Costa-Gavras: 'Sessão Especial de Justiça': Quando a Justiça deixa de ser cega e as provas não importam!
Costa-Gavras: 'Sessão Especial de Justiça': Quando a Justiça deixa de ser cega e as provas não importam! - Marcos Doniseti!
O Contexto Histórico!
Este é um excelente drama político do cineasta grego Costa-Gavras, que também é autor de outros clássicos do gênero, tais como 'Z' (Golpe Militar na Grécia), 'Missing' (Golpe de Pinochet no Chile) e 'Estado de Sítio' (Ditaduras Militares na América Latina), 'Amén' (colaboração da Igreja Católica com o regime nazista) e 'A Confissão' (perseguição política nos regimes do chamado 'Socialismo Real' do Leste Europeu).
Os fatos mostrados no filme são baseados em fatos reais.
Em Agosto de 1941, dois meses após a invasão da URSS pela Alemanha Nazista, uma manifestação feita por militantes comunistas foi duramente reprimida pela polícia francesa, o que resultou em inúmeras prisões.
Como forma de retaliar a ação repressiva dos alemães e do governo colaboracionista, um oficial da Marinha alemã foi morto por um militante comunista em pleno metrô de Paris. E como forma de retaliação, os nazistas exigiram a condenação e execução de seis franceses, caso contrário eles matariam 100 reféns franceses, que seriam escolhidos aleatoriamente.
Para tentar evitar isso, o governo de Vichy, liderado pelo Marechal Pétain, decidiu criar uma Sessão Especial de Justiça, ou seja, um 'Tribunal de Exceção', a fim de julgar, condenar e executar rapidamente seis prisioneiros franceses, mesmo que estes já tivessem sido condenados por delitos de menor importância (produção ou distribuição de panfletos, roubos de bicicletas, produção de textos criticando os nazistas, etc).
Porém, havia um problema: Era necessário criar, rapidamente, uma lei que permitisse que tais prisioneiros fossem executados, mesmo que os crimes tivessem sido cometidos quando ela ainda não vigorava. Assim, tal lei teria efeito retroativo, o que significa que eles seriam condenados à morte por delitos pelos quais haviam sido, anteriormente, condenados a penas bem mais brandas, de no máximo cinco anos.
Isso gera uma resistência por parte do próprio ministro da Justiça do governo de Vichy, mas que acaba cedendo à autoridade de Pétain, que concede poder total no caso para o seu ministro do Interior, defensor da execução rápida destes seis franceses. Também ocorre uma resistência por parte de Juízes e até de Advogados que foram escolhidos para defender os acusados, mas elas são contornadas ou mesmo ignoradas por parte do governo colaboracionista de Pétain.
E com isso o destino dos acusados está selado, pois os chamados interesses do Estado ou de algum grupo político que está no poder acaba se impondo ao que a Lei determina, sendo que esta acaba sendo usada ou manipulada conforme a situação política assim o permite.
Assim, o filme de Costa-Gavras mostra o quanto a Justiça é um poder que também é, em si, um instrumento de poder de uma classe sobre as demais classes.
A situação da França na época da Ocupação Nazista!
A França foi facilmente derrotada pela Alemanha Nazista, em menos de dois meses, entre Maio e Junho de 1940. Depois da derrota, o norte do país ficou sob o domínio direto dos nazistas, enquanto que o Sul ficou sob o comando de Pétain, herói da Primeira Guerra Mundial, e que colaborava com os nazistas.
Na época, a maioria absoluta dos franceses apoiou essa política de colaboração. A Resistência, organizada principalmente pelos comunistas e por reduzidos grupos nacionalistas (que seguiam a liderança de De Gaulle).
A trama do filme!
O filme começa com a elite governamental francesa assistindo a uma ópera, que diz que os russos irão sofrer, e fica claro, ali, que há uma hierarquia nova quanto às decisões que serão tomadas.
Afinal, o ministro da Justiça sequer está sabendo do que se tratava o discurso do Marechal Pétain que estava sendo transmitido naquele momento. Enquanto isso, o Ministro do Interior (o fascista Pierre Pucheu) faz todo um discurso anti-comunista a fim de justificar as medidas repressivas adotadas pelo governo colaboracionista contra qualquer tipo de Resistência.
No filme de Costa-Gavras, fica claro também que os EUA mantiveram excelentes relações com o governo colaboracionista de Pétain, o que se manteve até 1944, quando vemos o embaixador dos EUA cumprimentar efusivamente ao Almirante Darlan.
Também vemos que a elite capitalista francesa sonhava em desempenhar um papel importante numa Europa futuramente dominada pela Alemanha Nazista, o que era pura ilusão, pois os planos de Hitler para a Europa era o de promover um extermínio de todos os povos que ele considerava como sendo inferiores (ou seja, todos que não fossem alemães). E quem não fosse exterminado, trabalharia como escravo para os alemães.
No caso da nova lei, que seria usada para condenar à morte, de forma retroativa, aos seis acusados, o ministro do Interior dizia que ela seria uma 'Lei de Exceção'. Mas mesmo nestes casos, é necessário que elas sejam aplicadas apenas a casos que ocorreram a partir do momento em que ela passou a vigorar, o que não é o caso de que trata este filme de Costa-Gavras, que trata de uma lei que passou a valer de forma retroativa.
Interessante foi a cena em que o Major alemão (Beumelburg) pergunta se tais medidas já eram legais na França, ao que o representante do governo Vichy diz que não, mas que eles poderiam tomar tais medidas se o governo alemão autorizasse.
Desta maneira, o governo de Vichy promoveu uma espécie de 'flexibilização' das leis francesas, moldando-as conforme o seu interesse, sem levar em consideração se isso era justo ou não.
Até o major alemão se espanta com a capacidade do governo de Vichy de promover essas aberrações judiciárias, a fim de agradar aos nazistas, demonstrando o quanto os franceses colaboracionistas ansiavam por se submeter ao poder dos alemães e colaborar com os mesmos.
Outra cena bastante representativa do abuso de poder por parte do governo de Pétain é quando o representante do ministério da Justiça de Vichy se reúne com as autoridades judiciais francesas e comunica que será necessário condenar à morte seis pessoas à morte pelo crime de 'terrorismo' e que isso precisa ser feito rapidamente, mas que eles não tem ainda o nome dos condenados.
Assim, o julgamento será uma farsa, pois o seu resultado já está pré-determinado. A inocência ou culpa dos acusados simplesmente não vem ao caso.
Uma outra cena muito boa foi aquela em que um juiz (Cournet) que foi convidado para ser o presidente do Tribunal de Exceção que será instalado recusa-se a participar do mesmo e ainda demonstra que possui ideias radicalmente diferentes daquelas que o governo de Vichy defende.
Enquanto o ministro da Justiça diz que a Guerra se dá entre a 'civilização ocidental' e o 'barbarismo asiático', Cournet diz que não se trata disso, mas que o conflito é entre forças sociais e nacionais, simultaneamente.
Cournet também diz que o pacto germânico-soviético foi ruim para os comunistas, mas que a URSS ganhou tempo com o mesmo, a fim de se preparar para um guerra contra a Alemanha Nazista que o governo de Stalin sabia que era inevitável.
E que, agora, com a invasão da URSS pela Alemanha Nazista, ficou mais fácil distinguir entre as forças malignas e as demais. E fica claro que ele considera os nazistas como a força maligna, algo que vai contra a política do governo de Vychy, que é de colaborar com a dominação nazista da França.
Obs1: Dizer que os nazistas alemães eram civilizados é uma verdadeira piada, mas é o que muitos dos seus admiradores na França e em outros países pensavam naquela época. Até mesmo no governo de Getúlio Vargas, no Brasil, tínhamos muitos admiradores do governo nazista, como eram os casos dos generais Dutra e Cordeiro de Farias, que foram os principais responsáveis pelo Golpe que implantou a Ditadura do Estado Novo (1937-1945). Nos EUA, até o ataque a Pearl Harbor, chegou a existir um fortíssimo movimento que simpatizava com Hitler e com o Nazismo e que se chamava 'America First'.
Quando toma conhecimento da lei retroativa que foi adotada para condenar pessoas inocentes e que não tinham nada a ver com a realização de 'atentados terroristas', Cournet se revolta e recusa-se a assumir o cargo de presidente do Tribunal de Exceção que será criado, sentindo-se ultrajado por terem pensado em seu nome para conduzir aquela farsa.
Mas o ministro da Justiça encontra na figura de Michel Benon, um ex-combatente condecorado da Primeira Guerra Mundial, a pessoa ideal para presidir a Sessão Especial, que irá comandar a farsa judiciária. Ele fará de tudo para convencer os demais juízes do Tribunal de Exceção para condenar os acusados, independente de existirem provas ou não contra os mesmos pela prática de 'terrorismo'.
Benon pode ter pensado que, mesmo sem possuir provas contra os acusados, ele poderá condená-los com base apenas em suas 'convicções'...
E os outros quatro juízes que irão compor a 'Sessão Especial' foram escolhidos a dedo por Dayras, o secretário-geral do Ministério do Interior. Um dos juízes, que será o mais resistente a condenar os falsamente acusados, era integrante da 'Action Française' (Ação Francesa), grupo de extrema-direita nacionalista que apoiou ostensivamente ao governo de Vichy, mas que também era muito nacionalista, o que ajuda a entender porque ele tenha resistido a condenar cidadãos franceses por imposição dos alemães.
Obs2: A 'Ação Francesa' foi fundada em 1899, sob a influência do julgamento de Alfred Dreyfus, oficial judeu que foi falsamente acusado de ter entregue segredos do exército francês para os alemães e que foi condenado pela Justiça em duas oportunidades, mesmo sendo inocente. Sob a liderança de Charles Maurras, ela se tornou um movimento monarquista, de extrema-direita, anti-democrático, ultra-nacionalista, anti-semita, xenófobo e católico ortodoxo, sendo contrário ao Estado laico. O movimento se aliou ao Fascismo italiano e apoiou o general golpista Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola (1936-1939). A Ação Francesa deu um forte apoio e participou ativamente do governo de Vichy, mas uma parte dos integrantes movimento o abandonou, pois era contrária à dominação nazista da França e se aliou à Resistência.
E o Promotor do caso, Guyenot, se propõem a exercer fielmente o seu cargo, ou seja, ele irá pedir a condenação à morte de todos os falsamente acusados, sendo o porta-voz do governo de Vichy. E isso será feito mesmo com todos os condenados sendo meros distribuidores de panfletos, coladores de cartazes comunistas (este foi condenado a 10 anos de trabalhos forçados) ou fabricantes de chapéus, enquanto que os alemães queriam a condenação de 'terroristas'.
E a farsa fica mais evidente ainda porque na véspera do julgamento começar, os membros do Tribunal sequer tem conhecimento de quem são as pessoas que eles irão julgar e que terão que condenar à morte.
Assim, a lei, neste momento, era ignorada, afinal tudo não passava de uma grande farsa.
É interessante notar como os defensores deste falso julgamento apresentam o mesmo como uma maneira de se evitar um mal maior, ou seja, a execução de 100 reféns pelos alemães. Nenhum deles pensou em se rebelar contra essa atitude dos nazistas alemães, ou seja, de lutar contra tamanha aberração.
Então, os membros do governo colaboracionista de Vichy e da Justiça francesa procuram por qualquer argumento que possam usar como justificativa para a postura de submissão e covardia que eles estão adotando no caso. Os únicos que não irão agir desta maneira são um juiz (René Linais) e um advogado (Roger Lafarge), sendo que este último tentou recorrer ao próprio Marechal Pétain, até o momento em que ele percebeu que a ordem para aquele julgamento farsesco vinha do próprio chefe de governo.
No fim das contas, os futuros 'terroristas' serão escolhidos aleatoriamente, sendo que metade serão comunistas e a outra metade serão de judeus. Afinal, para os estúpidos nazistas, judeus e comunistas eram os culpados de tudo o que havia de errado na face da Terra. E um dos advogados (Roger Lafarge) que foi designado para defender um dos acusados (Abraham Trzebrucki) diz que aquele julgamento 'é um arremedo de Justiça'.
Abraham (um mero fabricante de chapéus) acaba sendo julgado e condenado à morte pela falsa acusação de ser um agente do Comintern. Tal acusação foi feita somente pelo fato dele ter recorrido aos serviços do consulado soviético em Paris, pois ele era originário da região da Polônia que foi invadida pela URSS em Setembro de 1939, e por ter colaborado com uma organização que ajudava os judeus que eram perseguidos pelos nazistas. Outro é condenado por ser um militante comunista e um terceiro (Émile) era um pobre coitado que vivia de pequenos furtos (bicicletas) devido à miséria na qual vivia.
Assim, as condenações se davam até mesmo por fatos com os quais os acusados não tinham conexão alguma, como o pacto germânico-soviético de 1939. Mas, como diz Michel Benon (o juiz que preside a Sessão Especial) aquele julgamento não deve se basear nas leis, mas sim em 'razões de Estado'.
Obs: O Comintern era a 'Internacional Comunista', que teria a missão de apoiar, promover e organizar Revoluções Socialistas pelo mundo afora (tal como o fez no Brasil, em 1935, em tentativa liderada, e que fracassou, por Luiz Carlos Prestes). Ele foi extinto, por Stalin, durante a Segunda Guerra Mundial.
O julgamento, no entanto, toma um rumo diferente quando se tratou de julgar Lucien Sampaix, jornalista que foi secretário-geral do jornal "L'Humanité", órgão oficial do Partido Comunista Francês (PCF). Ele é articulado, inteligente, tem influência na sociedade, que denuncia o julgamento feito enquanto a França está sob ocupação de uma potência estrangeira (Alemanha Nazista) e que é comandado pelo ministro do Interior (Pierre Pucheu).
Sampaix diz para os juízes que a Alemanha Nazista será derrotada e que, quando isso acontecer, estes juízes é que serão julgados. Sampaix não permite ainda que o seu advogado fale em sua defesa, pois todos ali já foram condenados à morte previamente. Ele é o primeiro dos acusados que percebe que aquele julgamento é uma farsa e que a Lei nada tem a ver com o que ocorre naquele Tribunal de Exceção.
Embora o Promotor tenha pedido pela condenação à morte de Sampaix, três dos cinco juízes votaram contra e ele acabou sendo condenado à trabalhos forçados perpétuos. E os três juízes também decidiram que não iriam condenar mais ninguém, levando à suspensão do julgamento.
Assim, os alemães acabaram fuzilando outros três membros da Resistência (seguidores do general Charles De Gaulle) para compensar a ausência destas outras três condenações. E mesmo assim os seis acusados acabaram executados. Lucien Sampaix foi assassinado pelos alemães em 15/12/1941 e os outros dois foram guilhotinados, após condenação feita por um Tribunal estadual, em 23/091941.
E os Tribunais de Exceção continuaram funcionando normalmente, durante todo o período em que a França esteve sob dominação nazista, ou seja, até Agosto de 1944, quando os Aliados a libertaram. Mas os juízes que participaram dos mesmos jamais foram acusados por isso. Predominaram as 'razões de Estado'.
Fim.
Informações Adicionais!
Título: Section Spéciale (Sessão Especial de Justiça);
Diretor: Costa-Gavras;
Roteiro: Costa-Gavras, Jorge Semprún e Hervé Villeré (autor do livro no qual o filme se baseou);
Ano de Produção: 1975;
Países de Produção: França, Itália e Alemanha;
Duração: 110 minutos;
Gênero: Drama Político;
Elenco: Louis Seigner (Joseph Bartélemy, ministro da Justiça); Roland Bertin (Georges Dayras, secretário geral do Ministério da Justiça); Michael Lonsdale (Pierre Pucheu, ministro do Interior); Ivo Garrani (Almirante François Darlan, Vice-Presidente do Conselho de Ministros); François Maistre (Marquês Fernand de Brinon); Jacques Spiesser (Pierre Georges); Henri Serre (Prefeito Ingrand); Heinz Bennent (Major Beumelburg); Hans Richter (General Otto von Stulpnagel); Pierre Dux (Procurador-Geral); Jacques François (Maurice Gabolde, Procurador Geral do Estado); Claude Piéplu (Michel Benon, Presidente da Sessão Especial de Justiça); Michel Galabru (Cournet); Jean Champion (León Guyenot; Advogado Geral, que acusa os condenados durante o julgamento), Jean Bouise (René Linais, juiz membro da 'Ação Francesa' que discordava das condenações à morte); Bruno Cremer (Lucien Sampaix, jornalista, ex-secretário-geral do L'Humanité, jornal do PCF); Jacques Perrin (Roger Lafarge; advogado de Abraham Trzebrucki; Jacques Rispal (Abraham Trzebrucki); Yves Robert (Émile Bastard);
Prêmio: Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1975 para Costa-Gavras.
Links:
Informações sobre o filme:
http://www.imdb.com/title/tt0073679/?ref_=tttr_tr_tt
René Linais e a Justiça francesa durante a ocupação nazista:
https://www.cairn.info/revue-histoire-de-la-justice-2008-1-page-257.htm
O Contexto Histórico!
Este é um excelente drama político do cineasta grego Costa-Gavras, que também é autor de outros clássicos do gênero, tais como 'Z' (Golpe Militar na Grécia), 'Missing' (Golpe de Pinochet no Chile) e 'Estado de Sítio' (Ditaduras Militares na América Latina), 'Amén' (colaboração da Igreja Católica com o regime nazista) e 'A Confissão' (perseguição política nos regimes do chamado 'Socialismo Real' do Leste Europeu).
Os fatos mostrados no filme são baseados em fatos reais.
Em Agosto de 1941, dois meses após a invasão da URSS pela Alemanha Nazista, uma manifestação feita por militantes comunistas foi duramente reprimida pela polícia francesa, o que resultou em inúmeras prisões.
Como forma de retaliar a ação repressiva dos alemães e do governo colaboracionista, um oficial da Marinha alemã foi morto por um militante comunista em pleno metrô de Paris. E como forma de retaliação, os nazistas exigiram a condenação e execução de seis franceses, caso contrário eles matariam 100 reféns franceses, que seriam escolhidos aleatoriamente.
Para tentar evitar isso, o governo de Vichy, liderado pelo Marechal Pétain, decidiu criar uma Sessão Especial de Justiça, ou seja, um 'Tribunal de Exceção', a fim de julgar, condenar e executar rapidamente seis prisioneiros franceses, mesmo que estes já tivessem sido condenados por delitos de menor importância (produção ou distribuição de panfletos, roubos de bicicletas, produção de textos criticando os nazistas, etc).
Isso gera uma resistência por parte do próprio ministro da Justiça do governo de Vichy, mas que acaba cedendo à autoridade de Pétain, que concede poder total no caso para o seu ministro do Interior, defensor da execução rápida destes seis franceses. Também ocorre uma resistência por parte de Juízes e até de Advogados que foram escolhidos para defender os acusados, mas elas são contornadas ou mesmo ignoradas por parte do governo colaboracionista de Pétain.
E com isso o destino dos acusados está selado, pois os chamados interesses do Estado ou de algum grupo político que está no poder acaba se impondo ao que a Lei determina, sendo que esta acaba sendo usada ou manipulada conforme a situação política assim o permite.
Assim, o filme de Costa-Gavras mostra o quanto a Justiça é um poder que também é, em si, um instrumento de poder de uma classe sobre as demais classes.
A França foi facilmente derrotada pela Alemanha Nazista, em menos de dois meses, entre Maio e Junho de 1940. Depois da derrota, o norte do país ficou sob o domínio direto dos nazistas, enquanto que o Sul ficou sob o comando de Pétain, herói da Primeira Guerra Mundial, e que colaborava com os nazistas.
Na época, a maioria absoluta dos franceses apoiou essa política de colaboração. A Resistência, organizada principalmente pelos comunistas e por reduzidos grupos nacionalistas (que seguiam a liderança de De Gaulle).
A trama do filme!
O filme começa com a elite governamental francesa assistindo a uma ópera, que diz que os russos irão sofrer, e fica claro, ali, que há uma hierarquia nova quanto às decisões que serão tomadas.
Afinal, o ministro da Justiça sequer está sabendo do que se tratava o discurso do Marechal Pétain que estava sendo transmitido naquele momento. Enquanto isso, o Ministro do Interior (o fascista Pierre Pucheu) faz todo um discurso anti-comunista a fim de justificar as medidas repressivas adotadas pelo governo colaboracionista contra qualquer tipo de Resistência.
No filme de Costa-Gavras, fica claro também que os EUA mantiveram excelentes relações com o governo colaboracionista de Pétain, o que se manteve até 1944, quando vemos o embaixador dos EUA cumprimentar efusivamente ao Almirante Darlan.
Também vemos que a elite capitalista francesa sonhava em desempenhar um papel importante numa Europa futuramente dominada pela Alemanha Nazista, o que era pura ilusão, pois os planos de Hitler para a Europa era o de promover um extermínio de todos os povos que ele considerava como sendo inferiores (ou seja, todos que não fossem alemães). E quem não fosse exterminado, trabalharia como escravo para os alemães.
Momento da instalação do Tribunal de Exceção (a Sessão Especial): A farsa irá começar. |
Interessante foi a cena em que o Major alemão (Beumelburg) pergunta se tais medidas já eram legais na França, ao que o representante do governo Vichy diz que não, mas que eles poderiam tomar tais medidas se o governo alemão autorizasse.
Desta maneira, o governo de Vichy promoveu uma espécie de 'flexibilização' das leis francesas, moldando-as conforme o seu interesse, sem levar em consideração se isso era justo ou não.
Até o major alemão se espanta com a capacidade do governo de Vichy de promover essas aberrações judiciárias, a fim de agradar aos nazistas, demonstrando o quanto os franceses colaboracionistas ansiavam por se submeter ao poder dos alemães e colaborar com os mesmos.
Outra cena bastante representativa do abuso de poder por parte do governo de Pétain é quando o representante do ministério da Justiça de Vichy se reúne com as autoridades judiciais francesas e comunica que será necessário condenar à morte seis pessoas à morte pelo crime de 'terrorismo' e que isso precisa ser feito rapidamente, mas que eles não tem ainda o nome dos condenados.
Assim, o julgamento será uma farsa, pois o seu resultado já está pré-determinado. A inocência ou culpa dos acusados simplesmente não vem ao caso.
Uma outra cena muito boa foi aquela em que um juiz (Cournet) que foi convidado para ser o presidente do Tribunal de Exceção que será instalado recusa-se a participar do mesmo e ainda demonstra que possui ideias radicalmente diferentes daquelas que o governo de Vichy defende.
Enquanto o ministro da Justiça diz que a Guerra se dá entre a 'civilização ocidental' e o 'barbarismo asiático', Cournet diz que não se trata disso, mas que o conflito é entre forças sociais e nacionais, simultaneamente.
Cournet também diz que o pacto germânico-soviético foi ruim para os comunistas, mas que a URSS ganhou tempo com o mesmo, a fim de se preparar para um guerra contra a Alemanha Nazista que o governo de Stalin sabia que era inevitável.
E que, agora, com a invasão da URSS pela Alemanha Nazista, ficou mais fácil distinguir entre as forças malignas e as demais. E fica claro que ele considera os nazistas como a força maligna, algo que vai contra a política do governo de Vychy, que é de colaborar com a dominação nazista da França.
Obs1: Dizer que os nazistas alemães eram civilizados é uma verdadeira piada, mas é o que muitos dos seus admiradores na França e em outros países pensavam naquela época. Até mesmo no governo de Getúlio Vargas, no Brasil, tínhamos muitos admiradores do governo nazista, como eram os casos dos generais Dutra e Cordeiro de Farias, que foram os principais responsáveis pelo Golpe que implantou a Ditadura do Estado Novo (1937-1945). Nos EUA, até o ataque a Pearl Harbor, chegou a existir um fortíssimo movimento que simpatizava com Hitler e com o Nazismo e que se chamava 'America First'.
Quando toma conhecimento da lei retroativa que foi adotada para condenar pessoas inocentes e que não tinham nada a ver com a realização de 'atentados terroristas', Cournet se revolta e recusa-se a assumir o cargo de presidente do Tribunal de Exceção que será criado, sentindo-se ultrajado por terem pensado em seu nome para conduzir aquela farsa.
Membros da Resistência francesa se preparando para uma ação contra os nazistas alemães. Eles recebiam ajuda da Grã-Bretanha, que lhes enviava armas. |
Benon pode ter pensado que, mesmo sem possuir provas contra os acusados, ele poderá condená-los com base apenas em suas 'convicções'...
E os outros quatro juízes que irão compor a 'Sessão Especial' foram escolhidos a dedo por Dayras, o secretário-geral do Ministério do Interior. Um dos juízes, que será o mais resistente a condenar os falsamente acusados, era integrante da 'Action Française' (Ação Francesa), grupo de extrema-direita nacionalista que apoiou ostensivamente ao governo de Vichy, mas que também era muito nacionalista, o que ajuda a entender porque ele tenha resistido a condenar cidadãos franceses por imposição dos alemães.
Obs2: A 'Ação Francesa' foi fundada em 1899, sob a influência do julgamento de Alfred Dreyfus, oficial judeu que foi falsamente acusado de ter entregue segredos do exército francês para os alemães e que foi condenado pela Justiça em duas oportunidades, mesmo sendo inocente. Sob a liderança de Charles Maurras, ela se tornou um movimento monarquista, de extrema-direita, anti-democrático, ultra-nacionalista, anti-semita, xenófobo e católico ortodoxo, sendo contrário ao Estado laico. O movimento se aliou ao Fascismo italiano e apoiou o general golpista Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola (1936-1939). A Ação Francesa deu um forte apoio e participou ativamente do governo de Vichy, mas uma parte dos integrantes movimento o abandonou, pois era contrária à dominação nazista da França e se aliou à Resistência.
Pelotão nazista se prepara para fuzilar membro da Resistência francesa. |
E a farsa fica mais evidente ainda porque na véspera do julgamento começar, os membros do Tribunal sequer tem conhecimento de quem são as pessoas que eles irão julgar e que terão que condenar à morte.
Assim, a lei, neste momento, era ignorada, afinal tudo não passava de uma grande farsa.
É interessante notar como os defensores deste falso julgamento apresentam o mesmo como uma maneira de se evitar um mal maior, ou seja, a execução de 100 reféns pelos alemães. Nenhum deles pensou em se rebelar contra essa atitude dos nazistas alemães, ou seja, de lutar contra tamanha aberração.
Então, os membros do governo colaboracionista de Vichy e da Justiça francesa procuram por qualquer argumento que possam usar como justificativa para a postura de submissão e covardia que eles estão adotando no caso. Os únicos que não irão agir desta maneira são um juiz (René Linais) e um advogado (Roger Lafarge), sendo que este último tentou recorrer ao próprio Marechal Pétain, até o momento em que ele percebeu que a ordem para aquele julgamento farsesco vinha do próprio chefe de governo.
No fim das contas, os futuros 'terroristas' serão escolhidos aleatoriamente, sendo que metade serão comunistas e a outra metade serão de judeus. Afinal, para os estúpidos nazistas, judeus e comunistas eram os culpados de tudo o que havia de errado na face da Terra. E um dos advogados (Roger Lafarge) que foi designado para defender um dos acusados (Abraham Trzebrucki) diz que aquele julgamento 'é um arremedo de Justiça'.
Abraham (um mero fabricante de chapéus) acaba sendo julgado e condenado à morte pela falsa acusação de ser um agente do Comintern. Tal acusação foi feita somente pelo fato dele ter recorrido aos serviços do consulado soviético em Paris, pois ele era originário da região da Polônia que foi invadida pela URSS em Setembro de 1939, e por ter colaborado com uma organização que ajudava os judeus que eram perseguidos pelos nazistas. Outro é condenado por ser um militante comunista e um terceiro (Émile) era um pobre coitado que vivia de pequenos furtos (bicicletas) devido à miséria na qual vivia.
Assim, as condenações se davam até mesmo por fatos com os quais os acusados não tinham conexão alguma, como o pacto germânico-soviético de 1939. Mas, como diz Michel Benon (o juiz que preside a Sessão Especial) aquele julgamento não deve se basear nas leis, mas sim em 'razões de Estado'.
Obs: O Comintern era a 'Internacional Comunista', que teria a missão de apoiar, promover e organizar Revoluções Socialistas pelo mundo afora (tal como o fez no Brasil, em 1935, em tentativa liderada, e que fracassou, por Luiz Carlos Prestes). Ele foi extinto, por Stalin, durante a Segunda Guerra Mundial.
Alguns dos condenados à morte, mesmo sendo inocentes das acusações de 'terrorismo' que a Justiça francesa fez contra eles. O resultado do julgamento estava definido antes mesmo de começar. |
Sampaix diz para os juízes que a Alemanha Nazista será derrotada e que, quando isso acontecer, estes juízes é que serão julgados. Sampaix não permite ainda que o seu advogado fale em sua defesa, pois todos ali já foram condenados à morte previamente. Ele é o primeiro dos acusados que percebe que aquele julgamento é uma farsa e que a Lei nada tem a ver com o que ocorre naquele Tribunal de Exceção.
Embora o Promotor tenha pedido pela condenação à morte de Sampaix, três dos cinco juízes votaram contra e ele acabou sendo condenado à trabalhos forçados perpétuos. E os três juízes também decidiram que não iriam condenar mais ninguém, levando à suspensão do julgamento.
Assim, os alemães acabaram fuzilando outros três membros da Resistência (seguidores do general Charles De Gaulle) para compensar a ausência destas outras três condenações. E mesmo assim os seis acusados acabaram executados. Lucien Sampaix foi assassinado pelos alemães em 15/12/1941 e os outros dois foram guilhotinados, após condenação feita por um Tribunal estadual, em 23/091941.
E os Tribunais de Exceção continuaram funcionando normalmente, durante todo o período em que a França esteve sob dominação nazista, ou seja, até Agosto de 1944, quando os Aliados a libertaram. Mas os juízes que participaram dos mesmos jamais foram acusados por isso. Predominaram as 'razões de Estado'.
Fim.
René Linais foi o único juiz que resistiu à condenar, injustamente, os acusados à morte. Observação: Isso realmente aconteceu (ver link abaixo). |
Título: Section Spéciale (Sessão Especial de Justiça);
Diretor: Costa-Gavras;
Roteiro: Costa-Gavras, Jorge Semprún e Hervé Villeré (autor do livro no qual o filme se baseou);
Ano de Produção: 1975;
Países de Produção: França, Itália e Alemanha;
Duração: 110 minutos;
Gênero: Drama Político;
Elenco: Louis Seigner (Joseph Bartélemy, ministro da Justiça); Roland Bertin (Georges Dayras, secretário geral do Ministério da Justiça); Michael Lonsdale (Pierre Pucheu, ministro do Interior); Ivo Garrani (Almirante François Darlan, Vice-Presidente do Conselho de Ministros); François Maistre (Marquês Fernand de Brinon); Jacques Spiesser (Pierre Georges); Henri Serre (Prefeito Ingrand); Heinz Bennent (Major Beumelburg); Hans Richter (General Otto von Stulpnagel); Pierre Dux (Procurador-Geral); Jacques François (Maurice Gabolde, Procurador Geral do Estado); Claude Piéplu (Michel Benon, Presidente da Sessão Especial de Justiça); Michel Galabru (Cournet); Jean Champion (León Guyenot; Advogado Geral, que acusa os condenados durante o julgamento), Jean Bouise (René Linais, juiz membro da 'Ação Francesa' que discordava das condenações à morte); Bruno Cremer (Lucien Sampaix, jornalista, ex-secretário-geral do L'Humanité, jornal do PCF); Jacques Perrin (Roger Lafarge; advogado de Abraham Trzebrucki; Jacques Rispal (Abraham Trzebrucki); Yves Robert (Émile Bastard);
Prêmio: Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1975 para Costa-Gavras.
Livro 'L'Affaire de la Section Spéciale', de Hervé Villeré, no qual o filme de Costa-Gavras se baseou. |
Informações sobre o filme:
http://www.imdb.com/title/tt0073679/?ref_=tttr_tr_tt
René Linais e a Justiça francesa durante a ocupação nazista:
https://www.cairn.info/revue-histoire-de-la-justice-2008-1-page-257.htm
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