'Muerte de un Ciclista': Filme Noir e Neo-Realista de Juan A. Bardem mostra que havia algo de podre na Ditadura de Franco!

'Muerte de un Ciclista': Filme Noir e Neo-Realista de Juan A. Bardem mostra que havia algo de podre na Ditadura de Franco! - Marcos Doniseti!
'Muerte de un Ciclista' (1955) é um belo filme do cineasta espanhol Juan Antonio Bardem (tio de Javier Bardem), que fez parte de uma geração que procurou renovar o cinema da Espanha, mesmo sofrendo com a censura imposta pela Ditadura de Franco, que é claramente criticada neste filme.

O Novo Cinema Espanhol!

Este é um ótimo filme, que mistura elementos do filme Noir e do Neo-Realismo italiano, do cineasta Juan Antonio Bardem, e faz parte de um processo de renovação do cinema da terra de Cervantes e Luis Buñuel e que se desenvolveu durante a década de 1950. Bardem integrou um movimento chamado de 'Novo Cinema Espanhol' e esta é, provavelmente, a sua obra principal, sendo o seu filme mais conhecido.

O chamado Novo Cinema Espanhol procurou retratar a realidade espanhola da época, marcada pelo isolamento internacional do país, provocado pela Ditadura franquista e pela forte presença e influência da Igreja Católica sobre a educação e a cultura do país.

A qualidade e importância de 'Muerte de un Ciclista' foi amplamente reconhecida já na época do seu lançamento, chegando a receber o Prêmio da Crítica no Festival de Cannes de 1955. 

Na época em que o filme foi produzido a Espanha sofria com a censura imposta pela Ditadura de Francisco Franco, bem como pelo poder imenso que a Igreja Católica possuía. Esta instituição tinha, inclusive, o direito de censurar qualquer produção cultural que fosse considerada como ofensiva à religião. 
Em 'Muerte de un Ciclista' fica bem clara a influência dos filmes de Antonioni, com suas paisagens integradas à história do filme. As paisagens nubladas, os planos abertos, com grande profundidade, são características dos filmes de Antonioni que estão, também, presentes no filme de Bardem. 

E o Cinema espanhol, é claro, sofreu bastante com isso. Os filmes tinham, até, os seus roteiros alterados pelos censores. Em uma ocasião, o diretor Luis G. Berlanga chegou a oferecer a co-autoria de um de seus roteiros a um padre censor, tantas foram as mudanças que este havia promovido na história do filme. 

Aliás, isso também aconteceu com 'Muerte de un Ciclista', que teve o seu final censurado e modificado pela Ditadura franquista. 

Além de Juan Antonio Bardem, cineastas como Luis Garcia Berlanga, José Antonio Nieves Conde e, um pouco mais tarde, Carlos Saura também fizeram parte desse processo de renovação do cinema espanhol, que foi fortemente influenciado pelo Neo-Realismo italiano. 

Tal movimento denunciou o cinema espanhol produzido na época (meados da década de 1950) como sendo "politicamente ineficaz, socialmente falso, intelectualmente ínfimo, esteticamente nulo e industrialmente raquítico". 

Os cineastas do movimento procuraram mostrar o cotidiano e a vida muito difícil, marcada pela pobreza, que caracterizava o povo e a sociedade espanhola naquela época de forte censura e repressão promovida pela Ditadura franquista, que somente foi terminar com a morte do ditador, em 1975. 
Juan Fernández e Maria José namoram desde a juventude, mas a Guerra Civil os separou. Ela se casou com um rico e poderoso industrial (Miguel Castro) para fugir da pobreza e do atraso que marcavam a Espanha franquista (1939-1975).

E no caso deste filme de Bardem, também se nota, claramente, uma nítida influência do genial cineasta italiano Michelangelo Antonioni, principalmente do filme 'Cronaca di un Amore' (que já foi devidamente comentado aqui no blog). 

Existem várias coisas em comum entre o filme de Antonioni e o de Bardem, tais como: 

1) Ambas as histórias envolvem casos de adultério e mortes não intencionais: A morte de uma amiga, Giovanna, do casal de amantes - Guido e Paola - no filme de Antonioni; A morte de um ciclista desconhecido, no filme de Bardem;

2) Nos dois filmes, o adultério é praticado por duas belas e sensuais mulheres e que são casadas com ricos e influentes industriais (Enrico Fontana, no filme de Antonioni; Miguel Castro, no filme de Bardem). E nos dois filmes, elas se casam, mas não por amor, e sim para ascender social e economicamente; 

3) Os amantes são pessoas mal sucedidas econômica ou profissionalmente (caso de Guido, no filme de Antonioni) ou que desistiram de querer algo mais da vida devido às desilusões acumuladas (caso de Juan, no filme de Bardem). Ambos são considerados 'perdedores', se levarmos em consideração a acumulação de riqueza;
Rafael Sandoval chantageia a bela Maria José e o descrente e niilista Juan Fernández, pois sabe do romance de ambos. Rafa despreza os integrantes da burguesia espanhola, aos quais considera como sendo desonestos e imorais.

4) As mulheres que praticam o adultério são interpretadas pela mesma atriz, a 
belíssima Lucia Bosé (que foi Miss Itália em 1947). Lucia Bosé interpreta Paola Molon Fontana, no filme de Antonioni, e Maria José de Castro, no filme de Bardem;

5) Os dois filmes sofreram uma nítida influência do Neo-Realismo italiano e do Filme Noir. Ambos os filmes mostram as desigualdes sociais, a pobreza e o egoísmo dos ricos (elemento mais presente no filme de Bardem) e características do filme Noir: presença de um investigador, de uma mulher fatal, crimes, romance, adultério.

A trama do filme!

O filme de Bardem gira em torno do relacionamento entre Juan Fernández Soler e Maria José de Castro. Eles foram amantes desde a juventude, mas a Guerra Civil espanhola (1936-1939) os separou. Juan lutou no Exército de Franco (do qual foi tenente), mas embora este tenha chegado ao poder, ele saiu do conflito totalmente descrente de tudo, adotando uma postura nitidamente niilista e existencialista. 

Além disso, Maria José acabou, em função das suas precárias condições de vida, casando-se com um rico e poderoso industrial (Miguel Castro). Ela nunca amou o marido, mas vê no casamento a única chance de ascender social e economicamente na Espanha pobre e atrasada de Franco. Com isso, ela passa a desfrutar de uma vida marcada pelo luxo, riqueza e sofisticação. E Maria José não esconde de Juan que ama essa vida.
Juan Fernández visita o local onde vivia o ciclista morto, que era um simples operário metalúrgico. A pobreza do povo espanhol durante a Ditadura franquista é mostrada neste belo filme de Juan A. Bardem.

Apesar do casamento com Miguel, Maria José e Juan nunca se separaram, vivendo um romance secreto e duradouro e que, é claro, eles fazem de tudo para esconder de tudo e de todos, principalmente de Miguel. Maria José teme perder a vida de luxo e sofisticação da qual desfruta caso o marido venha a descobrir a respeito do seu caso com Juan. E este aceita a situação, pois esta é a única maneira dele continuar vendo Maria José. 

Porém, em uma das vezes em que eles se encontraram, quando voltavam para suas casas, Maria José dirigia o automóvel e acabou, acidentalmente, atropelando um ciclista. Eles viram que o ciclista estava vivo e foram embora, pois caso tivessem prestado atendimento ao mesmo o romance deles acabaria sendo revelado.

Posteriormente, eles ficaram sabendo, por meio de uma notícia de jornal, que o ciclista tinha falecido. E é neste momento que Rafael Sandoval entra em ação. Ele é um crítico de arte que é sempre convidado para festas, encontros e recepções das quais participam apenas os membros da elite espanhola (empresários, diplomatas, religiosos) e se dedica a conversar, obter informações e descobrir segredos para, depois, utilizá-los a fim de promover chantagens.
A estudante Matilde foi prejudicada em função de um erro cometido por Juan Fernández. Mesmo com a Espanha vivendo sob uma Ditadura, ela se rebelou contra o fato e isso acabou levando o mesmo a entrar em uma crise de consciência, fazendo com que ele tomasse a iniciativa  de corrigir os erros que havia cometido em sua vida.

Estas festas são a oportunidade para que Bardem mostre o preconceito e o desprezo da burguesia espanhola pelos mais pobres, bem como a sua arrogância, egoísmo e subserviência perante os EUA (em uma cena Rafa, ao piano, pede que um empresário dos EUA escolha a música que irá tocar). 

Um exemplo desse comportamento é que uma das amigas de Maria José fala, com desprezo, que elas irão participar de jogos de canastra para ajudar crianças pobres, doentes ou algo do tipo, mostrando que está mais interessada no jogo do que em ajudar alguém. 

E é justamente em uma destas festas é que Rafa (como é chamado) deixa claro para Maria José que a viu em uma rodovia, dirigindo um carro e sugere que tem conhecimento do fato de que ela estaria tendo um romance com outro homem. Rafa deixa bem claro todo o seu desprezo pelos membros da elite espanhola, que considera como sendo uma verdadeira escória. 

Durante o filme, Rafa vai aumentando o grau de ansiedade de Maria José, pois quando conversa com a mesma ele sempre diz algo que a compromete, sugerindo até que saberia do envolvimento dela em um assassinato. 
A belíssima atriz Lucia Bosé interpreta Maria José, esposa de um rico e influente industrial espanhol, mas que tem um caso com Juan Fernández, seu namorado desde a juventude. Embora fique sabendo do caso, o marido decide que a solução para evitar um escândalo público é levá-la para uma viagem, de vários meses, para outros países. 

Apavorada, Maria José conta para Juan a respeito do que Rafa lhe disse. Ele procura acalmá-la, dizendo que ele, provavelmente, não sabe de nada, e que deveriam procurar descobrir, afinal, do que ele tem conhecimento exatamente. 

E é exatamente isso que ela faz. Maria José diz para Juan que está convencida de que Rafa sabe algo a respeito da morte do ciclista, pois o mesmo chegou a comentar a respeito do fato, do qual tomou conhecimento pela leitura do jornal. 

Enquanto isso, Juan é membro de uma poderosa e influente família, sendo professor assistente de uma universidade pública na qual o seu cunhado é o reitor. Quando leu a respeito da notícia da morte do ciclista no jornal, ele ficou tão nervoso que acabou prejudicando uma aluna, Matilde, que fazia uma prova e que, em função disso, acabou sendo reprovada, embora estivesse fazendo tudo corretamente. 

O caso de Matilde acabou gerando um protesto de estudantes da universidade, que exigiam que Juan fosse demitido de seu cargo. E quando viu o protesto, Juan disse que isso havia sido a melhor coisa que poderia lhe acontecer, pois pela primeira vez em muitos anos as pessoas estavam deixando os seus interesses individuais de lado e lutando de forma solidária, coletiva. Juan e Matilde acabam, depois, ficando amigos. E é para Matilde que ele irá, depois, entregar a carta de demissão da universidade. 
No final, Maria José fica angustiada, pois hesita sobre qual caminho a seguir: Continuar o romance com Juan Fernández ou ir embora com o marido, a fim de continuar vivendo no luxo e na sofisticação que o casamento com ele proporcionava.

Porém, antes da viagem, Maria José decide se encontrar com Juan e é neste momento no qual ela fica sabendo que ele pretende contar tudo para a Polícia a respeito do envolvimento de ambos na morte do ciclista, pois Juan pretende ficar em paz com a sua consciência. Nesta cena, fica claro que ela não gosta nenhum pouco dessa ideia.

Juan também se preocupou em investigar a respeito do ciclista falecido (um trabalhador metalúrgico) e foi até o local em que ele morava, com a esposa e os dois filhos. Desta maneira, vemos a pobreza e o abandono em que vivem os operários espanhóis em pleno regime franquista, o que é uma característica típica dos filmes neo-realistas. Ele e Maria José também combinaram de enviar algum dinheiro para a família do ciclista falecido, mas fica claro que eles fazem isso não para reparar o crime, mas apenas para aliviar a sua consciência. 

O clima de tensão e suspense, tipicamente hitchcockiano, vai crescendo à medida que Rafa vai sugerindo que sabe tudo a respeito do romance entre Maria José e Juan Fernández. E quando Rafa finalmente conta para Miguel, o rico industrial e marido de Maria José, a respeito do romance dela com Juan, ela fica desesperada, imaginando que o chantagista possa saber algo a respeito do seu envolvimento na morte do ciclista. 

Mas fica claro que ele não sabe de nada a respeito do acidente que matou o humilde trabalhador. Ele apenas viu Maria José, sozinha no carro, na rodovia, e percebeu que ela e Juan sempre conversavam nas festas e recepções. Daí foi só ligar os pontos e concluir que eles tinham um romance. 
A bela cena do filme de Bardem, que mostra a influência do cinema de Michelangelo Antonioni. Juan Fernández decide se entregar à Polícia, a fim de ficar em paz com a sua consciência, mas a ideia acaba por desagradar à bela Maria José.

No entanto, Miguel não acredita na história de Rafa, ou então ele apenas finge não acreditar, pois não quer se expor perante a sociedade como sendo um marido traído, imaginando o escândalo que isso representaria para ele e para a sua bela esposa. No final, a fim de fugir de qualquer possibilidade de exposição pública do romance extranconjugal de Maria José com Juan, Miguel decide levá-la para fora do país, em viagem que irá durar vários meses. 

Mas, antes da viagem, Maria José decide se encontrar com Juan e é neste momento no qual ela fica sabendo que ele pretende contar tudo para a Polícia a respeito do envolvimento de ambos na morte do ciclista, pois Juan pretende ficar em paz com a sua consciência. Nesta cena, fica claro que ela não gosta nenhum pouco dessa ideia.

Quando decidem voltar para casa, eles param em um lugar no qual Juan participou de um combate na Guerra Civil e onde ele começa a rememorar os fatos daquele sangrento conflito, que o levou a se tornar uma pessoa descrente de tudo. Maria José pensa, fica angustiada, hesita, mas decide matar o homem ao qual ela amou a vida toda, pois não deseja passar o resto da sua vida na prisão. 

Assim, ela atropela e mata Juan e vai embora, mas no durante a viagem, em meio a uma forte chuva e em uma pista bastante escorregadia, Maria José acaba sofrendo um acidente fatal, ao tentar evitar de atropelar um... ciclista. 

Fim. 
Maria José, depois de matar Juan Fernández, tenta retornar a tempo de viajar com o marido para fora da Espanha. Mas isso não será possível. 

Links:

Informações sobre o filme:


http://www.imdb.com/title/tt0048394/?ref_=ttmi_tt


Realismo no Cinema Espanhol:


http://cerradomix.maiscomunidade.com/conteudo/2009-04-23/cerradomix/8510/MOSTRA-REALISMO-NO-CINEMA-ESPANHOL-.pnhtml


História do Cinema Espanhol:

http://classroom.orange.com/pt/historia-do-cinema-espanhol.html

Trechos do livro 'Espanha: Política e Cultura':

https://books.google.com.br/books?id=HqfbCMQlkyIC&pg=PT50&lpg=PT50&dq=novo+cinema+espanhol+juan+antonio+bardem&source=bl&ots=aR4zEXDMZ0&sig=tcqrVTkZyHvSjWPJROM4PqNPe0E&hl=pt-BR&sa=X&sqi=2&ved=0ahUKEwjV2YXr9s_OAhXClZAKHdCSArkQ6AEIOjAI#v=onepage&q=novo%20cinema%20espanhol%20juan%20antonio%20bardem&f=false

Informações Adicionais!

Título: 'Muerte de un Ciclista' (A Morte de um Ciclista);
Diretor: Juan Antonio Bardem;
Roteiro: Juan Antonio Bardem; Luis Fernando de Igoa;
Ano de Produção: 1955; 
País de Produção: Espanha e Itália;
Duração: 88 minutos;
Elenco: Lucia Bosé (Maria José de Castro); Alberto Closas (Juan Fernández Soler); Carlos Casaravilla (Rafael Sandoval; Rafa); Otello Toso (Miguel Castro); Bruna Corrá (Matilde Luque); Alicia Romay (Carmina); Julia Delgado Caro (Dona Maria); Manuel Alexandre (Ciclista). 
Prêmios: Prêmio da Crítica do Festival de Cannes (1955).

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