"Éloge de L'Amour": Godard fez um belo e poético filme sobre o amor e a memória!

"Éloge de L'Amour": Godard fez um belo e poético filme sobre o amor e a memória! - Marcos Doniseti!
'Éloge de L'Amour' (2001): Filme de Godard que foi, de certa maneira, o último que seguiu uma padrão mais convencional, contando a história de um jovem diretor que enfrenta dificuldades para desenvolver um projeto, ficando na dúvida se faz um filme, uma peça de teatro, um musical ou um livro. Depois deste filme, Godard realizou uma série de filmes-ensaio, de caráter mais reflexivo, comentando o cenário mundial do momento.

Éloge de L'Amour (Elogio do Amor; Jean-Luc Godard; 2001, 98 minutos)!

Este é um belo filme de Godard que, além de produzir e dirigir o mesmo, também lançou um livro com um título semelhante, acrescido do subtítulo 'Frases (Tiradas de um Filme)', e que amplia o alcance da obra cinematográfica. Embora o livro seja uma obra literária que reúne uma coleção de 'frases tiradas do filme', ela possui um caráter independente em relação ao mesmo, contendo aforismos, diálogos, narrativas curtas e poesias. 

No filme, um jovem diretor, Edgar (interpretado por Bruno Putzulu), está em dúvida sobre um projeto que pretende realizar. Ele não sabe se o mesmo será um Filme, um Romance, uma peça de Teatro ou uma Ópera.

A história do seu projeto gira em torno de três casais (um jovem, um adulto e um idoso) que passariam pelas quatro etapas de um relacionamento amoroso, que são o encontro, a atração física, a separação e a reconciliação. No entanto, Edgar tem muitas dúvidas a respeito do casal de adultos, que seria o único que não conseguiria passar pelas quatro etapas.

Enquanto ele não consegue se decidir sobre o rumo e o caráter que dará ao seu projeto, Godard conta histórias que ressaltam a importância da memória história para que possamos recuperar o controle das nossas vidas, o que é a ideia central do filme.
Edgar olhando um quadro. A pintura sempre exerceu uma forte influência sobre a obra de Godard e neste filme ela está mais presente do que nunca. E no filme ela se conecta com a memória histórica, pois vemos um dono de galeria de arte (Rosenthal) tentando recuperar os quadros que os nazistas haviam lhe roubado durante a Guerra.

Assim, o filme está repleto de referências históricas ao passado da França, como é o caso de um proprietário de uma galeria de arte (Rosenthal), de origem judaica, que tenta recuperar as obras que foram roubadas pelos Nazistas durante a ocupação da França (Junho de 1940 a Agosto de 1944). 

Rosenthal, na sua juventude, também foi apaixonado pela mãe de Edgar (que se chamava Hélène), mas a mesma preferiu se casar com outro. Além disso, o pai de Rosenthal foi sócio do pai de Edgar em uma galeria de Arte. Assim, ele se sente bastante ligado ao jovem Edgar, por motivos afetivos e históricos, e se propõe a financiar o projeto do mesmo. 

'Elogio do Amor' também contém inúmeras referências ao extermínio dos judeus franceses durante a Segunda Guerra Mundial, sendo que um dos casais do filme é de judeus da região da Bretanha, litoral norte da França, que lutou na Resistência antinazista e que está vendendo, devido a problemas financeiros, a sua história para produtores de Hollywood que irão fazer um filme sobre a participação deles na luta contra os nazistas. 

Em meio a essa tentativa de levar o seu projeto adiante, Edgar se envolve romanticamente com uma bela advogada, que se chama Elle na primeira parte do filme (que se passa em Paris, belissimamente filmada por Godard) e que é chamada de Berthe na segunda parte.
Edgar passa o filme inteiro folheando um livro com páginas em branco, o que reflete as dúvidas que ele tem a respeito do projeto que pretende desenvolver (filme, livro, teatro ou ópera?). Ele também tentou convencer Elle a participar do mesmo, mas ela já havia sido consumida por suas memórias de sofrimento e dor. 

Nesta segunda parte do filme os fatos se desenvolvem na Bretanha francesa, região que chegou a ser dominada pelos britânicos. E enquanto na primeira parte predomina um tom fortemente escuro, na segunda parte do filme vemos uma fotografia com cores fortes e estouradas, claramente influenciada pelo Impressionismo e que foi feita com o uso de câmera digital. 

Elle/Berthe (que é interpretada pela bela Cécile Camp) é neta do casal de judeus bretões (Jean e Françoise). O casal, durante o período em que lutou na Resistência (1941-1944), mudou o nome de família do judaico Samuel para o cristão Bayard, com o objetivo de esconder a sua origem judaica, devido às perseguições promovidas pelos nazistas, e manteve o novo nome, tipicamente católico, no Pós-Guerra.

Elle/Berthe foi viver em Paris depois que descobriu a verdade sobre as mortes de seus pais e sobre as verdadeiras origens de seus avós. Ela também tem um filho de três anos, o que foi fruto de um relacionamento com um noivo que a abandonou quando ela engravidou, e estava muito doente, com tuberculose. Todos esses fatores irão fazer com que ele perdesse a vontade de viver, chegando a dizer que estava cansada deste mundo.

Em Paris, ela trabalhou, inicialmente, em um escritório de advocacia, mas depois o abandonou. 
Enquanto duas mulheres jovens e elegantes caminham nós vemos um mendigo dormindo em um banco. O filme de Godard denuncia as crescentes desigualdades sociais no mundo e cita 'Os Miseráveis', clássico de Victor Hugo. Portanto, ao contrário do que se diz, as citações estão conectadas com aquilo que ele mostra em seus filmes.

Assim, Elle passou a trabalhar em uma livraria, durante o dia, enquanto que durante a noite ela trabalha em uma estação ferroviária, como uma faxineira, fato este que desagrada a Edgar, que lhe diz que ela está se destruindo ao trabalhar tanto daquela forma. Ela também esconde a sua doença (tuberculose) de Edgar, que havia se apaixonado por ela quanto foi até a Bretanha e a conheceu, dois anos antes.  

Edgar conheceu Elle/Berthe quando ela ainda morava na Bretanha, aonde ele foi pesquisar sobre a participação de Católicos na luta promovida pela Resistência na região, período no qual o casal Samuel/Bayard criou uma rede de células antinazistas que integrava a Resistência e que foi chamada de 'Tristão e Isolda', sendo que a mesma existiu entre 1941-1944. 

Neste período, o avô de Elle foi obrigado, pelo serviço de Inteligência britânico, a atuar como informante da Gestapo, na condição de agente duplo, o que provocou a morte de inúmeros companheiros de luta, fato este que o antigo membro da Resistência relembra com muita amargura e sofrimento.  

Assim, o que Godard está mostrando é que quando mergulhamos no estudo da história poderemos acabar descobrindo fatos que acabarão por nos desagradar, por uma série de razões, como que dizendo que a vida é muito diferente de um filme de Hollywood, com as suas belas histórias românticas e com os seus finais sempre felizes.

No filme temos belíssimas imagens noturnas, em preto e branco, de Paris. E aqui vemos a imagem de De Gaulle, que comandou a Resistência francesa ao Nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo sendo um conservador, ele era um verdadeiro nacionalista. E no filme vemos Godard fazer duras críticas ao Imperialismo Cultural dos EUA, que se apropria das histórias de outros povos para lucrar.

Logo, Godard mostra que a heroica e inegavelmente corajosa luta da Resistência antinazista na França teve um caráter muito mais complexo do que aquele que o filme de Hollywood irá mostrar (romantizando a história), sendo que ela foi marcada por muitos atos de coragem e de sacrifício, sim, mas também por mentiras e traição. 

Quando Edgar reencontrou Elle/Berthe, em Paris, dois anos depois de tê-la conhecido na Bretanha francesa, ele tenta se aproximar dela, uma mulher bela e inteligente, uma advogada que perdeu a paixão pela vida, e tenta fazer com que ela recupere o interesse em viver. 

E a Paris que Godard exibe em seu filme é uma cidade de contrastes, pois ao mesmo tempo em que ele mostra a vida noturna agitada da cidade, com as pessoas frequentando os seus bares, teatros, cinemas e restaurantes, ele também mostra os mendigos e pessoas marginalizadas, que dormem nas ruas e calçadas e que vivem de caridade. Portanto, não é à toa que Godard cita o romancista Victor Hugo e a obra 'Os Miseráveis' neste filme.  

É bom esclarecer também que o filme divide-se em duas partes, sendo que Godard inverteu a cronologia dos acontecimentos da história que conta no mesmo. Sim, existe uma história no filme. Os filmes dele, quase sempre, tem uma história, mas como o jovem Edgar diz, o principal não são os personagens, mas aquilo que existe entre os mesmos. 

Assim, a primeira parte do filme (em preto e branco) é, de fato, a segunda, enquanto que a segunda (filmada em tons estourados e com câmera digital) é a primeira. Logo, o filme nunca termina, pois quando ele acaba vemos que a história, após 98 minutos, volta para o momento que vimos no começo do filme. 
Elle anota o relato de um jornalista dos EUA que falou sobre os horrores da 'Guerra do Kosovo', que ocorreu entre Março de 1998 e Junho de 1999, ou seja, na época em que Godard estava preparando o filme. No filme nós também temos referências ao Nazismo, à Segunda Guerra Mundial e à Guerra do Vietnã.


'Elogio do Amor' foi, de fato, o último filme que Godard fez de uma forma um pouco mais convencional, contando uma história e com atores e atrizes interpretando personagens.

Depois disso, Godard realizou mais quatro filmes-ensaios, que são 'Notre Musique' (2004), 'Film Socialisme' (2010), 'Adieu au Langage' (2014) e o mais recente "Le Livre D'Image" (2018) e que são obras essencialmente reflexivas e que discutem alguns dos principais problemas contemporâneos (guerras, xenofobia, racismo, violência, destruição do meio ambiente).

O seu filme mais recente ('Le Livre D'Image'; 2018) contém menos cenas filmadas por Godard e grande parte do mesmo é mais uma colagem de inspiração cubista de vídeos, textos, músicas, filmes e sons. Neste filme, tal como nos outros três citados, Godard faz uma reflexão profundamente crítica a respeito da situação do mundo contemporâneo, embora deixe uma mensagem de esperança ao final do mesmo.

É claro que 'Elogio do Amor' também conta com uma série de referências literárias, pictóricas, filosóficas e históricas, uma característica que sempre esteve presente na obra 'godardiana'.

Desta maneira, temos citações sobre Delacroix, Picasso, Braque, Corot, Rafael, Lichtesntein, Vlaminck, Alain Badiou (autor do livro de mesmo título do filme), Bergson, Shakespeare, Victor Hugo, Chateaubriand, Édouard Pession, Georges Bataille, Balzac, Robert Bresson, Simone Weil, Hannah Arendt, Cervantes, Henri Langlois, Iris Barry, entre outros.

Enquanto ao fundo vemos Edgar e Elle conversando sobre o esvaziamento do outro poderoso movimento operário francês, à frente aparecem trabalhadores que realizam serviços precários e que recebem baixos salários. Assim, Godard mostra a deterioração das condições de vida dos trabalhadores que ocorreu nas últimas décadas.

Também temos referências a uma série de acontecimentos históricos, tais como a Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial, ao extermínio dos judeus pelos Nazistas, à Resistência francesa, à Guerra do Vietnã e também à Guerra do Kosovo (que ocorreu entre Março de 1999 e Junho de 1999, época em que Godard estava preparando o filme).

Estes elementos acabam se relacionando, de alguma forma, com a história do filme, que é centralizada na luta dos franceses que participaram da Resistência contra os nazistas e das consequências deste fato para as gerações futuras. Como disse Edgar, ao conversar com Elle, na Bretanha, o que aconteceu reflete na vida dos filhos e também dos netos.
Portanto, todas estas citações e referências que temos no filme não são feitas para que Godard possa se gabar de sua cultura, como já várias pessoas afirmarem, mas porque há uma relação entre todas estas citações com aquilo que ele mostra e discute neste seu belo filme. E o mesmo vale para toda a sua obra.

'Elogio do Amor' também é um dos mais bonitos filmes (embora tenha uma história triste) que Godard realizou após o começo do seu chamado 'Período Tardio' (como definiu o crítico Jonathan Rosenbaum) e que começou em 1980 com o filme "Sauve qui peut (la vie)".

Portanto, este é um filme de Godard que merece ser visto e revisto sempre.
Edgar e Elle se conheceram quando ele foi até a Bretanha, litoral norte da França, para fazer uma pesquisa a respeito da participação dos católicos da região na Resistência ao Nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial. A imagem lembra os quadros impressionistas e a imagem de Elle parece ter sido colocada em uma moldura. 

Informações Adicionais!
Título: 'Éloge de L'Amour' (Ode ao Amor; Elogio do Amor);
Diretor: Jean-Luc Godard;
Roteiro: Jean-Luc Godard;
Ano de Produção: 2001;
Países de Produção: França e Suíça;
Gênero: Drama;
Duração: 98 minutos;
Fotografia: Christophe Pollock; Julien Hirsch;
Elenco: Bruno Putzulu (Edgar); Cécille Camp (Elle/Berthe); Philippe Lyrette (Philippe); Jean Davy (avô de Elle/Berthe); Françoise Verny (avó de Elle/Berthe); Audrey Klebaner (Eglantine); Jérémie Lippmann (Perceval); Claude Baignières (Rosenthal); Rémo Forlani (Forlani); Mark Hunter (Mark Hunter); Jean Lacouture (Historiador); Bruno Mesrine (Mágico); 
Prêmios: Prêmio Especial do Júri do Festival de Valladolid (2001);
Melhor Filme Estrangeiro do Festival de Fajr (Irã) de 2002.

Livro de autoria de Jean-Luc Godard e que conta com frases que foram tiradas do filme. Godard sempre teve a ambição de se tornar um escritor e acabou conseguindo.

Links:

Texto de Alcino Leite Neto:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0408200119.htm

Informações sobre o filme - IMDB:
https://www.imdb.com/title/tt0181912/?ref_=nv_sr_1?ref_=nv_sr_1

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