexander II em 1881.
Alexander Ulyanov, que era o irmão mais velho de Lênin, foi muito influenciado por tais ideias e morreu executado pelo regime Czarista depois que foi preso por se envolver em um plano dos 'Narodniks' para assassinar o Czar Alexander III, em 1887.
Porém, essa tentativa fracassou e daí o regime Czarista promoveu uma feroz repressão que resultou na virtual aniquilação do movimento Narodnik.
Assim, usar da expressão 'Populismo' para designar uma forma de relacionamento político entre certos líderes nacionalistas e reformistas da América Latina (Vargas, Cárdenas, Perón, Gaitán) e as camadas populares é um completo absurdo, pois estes líderes representaram fenômenos políticos radicalmente diferentes do 'Populismo' russo, que era um movimento de intelectuais revolucionários de classe média e que, depois, descambou para o Terrorismo.
Além de atacar os líderes 'Populistas', no filme as classes trabalhadoras também são ridicularizadas por Glauber, sendo chamadas de 'massas', (que era a expressão usadas pelas Esquerdas da época), pois estas não teriam Consciência de Classe e seriam facilmente enganadas e manipuladas por políticos demagogos e, logo, não teriam consciência alguma de quais seriam os seus verdadeiros interesses.
Assim, em uma das cenas temos um personagem de origem popular (Jerônimo) é chamado para falar, como se fosse a representação do povo, fica em silêncio por um momento e quando fala acaba fazendo afirmações sem nexo e incoerentes, o que leva o intelectual Paulo Martins a dizer que o povo é analfabeto e imbecil.
É bom ressaltar que, atualmente, essa 'Teoria do Populismo' demagógico e manipulador está sendo severamente criticada por estudiosos que mergulharam no estudo daquele período da história brasileira (1930-1964) e muitos dos seus principais aspectos não são mais levados a sério por historiadores importantes, tais como Daniel Aarão Reis Filho, Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.
Logo, usar o conceito de 'Populismo' para explicar os acontecimentos brasileiros do período 1930-1964 já foi dominante entre os estudiosos, tal como acontecia nas décadas de 1960, 1970 e 1980, mas hoje isso não acontece mais.
Mas naquela época essa era a interpretação dominante entre a intelectualidade de Esquerda do país e Glauber, que era um dos principais intelectuais brasileiros do período, compartilhava dessa visão.
Portanto, devemos evitar fazer qualquer tipo de julgamento ou condenação pelo fato de Glauber encampar essa visão, pois essa era a maneira pela qual a intelectualidade brasileira de Esquerda interpretava os acontecimentos brasileiros naquele momento.
Sara, Felipe Vieira e Paulo Martins no início da aliança política que os uniu sorriam muito. Depois, os conflitos fez o clima ficar mais 'azedo'. |
Os equívocos da 'Teoria do Populismo'
Segundo a 'Teoria do Populismo', a Burguesia brasileira possuía setores importantes que se beneficiavam com as políticas nacionalistas e trabalhistas, mas que acabaram rompendo com a Democracia Liberal e com estes segmentos políticos, apoiando o Golpe de 64, pois os seus objetivos (que eram explorar ainda mais a força de trabalho e intensificar as conexões da economia brasileira com a economia capitalista global) somente poderiam ser atingidos se o regime político Liberal que existia no país fosse destruído e os políticos 'Populistas' fossem afastados da vida pública.
O grande problema dessa 'Teoria do Populismo' é que os autores que a defendem analisam os acontecimentos da época como se eles fossem inevitáveis, o que não é verdade.
O Golpe de 64 não era algo predeterminado, como um fato que estaria escrito nas leis da história, mas foi resultado de circunstâncias específicas, daquele momento histórico, no qual o Brasil vivenciou uma fase de radicalização política e ideológica e que foi promovida tantos pelas forças radicais de Esquerda, como de Direita.
Assim, ao mesmo tempo em que grupos direitistas tentavam levar adiante um Golpe de Estado contra Jango desde que este havia se tornado Presidente da República, em 07/09/1961, após a crise gerada pela renúncia de Jânio Quadros, o que foi o caso dos grupos militares e empresariais que atuavam no IPES/IBAD, uma parte significativa das Esquerdas também defendia um Golpe de Estado.
Este era o caso de Brizola e de vastos setores esquerdistas radicais da época, que diziam que Jango deveria dar um Golpe, promovendo o fechamento do Congresso Nacional e a sua substituição por uma Assembleia Constituinte formada apenas por membros das próprias Esquerdas.
No entanto, Jango sempre se recusou a adotar tais medidas e a imensa maioria da população, que apoiava as 'Reformas de Base' que o seu governo tentava adotar, também era contra as mesmas.
Mas a defesa dessas medidas radicais e uma série de ações equivocadas por parte das Esquerdas, principalmente o apoio das mesmas para as revoltas dos Sargentos (em Setembro de 1963) e dos Marinheiros (no final de Março de 1964), jogaram a oficialidade das Forças Armadas e grande parte da Burguesia e das Classes Médias para o lado dos golpistas que, desde 1961, tentavam derrubar Jango da Presidência.
Portanto, atitudes políticas equivocadas, por parte das Esquerdas, deram uma grande contribuição para que o Golpe de 64 fosse vitorioso. Portanto, é um grave equívoco considerar que a vitória do movimento golpista era inevitável. Não era. Afirmar a inevitabilidade de certos acontecimentos e ignorar as especificidades daquele período é o grande erro cometido pelos defensores da 'Teoria do 'Populismo'.
Obs1: Isso explica porque as primeiras vítimas da Ditadura Militar foram os líderes considerados 'Populistas' e Nacionalistas, o que levou à cassação dos direitos políticos de João Goulart, Brizola e JK. Os três acabaram se exilando. Jango morreu no exílio, no Uruguai, em Dezembro de 1976, e JK voltou ao Brasil e morreu num 'acidente' automobilístico que, hoje, sabe-se que foi provocado, em Agosto de 1976. E no fim da contas até mesmo líderes políticos conservadores, de Direita, que apoiaram o Golpe de 64, mas que desejavam manter pelo menos as aparências de um sistema político mais liberal e sonhavam em se eleger Presidente da República, acabaram com os seus direitos políticos cassados, o que foram os casos de Carlos Lacerda (também morreu em circunstâncias misteriosas em Maio de 1977) e Adhemar de Barros. E o curioso é que os três líderes (JK, Jango e Lacerda) que morreram, entre Agosto de 1976 e Maio de 1977, foram os mesmos que, em Outubro de 1966, criaram a 'Frente Ampla', movimento que pretendia lutar para derrubar a Ditadura Militar de forma pacífica, mas ela acabou sendo extinta em Abril de 1968 por decreto dos militares que, em 13/12/1968, impuseram o AI-5 e fecharam, por muitos anos, as portas para qualquer possibilidade da volta do Brasil à Democracia.
A trama do filme!
O filme de Glauber começa pelo fim. Isso mesmo.
Diaz começou a sua vida política como líder estudantil de perfil 'extremista' mas, posteriormente, passou a defender os interesses dos setores mais conservadores das classes dominantes do país, sendo que sua atuação política está intimamente ligada a uma empresa de capital estrangeiro (a Explint) que financiou toda a sua carreira política.
Logo, o personagem Porfirio Diaz é personificação de um poderoso segmento, bem mais conservador, da Burguesia brasileira, que rejeitava qualquer mudança estrutural na sociedade brasileira. Como diz o poeta esquerdista Paulo Martins, Diaz quer mumificar a sociedade, defendendo que se conserve tudo como está.
E como Diaz é intimamente ligado ao capital estrangeiro ele ataca as políticas nacionalistas e trabalhistas dos governos 'Populistas', pois essa fração poderosa da classe dominante deseja intensificar o processo de exploração da força de trabalho e aumentar o grau de abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro, ao qual é intimamente associada.
No filme de Glauber o político que representa a Burguesia Nacional e que apoia as políticas dos líderes 'Populistas' é Julio Fuentes (interpretado por Paulo Gracindo), dono de um jornal e de um canal de TV que se diz um Liberal. Porém, quando os conflitos políticos e sociais se intensificaram ele acabou sendo convencido pelo reacionário Porfírio Diaz a apoiar a ruptura democrática e promover um Golpe que implantasse um regime ditatorial que destruiria toda e qualquer oposição.
Segundo a 'Teoria do Populismo', a Burguesia brasileira possuía setores importantes que se beneficiavam com as políticas nacionalistas e trabalhistas, mas que acabaram rompendo com a Democracia Liberal e com estes segmentos políticos, apoiando o Golpe de 64, pois os seus objetivos (que eram explorar ainda mais a força de trabalho e intensificar as conexões da economia brasileira com a economia capitalista global) somente poderiam ser atingidos se o regime político Liberal que existia no país fosse destruído e os políticos 'Populistas' fossem afastados da vida pública.
O grande problema dessa 'Teoria do Populismo' é que os autores que a defendem analisam os acontecimentos da época como se eles fossem inevitáveis, o que não é verdade.
O Golpe de 64 não era algo predeterminado, como um fato que estaria escrito nas leis da história, mas foi resultado de circunstâncias específicas, daquele momento histórico, no qual o Brasil vivenciou uma fase de radicalização política e ideológica e que foi promovida tantos pelas forças radicais de Esquerda, como de Direita.
Assim, ao mesmo tempo em que grupos direitistas tentavam levar adiante um Golpe de Estado contra Jango desde que este havia se tornado Presidente da República, em 07/09/1961, após a crise gerada pela renúncia de Jânio Quadros, o que foi o caso dos grupos militares e empresariais que atuavam no IPES/IBAD, uma parte significativa das Esquerdas também defendia um Golpe de Estado.
Este era o caso de Brizola e de vastos setores esquerdistas radicais da época, que diziam que Jango deveria dar um Golpe, promovendo o fechamento do Congresso Nacional e a sua substituição por uma Assembleia Constituinte formada apenas por membros das próprias Esquerdas.
No entanto, Jango sempre se recusou a adotar tais medidas e a imensa maioria da população, que apoiava as 'Reformas de Base' que o seu governo tentava adotar, também era contra as mesmas.
Mas a defesa dessas medidas radicais e uma série de ações equivocadas por parte das Esquerdas, principalmente o apoio das mesmas para as revoltas dos Sargentos (em Setembro de 1963) e dos Marinheiros (no final de Março de 1964), jogaram a oficialidade das Forças Armadas e grande parte da Burguesia e das Classes Médias para o lado dos golpistas que, desde 1961, tentavam derrubar Jango da Presidência.
Portanto, atitudes políticas equivocadas, por parte das Esquerdas, deram uma grande contribuição para que o Golpe de 64 fosse vitorioso. Portanto, é um grave equívoco considerar que a vitória do movimento golpista era inevitável. Não era. Afirmar a inevitabilidade de certos acontecimentos e ignorar as especificidades daquele período é o grande erro cometido pelos defensores da 'Teoria do 'Populismo'.
Obs1: Isso explica porque as primeiras vítimas da Ditadura Militar foram os líderes considerados 'Populistas' e Nacionalistas, o que levou à cassação dos direitos políticos de João Goulart, Brizola e JK. Os três acabaram se exilando. Jango morreu no exílio, no Uruguai, em Dezembro de 1976, e JK voltou ao Brasil e morreu num 'acidente' automobilístico que, hoje, sabe-se que foi provocado, em Agosto de 1976. E no fim da contas até mesmo líderes políticos conservadores, de Direita, que apoiaram o Golpe de 64, mas que desejavam manter pelo menos as aparências de um sistema político mais liberal e sonhavam em se eleger Presidente da República, acabaram com os seus direitos políticos cassados, o que foram os casos de Carlos Lacerda (também morreu em circunstâncias misteriosas em Maio de 1977) e Adhemar de Barros. E o curioso é que os três líderes (JK, Jango e Lacerda) que morreram, entre Agosto de 1976 e Maio de 1977, foram os mesmos que, em Outubro de 1966, criaram a 'Frente Ampla', movimento que pretendia lutar para derrubar a Ditadura Militar de forma pacífica, mas ela acabou sendo extinta em Abril de 1968 por decreto dos militares que, em 13/12/1968, impuseram o AI-5 e fecharam, por muitos anos, as portas para qualquer possibilidade da volta do Brasil à Democracia.
A trama do filme!
O filme de Glauber começa pelo fim. Isso mesmo.
'Terra em Transe' se inicia com um relato feito por um poeta e intelectual de Esquerda (Paulo Martins, interpretado brilhantemente por Jardel Filho) a respeito do contexto político da época, no qual um Golpe de Estado implanta uma Ditadura em um país fictício chamado 'Eldorado'. Paulo insiste em continuar resistindo ao Golpe, mas faz isso de forma solitária e, logo, tal resistência revela-se inteiramente inútil.
No começo do filme nós vemos o governador do estado de Alecrim (Felipe Vieira) sendo comunicado que será preso por determinação do novo Presidente da República, que subiu ao poder por meio de um Golpe de Estado e que está determinado a destruir os seus adversários políticos. O estado de Alecrim faz parte de um país 'fictício' chamado Eldorado.
Com isso, temos uma forte discussão entre Vieira e os seus assessores, que lhes dão várias sugestões contraditórias a respeito de como deveria reagir ao Golpe e à ordem para a sua prisão. Alguns, como é o caso de Paulo Martins, querem que ele resista à ordem de prisão, outros dizem que isso não deve acontecer, pois irá implicar em uma guerra civil que irá gerar muitas mortes de pessoas inocentes.
Desta maneira, o governador Vieira adota essa última posição e manda que seus subordinados e as tropas que lhes são fiéis não resistam ao Golpe de Estado.
Paulo Martins, no entanto, decide resistir militarmente, mas faz isso de forma solitária, sem ter qualquer apoio popular organizado para lhe dar sustentação, o que lhe será fatal, o que ficará claro em uma sequência que será mostrada no final do filme.
Enquanto José Lewgoy interpreta o vacilante, paternalista, caricato e fraco líder 'Populista' do filme (o governador de Alecrim, Felipe Vieira), o brilhante Paulo Autran interpreta o líder político conservador e reacionário (Porfirio Diaz), que é contra essa política do 'Populismo' e ataca as chamadas 'Reformas de Base' e o Nacionalismo que o PTB e as Esquerdas Nacionalistas (chamadas de 'Populistas') tentavam levar adiante.
Diaz começou a sua vida política como líder estudantil de perfil 'extremista' mas, posteriormente, passou a defender os interesses dos setores mais conservadores das classes dominantes do país, sendo que sua atuação política está intimamente ligada a uma empresa de capital estrangeiro (a Explint) que financiou toda a sua carreira política.
Paulo e Sara se envolvem romanticamente. Ela diz, para Paulo, que a política e a poesia são muita coisa para apenas um homem. |
Obs2: Embora o Glauber tenha modificado o nome do personagem, Diaz é uma representação, principalmente, da figura de Carlos Lacerda, o principal líder da UDN (partido conservador que existiu entre 1945-1965). Lacerda chegou a ser um líder estudantil esquerdista e foi do PCB em sua juventude. Mas, depois, ele adotou uma postura política radicalmente oposta, passando a defender o Liberalismo econômico e os interesses do Capital estrangeiro. Assim, Lacerda apoiou Luiz Carlos Prestes e depois rompeu com ele. Depois ele apoiou Jânio Quadros, em 1960/1961, e rompeu com ele também. Lacerda também vivia instigando os militares a promover Golpes de Estado, agindo desta maneira contra Vargas, JK e Jango. Finalmente, ele apoiou o Golpe de 64 e a instalação da Ditadura Militar e também acabou rompendo com a mesma, pois desejava ser Presidente da República, mas os militares não permitiram, levando-o a romper com a Ditadura também. Lacerda morreu em Maio de 1977, em circunstâncias misteriosas e com poucos meses de diferença para as mortes de Jango (Dezembro de 1976) e de JK (Agosto de 1976).
Logo, o personagem Porfirio Diaz é personificação de um poderoso segmento, bem mais conservador, da Burguesia brasileira, que rejeitava qualquer mudança estrutural na sociedade brasileira. Como diz o poeta esquerdista Paulo Martins, Diaz quer mumificar a sociedade, defendendo que se conserve tudo como está.
E como Diaz é intimamente ligado ao capital estrangeiro ele ataca as políticas nacionalistas e trabalhistas dos governos 'Populistas', pois essa fração poderosa da classe dominante deseja intensificar o processo de exploração da força de trabalho e aumentar o grau de abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro, ao qual é intimamente associada.
Alvaro, Julio Fuentes e Paulo. Eles formaram, de forma temporária, uma aliança para apoiar o governador Vieira e lutar contra os planos golpistas de Porfirio Diaz. |
Mas os líderes e governantes que adotavam as políticas denominadas de 'Populistas' não permitiam que isso acontecesse, pois, segundo a visão da 'Teoria do Populismo', para que tais líderes vencessem as eleições eles precisavam atender a, pelo menos, uma parte das reivindicações das camadas populares (melhores salários, moradias, acesso à saúde e educação, direitos trabalhistas, previdência social).
Obs3: Esclarecendo: Porfírio Diaz foi um ditador que governou o México entre 1884 e 1911. Durante o seu governo ele promoveu uma política que dotou o país de estabilidade política, mas à custa de muita repressão e violência, e tratou de também modernizar a economia mexicana, integrando a mesma na economia capitalista mundial e promovendo reformas internas que beneficiaram apenas aos Grandes Capitalistas (nacionais e estrangeiros). Logo, ele levou adiante um processo de 'Modernização Autoritária', um tipo de política que foi muito usada na América Latina, e que tem continuidade até os dias atuais. Assim, as condições de vida dos trabalhadores, principalmente dos camponeses, que eram a maioria da população mexicana, eram terríveis e isso desembocou na Revolução Mexicana (1910-1917), que foi a primeira grande Revolução social do mundo no século XX.
No filme de Glauber o político que representa a Burguesia Nacional e que apoia as políticas dos líderes 'Populistas' é Julio Fuentes (interpretado por Paulo Gracindo), dono de um jornal e de um canal de TV que se diz um Liberal. Porém, quando os conflitos políticos e sociais se intensificaram ele acabou sendo convencido pelo reacionário Porfírio Diaz a apoiar a ruptura democrática e promover um Golpe que implantasse um regime ditatorial que destruiria toda e qualquer oposição.
O governador Vieira passa a mobilizar a população para se fortalecer politicamente. Jango fez isso a partir do comício da Central do Brasil, no dia 13 de Março de 1964. |
Na visão que Glauber mostra no filme foram os conflitos entre esses dois segmentos políticos (Populistas Nacionalistas X Burguesia Conservadora ligada ao capital estrangeiro) que, ao se radicalizarem, durante o governo Jango (1961-1964), acabaram levando ao Golpe de 64 e à Ditadura Militar de 21 anos (1964-1985).
Obs4: Após o Golpe de 64 tivemos uma ala (minoritária) da oposição que escolheu o caminho da Luta Armada para tentar derrubar a Ditadura Militar, que havia fechado todos os espaços de atuação pública, pacífica e democrática no país, principalmente após o AI-5, que fechou o Congresso Nacional e proibiu qualquer manifestação ou greve no país. Até mesmo líderes da ARENA, partido que dava sustentação à Ditadura Militar, chegaram a ser cassados neste período de vigência do AI-5. A chamada 'Linha Dura' assumiu o comando do governo e implantou um Estado Policial e Ditatorial que prendeu ilegalmente, torturou e assassinou milhares de pessoas (indígenas, trabalhadores rurais, operários, estudantes, intelectuais, cidadãos comuns).
Já em 1967, ano em que Glauber realizou 'Terra em Transe', essa progressiva radicalização por parte da Ditadura Militar já estava bem evidente e foi nesse ano que os grupos da Extrema-Direita começaram a promover atentados terroristas a fim de desestabilizar o país e usar isso como pretexto para fechar totalmente o sistema político do país. Documentos que foram divulgados em 2018 comprovaram tal fato.
Já em 1967, ano em que Glauber realizou 'Terra em Transe', essa progressiva radicalização por parte da Ditadura Militar já estava bem evidente e foi nesse ano que os grupos da Extrema-Direita começaram a promover atentados terroristas a fim de desestabilizar o país e usar isso como pretexto para fechar totalmente o sistema político do país. Documentos que foram divulgados em 2018 comprovaram tal fato.
No filme o personagem Paulo Martins (interpretado brilhantemente por Jardel Filho) é um intelectual (poeta e jornalista) quem representa a opção (desesperada) pela luta armada.
Inicialmente, Paulo era ligado a Porfírio Diaz, o político reacionário, mas acabou rompendo com o mesmo. Depois, ele se ligou politicamente ao líder 'populista' Felipe Vieira, apoiando o mesmo, mas acabou se afastando pois entendia que ele não tinha coragem para enfrentar os interesses das classes dominantes e conservadoras do país, com os quais tinha compromissos que não poderia romper.
Paulo diz que tem compromissos apenas com ele mesmo e fala, para Vieira, que não tem obrigação de resolver os conflitos sociais e políticos que este deveria enfrentar e solucionar.
Assim, Paulo Martins acaba se afastando de Vieira e se ligando a um burguês rico, Julio Fuentes, dono de um jornal que defendia a democracia liberal e que era um capitalista nacionalista que dava apoio às políticas reformistas dos líderes 'Populistas'. Fuentes se considerava o homem mais rico e poderoso de Eldorado e dizia que o governante do país lhe devia favores e que nenhuma empresa, mesmo de capital estrangeiro, teria condições de desafiar o seu poder.
Desta maneira, Paulo Martins se torna um colaborador do jornal de Fuentes. Ele também se envolve romanticamente com Sara, assessora de Vieira.
Mas o jornal de Fuentes acaba perdendo importantes contratos de publicidade em função da sua recusa em apoiar Porfírio Dias e em função da sua aliança com as forças 'Populistas', sendo sufocado economicamente. Ele diz que, apesar disso, manterá inalteradas as suas posturas políticas.
No entanto, no fim das contas, o burguês Julio Fuentes (dono de um jornal liberal com leve tons progressistas) que é sufocado economicamente e, assim, deixa de apoiar os líderes que defendiam o 'Populismo Nacionalista' e se torna um aliado do reacionário Porfírio Diaz, que tinha fortes conexões com o capital estrangeiro e que planejava promover um Golpe de Estado e implantar um regime ditatorial no país.
Obs5: É bom ressaltar que, até antes da Ditadura Militar, tínhamos vários jornais de perfil semelhante ao de Julio Fuentes no Brasil e que eram democráticos-liberais, sendo que os principais eram o 'Correio da Manhã' e o 'Jornal do Brasil', ambos do Rio de Janeiro. O 'Correio da Manhã' não era de Esquerda, mas defendia a manutenção do Brasil como um país democrático e liberal e até chegou a apoiar as 'Reformas de Base' defendidas por Jango. Porém, em 1964, os donos do jornal romperam com Jango e apoiaram o Golpe, sendo que o "Correio da Manhã" chegou a publicar dois editoriais (intitulados 'Basta!' e 'Fora!') pedindo pela derrubada de Goulart da Presidência. No entanto, durante a Ditadura Militar o jornal foi sufocado financeiramente, perdendo anúncios e muitas bancas deixaram de vender os seus exemplares, com medo de retaliações por parte da Ditadura. Sua proprietária e seus donos foram presos para Ditadura Militar. O "Correio da Manhã" foi praticamente doado a um grupo de empresários que apoiavam a Ditadura Militar, mas perdeu seus leitores, o que levou ao fechamento do jornal em 1974.
Nesta fase, Paulo Martins se afasta da vida política, decepcionado com os líderes dos dois lados do espectro político (conservadores e 'populistas'), e mergulha numa vida pessoal que é caracterizada pelo envolvimento amoroso, principalmente com Sara, mas também com várias outras mulheres, e vive em muitas baladas e diversão, caindo na farra, literalmente. Porém, Paulo acaba sendo convencido, por assessores de Felipe Vieira, a voltar a apoiar novamente o líder 'Populista', a fim de destruir o poder de Porfirio Diaz.
Desta maneira, Paulo usa da sua colaboração no jornal de Fuentes para iniciar uma campanha de imprensa na qual denuncia os crimes, ilegalidades e irregularidades que Porfirio Diaz cometeu ao longo de vida pública. Vieira também se comprometer a mobilizar o povo e a unir as 'massas' populares para derrotar os inimigos internos e externos de 'Eldorado'.
Mas a campanha de sufocamento econômico que o jornal de Fuentes ('Aurora Livre') sofre e o discurso de Porfirio Diaz dizendo que eles são membros da mesma classe social (a Burguesia) e que essa se encontra ameaçada pelo extremismo de Paulo, de Vieira e dos grupos radicais a que eles são ligados representam uma ameaça aos interesses burgueses. Este cenário político e social leva Julio Fuentes a se aliar ao reacionário Porfírio Diaz, abandonando Paulo e Vieira.
Com isso, o Golpe de Estado triunfa e Porfirio Diaz se torna o Ditador de 'Eldorado', prometendo exterminar os adversários políticos. Ele diz que manterá a ordem em Eldorado e que, para isso, governará 'pela força, pelo amor da força' e que 'pela harmonia universal dos infernos chegaremos a uma civilização', fazendo uma expressão diabólica, que antecipou o brutal Estado ditatorial que foi implantado no Brasil, principalmente após a edição do AI-5.
Desesperado, Paulo Martins sai disparando a sua metralhadora a esmo, acreditando que por meio da luta armada será possível derrotar a Ditadura de Porfirio Diaz. Mas ele faz isso sozinho, sem ter qualquer apoio popular.
Desta maneira, Glauber Rocha deixa claro que não acreditava que a luta armada seria o melhor caminho para derrotar a Ditadura Militar que havia se instalado no Brasil após o Golpe de 64, algo que algumas organizações de Esquerda começaram a discutir naquele período, pois a Ditadura Militar estava se tornando cada vez mais repressiva e fechava de forma crescente a todos os canais de participação popular na vida política do país.
Exemplos desse crescente processo de fechamento político, que ocorre entre 1964 e 1967, foram:
- Atos Institucionais (1, 2, 3 e 4), que promoveram fechamento dos partidos políticos existentes, criação do bipartidarismo (criação da ARENA e do MDB), eleição indireta para governo estadual, adiamento da eleição presidencial de 1965 para 1967, aumento das atribuições do Poder Executivo, autorização de cassação de mandatos de políticos eleitos, mudança na composição do STF (que passou de 11 para 16 ministros), imposição de uma nova Constituição, sem qualquer debate prévio, entre outras;
- Crescente censura à imprensa;
- Cassações de mandatos de centenas de políticos de oposição (incluindo JK, Jango, Brizola, Arraes, ou seja, as principais lideranças Trabalhistas ou Nacionalistas do país);
- Cassação dos mandatos de mais de 10 mil dirigentes sindicais apenas no período 1964/1966, a fim de poder viabilizar a política de arrocho salarial promovida pelo governo de Castello Branco;
- Prisões ilegais e torturas de dezenas de milhares de pessoas;
- O assassinato de inúmeros trabalhadores rurais e camponeses que eram ligados a Sindicatos de Trabalhadores Rurais e às Ligas Camponesas;
- A sede nacional da UNE, no Rio de Janeiro, foi incendiada logo no primeiro dia do Golpe de Estado.
Então, qual é a saída que Glauber aponta para tirar o Brasil daquela situação? Na verdade, ele não sabe e, justamente em função disso, ele não aponta solução alguma.
A principal mensagem que essa obra-prima de Glauber Rocha, que é 'Terra em Transe', deixa é o fato de que o Brasil vivia uma situação de impasse e que não havia solução alguma para isso naquele momento.
Porém, o filme é extremamente válido ao mostrar uma visão da situação política e social do Brasil naquele momento histórico, o que foi feito com base no conhecimento que se tinha da realidade brasileira naquele período, além de deixar claro como é que o país chegou a essa situação e quais eram os principais dilemas e impasses que a Nação brasileira enfrentava.
Informações Adicionais!
Título: Terra em Transe;
Diretor: Glauber Rocha;
Roteiro: Glauber Rocha;
Gênero: Drama Político;
Ano de Produção: 1967;
País de Produção: Brasil;
Fotografia: Luiz Carlos Barreto;
Música: Sérgio Ricardo;
Elenco: Jardel Filho (Paulo Martins); José Lewgoy (Felipe Vieira); Paulo Autran (Porfirio Diaz); Glauce Rocha (Sara); Paulo Gracindo (Julio Fuentes); Hugo Carvana (Alvaro); Danuza Leão (Silvia); Joffre Soares (Padre Gil); Mário Lago (Capitão); Flavio Migliaccio (Pessoa do Povo); José Marinho (Jerônimo); Francisco Milani (Aldo); Paulo César Pereio (Estudante); Maurício do Valle (Segurança de Vieira);
Prêmios:
Melhor Filme no Festival de Locarno (Suíça) em 1967;
FIPRESCI - Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Cannes em 1967.
Links:
JK foi assassinado, conclui investigação:
https://brasil.elpais.com/brasil/2013/12/10/politica/1386701338_885414.html
Filho de Jango escreve livro sobre a vida do ex-Presidente no exílio:
https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/livro-revela-detalhes-do-exílio-de-jango-após-golpe-1.436088
O colapso teórico do Populismo:
file:///C:/Users/User/Downloads/Dialnet-OColapsoTeoricoDoPopulismo-5860344.pdfInicialmente, Paulo era ligado a Porfírio Diaz, o político reacionário, mas acabou rompendo com o mesmo. Depois, ele se ligou politicamente ao líder 'populista' Felipe Vieira, apoiando o mesmo, mas acabou se afastando pois entendia que ele não tinha coragem para enfrentar os interesses das classes dominantes e conservadoras do país, com os quais tinha compromissos que não poderia romper.
Paulo diz que tem compromissos apenas com ele mesmo e fala, para Vieira, que não tem obrigação de resolver os conflitos sociais e políticos que este deveria enfrentar e solucionar.
Assim, Paulo Martins acaba se afastando de Vieira e se ligando a um burguês rico, Julio Fuentes, dono de um jornal que defendia a democracia liberal e que era um capitalista nacionalista que dava apoio às políticas reformistas dos líderes 'Populistas'. Fuentes se considerava o homem mais rico e poderoso de Eldorado e dizia que o governante do país lhe devia favores e que nenhuma empresa, mesmo de capital estrangeiro, teria condições de desafiar o seu poder.
Desta maneira, Paulo Martins se torna um colaborador do jornal de Fuentes. Ele também se envolve romanticamente com Sara, assessora de Vieira.
Mas o jornal de Fuentes acaba perdendo importantes contratos de publicidade em função da sua recusa em apoiar Porfírio Dias e em função da sua aliança com as forças 'Populistas', sendo sufocado economicamente. Ele diz que, apesar disso, manterá inalteradas as suas posturas políticas.
Paulo Martins fica desolado quando é informado, por Alvaro (interpretado por Hugo Carvana), que Julio Fuentes passou a apoiar os planos golpistas de Porfirio Diaz. |
No entanto, no fim das contas, o burguês Julio Fuentes (dono de um jornal liberal com leve tons progressistas) que é sufocado economicamente e, assim, deixa de apoiar os líderes que defendiam o 'Populismo Nacionalista' e se torna um aliado do reacionário Porfírio Diaz, que tinha fortes conexões com o capital estrangeiro e que planejava promover um Golpe de Estado e implantar um regime ditatorial no país.
Obs5: É bom ressaltar que, até antes da Ditadura Militar, tínhamos vários jornais de perfil semelhante ao de Julio Fuentes no Brasil e que eram democráticos-liberais, sendo que os principais eram o 'Correio da Manhã' e o 'Jornal do Brasil', ambos do Rio de Janeiro. O 'Correio da Manhã' não era de Esquerda, mas defendia a manutenção do Brasil como um país democrático e liberal e até chegou a apoiar as 'Reformas de Base' defendidas por Jango. Porém, em 1964, os donos do jornal romperam com Jango e apoiaram o Golpe, sendo que o "Correio da Manhã" chegou a publicar dois editoriais (intitulados 'Basta!' e 'Fora!') pedindo pela derrubada de Goulart da Presidência. No entanto, durante a Ditadura Militar o jornal foi sufocado financeiramente, perdendo anúncios e muitas bancas deixaram de vender os seus exemplares, com medo de retaliações por parte da Ditadura. Sua proprietária e seus donos foram presos para Ditadura Militar. O "Correio da Manhã" foi praticamente doado a um grupo de empresários que apoiavam a Ditadura Militar, mas perdeu seus leitores, o que levou ao fechamento do jornal em 1974.
Nesta fase, Paulo Martins se afasta da vida política, decepcionado com os líderes dos dois lados do espectro político (conservadores e 'populistas'), e mergulha numa vida pessoal que é caracterizada pelo envolvimento amoroso, principalmente com Sara, mas também com várias outras mulheres, e vive em muitas baladas e diversão, caindo na farra, literalmente. Porém, Paulo acaba sendo convencido, por assessores de Felipe Vieira, a voltar a apoiar novamente o líder 'Populista', a fim de destruir o poder de Porfirio Diaz.
Desta maneira, Paulo usa da sua colaboração no jornal de Fuentes para iniciar uma campanha de imprensa na qual denuncia os crimes, ilegalidades e irregularidades que Porfirio Diaz cometeu ao longo de vida pública. Vieira também se comprometer a mobilizar o povo e a unir as 'massas' populares para derrotar os inimigos internos e externos de 'Eldorado'.
Mas a campanha de sufocamento econômico que o jornal de Fuentes ('Aurora Livre') sofre e o discurso de Porfirio Diaz dizendo que eles são membros da mesma classe social (a Burguesia) e que essa se encontra ameaçada pelo extremismo de Paulo, de Vieira e dos grupos radicais a que eles são ligados representam uma ameaça aos interesses burgueses. Este cenário político e social leva Julio Fuentes a se aliar ao reacionário Porfírio Diaz, abandonando Paulo e Vieira.
Com isso, o Golpe de Estado triunfa e Porfirio Diaz se torna o Ditador de 'Eldorado', prometendo exterminar os adversários políticos. Ele diz que manterá a ordem em Eldorado e que, para isso, governará 'pela força, pelo amor da força' e que 'pela harmonia universal dos infernos chegaremos a uma civilização', fazendo uma expressão diabólica, que antecipou o brutal Estado ditatorial que foi implantado no Brasil, principalmente após a edição do AI-5.
Desesperado, Paulo Martins sai disparando a sua metralhadora a esmo, acreditando que por meio da luta armada será possível derrotar a Ditadura de Porfirio Diaz. Mas ele faz isso sozinho, sem ter qualquer apoio popular.
Desta maneira, Glauber Rocha deixa claro que não acreditava que a luta armada seria o melhor caminho para derrotar a Ditadura Militar que havia se instalado no Brasil após o Golpe de 64, algo que algumas organizações de Esquerda começaram a discutir naquele período, pois a Ditadura Militar estava se tornando cada vez mais repressiva e fechava de forma crescente a todos os canais de participação popular na vida política do país.
Exemplos desse crescente processo de fechamento político, que ocorre entre 1964 e 1967, foram:
- Atos Institucionais (1, 2, 3 e 4), que promoveram fechamento dos partidos políticos existentes, criação do bipartidarismo (criação da ARENA e do MDB), eleição indireta para governo estadual, adiamento da eleição presidencial de 1965 para 1967, aumento das atribuições do Poder Executivo, autorização de cassação de mandatos de políticos eleitos, mudança na composição do STF (que passou de 11 para 16 ministros), imposição de uma nova Constituição, sem qualquer debate prévio, entre outras;
- Crescente censura à imprensa;
- Cassações de mandatos de centenas de políticos de oposição (incluindo JK, Jango, Brizola, Arraes, ou seja, as principais lideranças Trabalhistas ou Nacionalistas do país);
- Cassação dos mandatos de mais de 10 mil dirigentes sindicais apenas no período 1964/1966, a fim de poder viabilizar a política de arrocho salarial promovida pelo governo de Castello Branco;
- Prisões ilegais e torturas de dezenas de milhares de pessoas;
- O assassinato de inúmeros trabalhadores rurais e camponeses que eram ligados a Sindicatos de Trabalhadores Rurais e às Ligas Camponesas;
- A sede nacional da UNE, no Rio de Janeiro, foi incendiada logo no primeiro dia do Golpe de Estado.
Então, qual é a saída que Glauber aponta para tirar o Brasil daquela situação? Na verdade, ele não sabe e, justamente em função disso, ele não aponta solução alguma.
A principal mensagem que essa obra-prima de Glauber Rocha, que é 'Terra em Transe', deixa é o fato de que o Brasil vivia uma situação de impasse e que não havia solução alguma para isso naquele momento.
Porém, o filme é extremamente válido ao mostrar uma visão da situação política e social do Brasil naquele momento histórico, o que foi feito com base no conhecimento que se tinha da realidade brasileira naquele período, além de deixar claro como é que o país chegou a essa situação e quais eram os principais dilemas e impasses que a Nação brasileira enfrentava.
Informações Adicionais!
Título: Terra em Transe;
Diretor: Glauber Rocha;
Roteiro: Glauber Rocha;
Gênero: Drama Político;
Ano de Produção: 1967;
País de Produção: Brasil;
Fotografia: Luiz Carlos Barreto;
Música: Sérgio Ricardo;
Elenco: Jardel Filho (Paulo Martins); José Lewgoy (Felipe Vieira); Paulo Autran (Porfirio Diaz); Glauce Rocha (Sara); Paulo Gracindo (Julio Fuentes); Hugo Carvana (Alvaro); Danuza Leão (Silvia); Joffre Soares (Padre Gil); Mário Lago (Capitão); Flavio Migliaccio (Pessoa do Povo); José Marinho (Jerônimo); Francisco Milani (Aldo); Paulo César Pereio (Estudante); Maurício do Valle (Segurança de Vieira);
Prêmios:
Melhor Filme no Festival de Locarno (Suíça) em 1967;
FIPRESCI - Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Cannes em 1967.
Links:
JK foi assassinado, conclui investigação:
https://brasil.elpais.com/brasil/2013/12/10/politica/1386701338_885414.html
Filho de Jango escreve livro sobre a vida do ex-Presidente no exílio:
https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/livro-revela-detalhes-do-exílio-de-jango-após-golpe-1.436088
Paulo Martins, sozinho, sonha com a luta armada para resistir ao Golpe de Estado e enfrentar a Ditadura Militar. |
O colapso teórico do Populismo:
A Frente Ampla:
http://memorialdademocracia.com.br/card/jango-jk-e-lacerda-criam-frente-ampla
A história do 'Correio da Manhã':
http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/correio-da-manha-110-anos-depois/
O Jornal do Brasil e a Ditadura Militar:
http://observatoriodaimprensa.com.br/caderno-da-cidadania/_ed699_o_jornal_do_brasil_na_resistencia_a_ditadura/
"O Populismo e sua História": Excelente livro que reviu completamente a chamada 'Teoria do Populismo', mostrando as suas fragilidades e inconsistência teóricas e empíricas. |
Extrema-Direita iniciou onda de atentados terroristas para radicalizar a Ditadura Militar:
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-publica/2018/10/01/atentados-de-direita-paramilitar-impulsionaram-ai-5-documentos-ditadura.htm
Terra em Transe:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra68016/terra-em-transe
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