‘Riso Amaro’ (Arroz Amargo): Um clássico do Neorrealismo que transformou Silvana Mangano em estrela e símbolo sexual!

‘Riso Amaro’ (Arroz Amargo): Um clássico do Neorrealismo que transformou Silvana Mangano em estrela e símbolo sexual! – Marcos Doniseti!

'Riso Amaro' (Giuseppe De Santis; 1949) é um clássico do Neo-Realismo bastante atípico, pois a história de exploração das trabalhadoras braçais do arrozal fica em segundo plano e o maior destaque do filme fica com a beleza e sensualidade da jovem Silvana Mangano.

O contexto histórico e a produção de "Riso Amaro"!

O cineasta Giuseppe De Santis foi um dos pioneiros do cinema Neorrealista, sendo um dos criadores desse ‘movimento cinematográfico’, junto com Vittorio De Sica, Roberto Rossellini e Luchino Visconti (de quem foi assistente no primeiro filme neorrealista, que foi 'Ossessione' (de 1943). Apesar da sua importância, ele nunca desfrutou da fama e popularidade desta ‘Santíssima Trindade' do Neorrealismo. 

Giuseppe De Santis foi um colaborador da revista 'Cinema', publicação quinzenal que era dirigida por Vittorio Mussolini, o filho do Duce, junto com outros jovens talentosos que, posteriormente, também ganharam destaque no cinema italiano, tais como Carlo Lizzani, Gianni Puccini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti e Antonio Pietrangeli. 

Eles travaram inúmeros debates nos bastidores da revista, nos quais discutiam a necessidade de se promover uma mudança no cinema italiano, que deveria começar a mostrar a realidade do país e do povo italiano, o que o cinema italiano produzido na época do Fascismo não fazia. 

Em função desses debates tivemos o início da produção de inúmeros filmes Neorrealistas, sendo que 'Ossessione' *(1943), de Luchino Visconti, que era um dos críticos da revista, foi o primeiro a ser considerado como sendo um filme Neorrealista. 

De Santis também estudou, em 1940/1941, no 'Centro Experimental de Cinematografia', escola de Cinema que foi fundada em 1935. 

Michelangelo Antonioni, Alessandro Blasetti, Dino de Laurentis, Pietro Germi, Alida Valli e Clara Calamai, todos importantes nomes do cinema italiano nas décadas seguintes, também estudaram ali. De Santis também foi mais um dos inúmeros cineastas italianos da época que se ligou ao PCI (Partido Comunista Italiano).

O cineasta Giuseppe De Santis foi um dos pioneiros, bem como um dos principais nomes do Neorrealismo italiano, sendo que participou de debates na revista 'Cinema' que resultaram na criação do 'movimento'.  

No entanto, é importante ressaltar que ‘Arroz Amargo’ não é exatamente um típico filme neorrealista, pois ele foi produzido em um ano (1949) no qual o Neorrealismo já tinha perdido o seu público e quando os filmes do movimento já eram censurados pelo governo conservador e direitista do PDC (Partido Democrata-Cristão), embora alguns dos principais elementos do estilo estejam presentes no mesmo, tais como: 

A) A denúncia da exploração dos trabalhadores (as mulheres do arrozal); 
B) O uso de atores e atrizes não profissionais; 
C) Filmagens que foram realizadas em locações naturais. 

A história do filme deveria girar em torno das relações de trabalho envolvendo as centenas de mulheres que, anualmente, fazem a colheita do arroz em uma região do Norte da Itália durante um período de quarenta dias. Mas apenas uma parte do filme trata deste assunto. 

Estas mulheres saem de inúmeras regiões do país para ir até o local para trabalhar na colheita. O fato é um verdadeiro acontecimento midiático, chamando a atenção de uma emissora de rádio de Turim. 

Walter convence Francesca a roubar um colar de um hotel do qual ela era a camareira e tem um romance com a jovem. Mas ela muda de postura e se afasta desse ladrão manipulador que usa de lábia para iludir e enganar as mulheres, prometendo-lhes uma vida de luxo e riqueza. 

Aliás, foi ao ver inúmeras mulheres (chamadas de 'Mondine') na estação ferroviária de Turim se preparando para ir trabalhar na colheita do arroz que levou o cineasta Giuseppe De Santis a produzir 'Riso Amaro'

Giuseppe De Santis, 'Riso Amaro' e a perseguição do governo italiano ao Neorrealismo!

'Riso Amaro' é de uma produção de 1949, ou seja, ele foi realizado numa época em que os cineastas Neorrealistas estavam sendo perseguidos e até censurados pelo governo conservador italiano, que era liderado pelo PDC (Partido Democrata-Cristão).

Enquanto isso, a imensa maioria dos diretores e roteiristas Neorrealistas eram ligados ao PCI (Partido Comunista Italiano) que, quando terminou a Segunda Guerra Mundial, se tornou um partido muito popular na Itália, com vários milhões de filiados.

Assim, como parte dessa perseguição ao Neorrealismo, 'Ladrões de Bicicleta' teve negada a licença de exportação, mas fez muito sucesso e o governo do PDC teve que recuar da sua decisão.

A perseguição era direcionada contra os neorrealistas pois quase todos os cineastas do 'movimento' eram ligados ao PCI, que tinha sido expulso do governo italiano em Janeiro de 1947.

E o objetivo dos cineastas neorrealistas era usar os filmes para se levar adiante um processo de conscientização política dos trabalhadores italianos, a fim de que os mesmos promovessem uma transformação revolucionária da sociedade. Então, em função disso, é que eles foram perseguidos.

Até o Pietro Germi, que era considerado um cineasta neorrealista, mas que tinha uma formação católica e que nunca foi ligado ao PCI, protestou contra essa perseguição.
 
Giulio Andreotti e Alcide de Gasperi (Primeiro-Ministro da Itália entre Dezembro de 1945 até Agosto de 1953). Andreotti assumiu o comando da política cinematográfica italiana a partir de 1947, perseguindo os cineastas Neorrealistas.

Em 'Riso Amaro', De Santis faz uso de vários elementos que estão presentes nas grandes produções de Hollywood: 

- Policial Noir; 
- Exploração da beleza e da sensualidade de Silvana Mangano, transformando-a em uma típica Star System;
- Uma história romântica;
- Cenas grandiosas, com centenas de figurantes. 

Mas o uso desses elementos foi intencional por parte do Giuseppe De Santis.

De Santis era um cineasta ligado ao PCI e foi um dos teóricos que criou o Neorrealismo, quando ainda fazia parte da equipe de críticos da revista 'Cinema', que também tinha na sua redação nomes como Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Mario Alicata, Antônio Pietrangeli e Gianni Puccini.

Eles eram todos marxistas e desejavam promover uma verdadeira revolução no cinema italiano que, durante o Regime Fascista, produzia apenas filmes escapistas e nos quais o povo italiano e a realidade da Itália nunca apareciam (eram os filmes chamados de 'Telefoni Bianchi').

De Santis queria produzir filmes que, ao mesmo tempo, mostrassem a realidade dos trabalhadores (de exploração, pobreza, miséria, fome) e que defendessem a necessidade de que os mesmos lutassem para se promover uma transformação revolucionária da sociedade.
 
Cena do filme 'Telefoni Bianchi' (1976), dirigido por Dino Risi, que mostra como eram os filmes produzidos na época da Itália Fascista, que mostravam apenas a vida dos ricos. O povo italiano e a realidade do país nunca eram mostradas.

Mas, para isso, era necessário que os filmes fossem populares, ou seja, usassem de uma linguagem que fosse compreensível pelos trabalhadores. Por isso é que ele se utiliza desses elementos mais populares em sua produção cinematográfica, principalmente a partir de 'Riso Amaro'.

Além disso, a censura não foi a única arma usada pelo governo do PDC para destruir o Neorrealismo.

O governo italiano também usou da liberação do mercado italiano para os filmes de Hollywood, que reproduziam os mesmos padrões dos filmes escapistas de 'Telefoni Bianchi' (Telefones Brancos, que eram exclusivos dos ricos) da época do Fascismo.

Afinal, estes últimos foram baseados nos filmes escapistas que eram realizados por Hollywood e, logo, serviram de modelo para os filmes do gênero 'Telefoni Bianchi' que foram produzidos na Itália fascista.

Na época do Fascismo, o governo de Mussolini criou uma espécie de 'Hollywood Italiana' (a Cinecittà e mais algumas empresas, como a ENIC) e que produzia os mesmos tipos de filmes escapistas que eram realizados pela Hollywood original (dos EUA). A Itália Fascista possuía a mais bem organizada indústria cinematográfica da Europa nos anos 1930/1940.

Os próprios militares dos EUA tinham consciência disso e exigiam que tal indústria fosse desmantelada, pois ela concorria com as produções de Hollywood.

Então, a partir de 1947-1948, quando o Neorrealismo estava no auge, mas o governo italiano já era dominado exclusivamente pelos conservadores do PDC (aliados dos EUA), o governo italiano (fortemente pressionado pelos EUA) liberou a entrada de filmes de Hollywood para destruir o Neorrealismo, pois este fazia muito sucesso na Itália e estava se consagrando no exterior graças ao sucesso internacional de filmes como ‘Roma Città Aperta’ e ‘Ladrões de Bicicleta’.
 
"Sciuscia" (Vítimas da Tormenta, 1946), dirigido por Vittorio De Sica, mostrava a realidade das crianças e adolescentes carentes e abandonadas na Itália do Pós-Guerra. Em função disso, o governo conservador italiano passou a perseguir os cineastas ligados ao Neorrealismo.

Com isso, o mercado italiano foi inundado por centenas de filmes originários dos EUA e eles virtualmente monopolizaram as salas comerciais do país, fazendo muito sucesso na Itália e jogando os filmes Neorrealistas para as pequenas salas alternativas. 

Os filmes neorrealistas também passaram a ser censurados pelo governo, que exigia o corte de cenas e diálogos dos mesmos. Essa tarefa foi entregue a pessoas indicadas pela Igreja Católica, violentamente antiesquerdista e que havia apoiado e sustenta a Ditadura Fascista de Mussolini. 

E o governo italiano também passou a negar financiamento às produções neorrealistas, embora existisse uma política oficial de apoio à produção cinematográfica nacional;

Então, como é que o De Santis reagiu a essa situação?

Ele introduziu elementos dos filmes produzidos por Hollywood nos seus filmes Neorrealistas e que já citei aqui: história policial noir, uma história romântica, a figura da estrela bela e sensual (Silvana Mangano), as cenas grandiosas, com centenas de figurantes, bem ao gosto, aliás, do Dino de Laurentis, que foi o produtor do filme e que, depois, se casou com a Silvana Mangano.

Essa era uma estratégia de Giuseppe De Santis para tentar resistir a essa forte ofensiva que se promovia contra o Neorrealismo, tentando impedir o naufrágio do mesmo.

Porém, a iniciativa do De Santis, de promover essas mudanças no Neorrealismo, não foi muito bem recebida naquela época, não. Ele foi bastante criticado por ter feito essas mudanças.

A Direita italiana o atacou porque ele mantinha, apesar das mudanças que promoveu, a sua fidelidade aos temas do Neorrealismo (exploração dos trabalhadores, desigualdades sociais, pobreza...). E a Esquerda o atacou porque introduzia essas novidades, típicas das produções comerciais de Hollywood, nos filmes Neorrealistas.
 
Cena de 'Senso' (Sedução da Carne; 1954), dirigido por Luchino Visconti, que retrata a época das lutas pela Unificação da Itália (1860/1870). Os jurados do Festival de Veneza de 1954 foram subornados pelo governo do PDC para que não dessem o prêmio de melhor filme à obra de Luchino Visconti, que era declaradamente marxista, sendo ligado ao PCI. Por isso ele era chamado de o 'Conde Vermelho'.

Em uma entrevista sobre 'Riso Amaro', De Santis disse o seguinte:

 "...Havia uma Itália que estava mudando naquela época, da qual nem os críticos como Guido Aristarco, nem os sindicalistas ou mesmo as trabalhadoras agrícolas, que mostravam descontentamento com o filme, estavam percebendo. Havia uma Itália que estava mudando, que foi lentamente conquistada, de forma profunda, pela cultura ultramarina, por meio da qual a colonização pela cultura americana começou. E tínhamos que dar conta disso, porque esse tipo de cultura também se aproximava desses níveis.".

É isso.

A trama do filme!

O esquema de trabalho no arrozal é baseado numa disciplina e hierarquia rígidas, com alguns capatazes organizando e comandando tudo. Para trabalhar no local, é necessário possuir a autorização do sindicato, mas um grupo de 40 trabalhadoras clandestinas também quer participar da colheita do arroz. Elas são ‘agenciadas’ por dois ‘picaretas’, que as introduzem no arrozal e que ficam com uma parte do que elas produzem. 

Os agentes das trabalhadoras clandestinas convencem os capatazes a aceitar a presença delas com base na promessa de que elas irão produzir mais do que as outras trabalhadoras (legalizadas) e que eles, capatazes, irão lucrar com isso. 

O trabalho delas é prejudicado, no entanto, pelas chuvas intensas que caem na região durante vários dias seguidos. Como a remuneração das trabalhadoras (que são pagas com arroz) está ligada à quantidade de arroz que elas colhem, quanto menos dias elas trabalharem, menor será a remuneração.

Silvana Mangano exibindo as suas belas coxas. O uso da beleza física das atrizes não era algo comum nos filmes Neorrealistas.

Com isso, elas decidem voltar a trabalhar mesmo debaixo de chuva, mas uma das trabalhadoras (Gabriella) acaba não suportando a situação e termina indo embora.

Porém, o foco principal do filme não são as relações de trabalho entre as mulheres e os seus empregadores, como seria de se esperar de um filme neorrealista típico. 

O filme acaba girando em torno de acontecimentos que envolvem uma das trabalhadoras que vai para o arrozal, que é Silvana, que é interpretada pela jovem, bela e sensual Silvana Mangano. 

A beleza física e a sensualidade explícitas de Silvana Mangano são o atrativo principal do filme, o que é algo incomum quando se trata do cinema neorrealista, que sempre se caracterizou por mostrar a realidade de pobreza, miséria, desigualdades, injustiças, privilégios e atraso que caracterizavam a Itália da época. 

A valorização da beleza física das personagens femininas é uma característica que não está presente nos filmes neorrealistas típicos. Logo, ‘Arroz Amargo’ é uma grande e solitária exceção, pelo menos no momento em que foi produzido (1949). 

Silvana em meio às trabalhadoras do arrozal. Em 'Riso Amaro', Silvana Mangano se destacou pela sua beleza e sensualidade mas, posteriormente, ela conquistou vários prêmios por suas ótimas atuações e terminou a sua carreira como uma atriz reconhecida por seu grande talento. 

Essa mudança no foco desta produção neorrealista pode estar relacionada a vários fatores, tais como: 

A) Alguém da equipe de produção do filme se apaixonou por Silvia Mangano, que estava no auge da beleza e da sensualidade em seus 19 anos. Isso, de fato, acabou acontecendo. O produtor do filme foi Dino de Laurentis, que acabou se casando com Silvana Mangano, com quem teve quatro filhos. Eles viveram juntos até 1989, quando ela faleceu.  

B) Os produtores do filme decidiram explorar a beleza de Silvana Mangano para poder faturar e lucrar mais e transformá-la em um símbolo sexual, fazendo isso em um momento no qual os filmes neorrealistas já não atraíam o interesse do público italiano; 

C) A censura que o governo Democrata-Cristão passou a promover, cortando cenas e dificultando a exibição dos filmes neorrealistas, em função do fato de que os mesmos mostravam uma realidade de pobreza e atraso, que marcavam a Itália da época, que o governo direitista e conservador, que se instalou no país em 1948, não queria que fosse mostrada nos filmes nacionais. 

Tal censura era feita por pessoas ligadas à Igreja Católica, que acusava os filmes neo-realistas de serem 'amorais' e de defenderem ideais comunistas. 

Francesca tinha uma vida marcada pelo envolvimento com o ladrão Walter, mas acabará perdendo o interesse por ele, passando a se interessar pelo honesto sargento Marco. Enquanto isso, Silvana se afastará de Marco e irá se envolver com Walter.

Assim, De Santis percebeu que não poderia explorar o tema das relações de trabalho com a importância e da maneira que gostaria. Desta forma, ele teria escolhido uma saída, também polêmica, que foi a de explorar a beleza e a sensualidade de Silvana Mangano. 

Durante o filme, a bela Silvana aparece em inúmeros momentos com diferentes partes do seu corpo à mostra: coxas, costas, ombros e braços. 

E isso é feito em diferentes cenas nas quais Silvana aparece: deitada na cama, no arrozal, em uma escada. O belo rosto e os lábios sexy e carnudos de Silvana também ficam em evidência em vários momentos. É bom ressaltar que isso não era comum no cinema produzido nesta época, muito menos nas produções neo-realistas, como já ressaltei. 

É como se De Santis tivesse decidido se vingar dos censores ligados à Igreja Católica, pensando ‘Ah, esses reacionários da Igreja Católica me pagam. Já que eu não posso mostrar a exploração das trabalhadoras do jeito que eu quero, então irei exibir o belo corpo e a sensualidade da Silvana Mangano’.

Esta é mais uma cena que destaca a beleza e sensualidade de Silvana Mangano. Mas em sua carreira ela trabalhou com cineastas consagrados (Fellini, De Sica, Visconti, Pasolini), passando a interpretar personagens cada vez mais complexos e que exigiam muito talento por parte da bela Silvana. Com isso, ela conquistou vários prêmios por suas atuações.

Independente dos motivos que o levaram a agir desta maneira, De Santis claramente dá uma grande ênfase à beleza de Silvana Mangano, embora conecte a vida desta com a situação de exploração e miséria em que ela e as trabalhadoras do arrozal vivem, até porque a personagem dela (que também se chama Silvana) era uma dessas trabalhadoras. 

Além disso, o fato de Silvana desistir de continuar trabalhando no arrozal e se ligar ao ladrão do colar (Walter), na expectativa de desfrutar de uma vida melhor, é um elemento que também estava presente nos filmes do Policial Noir, que começaram a ser produzidos na década de 1940, nos EUA. 

E não se pode esquecer que Giuseppe De Santis foi assistente de direção em 'Ossessione', de 1943, que é considerado por muitos estudiosos como o primeiro filme autenticamente Neorrealista e que foi adaptado do romance Policial Noir 'O Destino Bate à Sua Porta', de James M. Cain, que havia sido publicado em 1934. Essa influência dos filmes ‘Noir’ também está presente em ‘Arroz Amargo’, principalmente na sequência final. 

E contar uma história com tais características, de uma jovem miserável que apela para o crime a fim de melhorar de vida, era uma maneira de mostrar que a ascensão social e econômica era inviável por meio do trabalho honesto, ou seja, acabava sendo uma forte crítica à sociedade italiana.

O produtor de 'Riso Amaro' foi Dino de Laurentis, que gostava de cenas grandiosas e contratou centenas de extras. O filme concorreu ao Grande Prêmio do Festival de Cannes de 1949, bem como ao Oscar de Melhor Roteiro, em 1951.

Mas a tentativa de Silvana acabará fracassando, até porque a proposta neorrealista poderia até explicar os motivos das pessoas apelarem para atividades criminosas para poder melhorar de vida, mas não defendiam tal opção. Os cineastas neorrealistas valorizavam o trabalho, tal como também acontecia com o PCI, ao qual muitos deles eram ligados. 

Com essa crescente repressão que os filmes neorrealistas passaram a sofrer, vários cineastas ligados ao ‘movimento’ se afastaram do mesmo, enquanto que outros passaram a produzir filmes mais leves, em tom de humor, dando origem ao que se chamou de ‘Neorrealismo Rosa’

Tais filmes mostravam a situação de exploração dos trabalhadores, desemprego elevado, desigualdades sociais, pobreza e abandono das periferias, mas eles faziam isso em um tom mais leve e mais bem humorado do que as primeiras produções do Neorrealismo. Este foi o caso de ‘Le Ragazze di Piazza di Spagna’ (dirigido por Luciano Emmer, de 1952), que já foi comentado aqui no blog.

Em ‘Arroz Amargo’, Silvana acaba se envolvendo com um casal (Walter e Francesca) que está ligado ao roubo de um colar de grande valor. Eles estão sendo procurados pela Polícia em função disso. Francesca tenta conseguir trabalho no arrozal, mas ela e outras 40 mulheres são clandestinas, ou seja, querem trabalhar sem ter a autorização do sindicato para isso.

Silvana Mangano, em uma das mais belas cenas de 'Riso Amaro'.

Este fato acaba desencadeando um conflito entre Silvana e Francesca, pois a primeira denunciou a presença das trabalhadoras clandestinas no arrozal. Porém, lideradas por Francesca, estas decidiram trabalhar na colheita do arroz mesmo sem ter a devida autorização, procurando mostrar que seriam mais produtivas do que as trabalhadoras autorizadas. Mas isso faz com que elas se desgastem e cansem mais rapidamente do que as outras trabalhadoras. 

No entanto, o conflito entre Silvana e Francesca acabou por aproximar as duas, que vão se tornar amigas. Francesca acaba por contar a história da sua vida para Silvana, dizendo que havia engravidado de um homem (Walter) que se aproveitava dela e que a obrigou a abortar o bebê. Ela também diz que roubou um valioso colar de um hotel no qual havia trabalhado como empregada por ter sido convencida pelo mesmo homem.  

Silvana também conhece um militar (o sargento Marco) que se apaixona por ela, que chega a demonstrar ciúme quando a vê dançando com Walter. Porém, ela irá acabar Marco, pois vê no desonesto Walter e seu colar de milhões a grande chance de sair da vida de miséria que leva até aquele momento. Enquanto isso, Francesca é que sente-se atraída por Marco. 

Silvana usa do seu charme, beleza e capacidade de sedução para atrair o ladrão Walter, embora não perceba que este pretende usá-la para levar adiante um ambicioso plano de roubo de arroz, ou seja, quer fazer com ela o mesmo que já havia feito com Francesca.

O sargento do Exército (Marco, interpretado por Raf Vallone) é o protótipo do homem correto, fiel e honesto, com quem Silvana irá se envolver romanticamente. Mas ela o abandona para poder ficar junto com o manipulador, criminoso e mentiroso Walter.

Logo, Walter não possui nenhuma intenção de ter um relacionamento sério com Silvana, mas esta aceitou ficar noiva dele depois que o mesmo lhe deu o colar, acreditando que, desta maneira, poderia sair da miséria na qual vive. 

Nestas circunstâncias, o sargento Marco e Francesca acabam se aproximando. Afinal, Francesca quer ter uma vida correta ao lado de um homem simples, mas honesto, o que é o caso de Marco. 

Com isso, Silvana termina por se envolver em um plano de Walter, que pretende roubar a produção de arroz que está guardada no local. Eles decidem levar o plano do roubo adiante durante a realização de uma festa que será feita em homenagem às mulheres trabalhadoras do arrozal e que acontecerá com a presença do prefeito local. 

Assim, enquanto Silvana abre as comportas e desvia a atenção de todos que estão na festa, Walter e mais três picaretas (os agentes das trabalhadoras clandestinas) roubam o arroz, colocando o mesmo em dois caminhões. Mas a abertura das comportas fez com que os caminhões ficassem entalados, impossibilitando a fuga dos ladrões, que acabam sendo presos ali mesmo.

As belas coxas de Silvana Mangano, que tinha apenas 19 anos quando participou de 'Riso Amaro', são um dos principais destaques do filme, que a transformou em um símbolo sexual, chegando a ser convidada para trabalhar em Hollywood.

Além disso, Marco e Francesco descobrem sobre o plano do roubo e decidem tentar impedir que o mesmo seja levado adiante, pois se o mesmo for bem sucedido as trabalhadoras irão embora sem receber coisa alguma pelo trabalho que realizaram (elas terão direito a 40 kg de arroz cada uma, ou seja, 1 kg de arroz por cada dia trabalhado). 

Os dois casais acabam se enfrentando, com troca de tiros, e é neste momento que Silvana fica sabendo, por meio de Francesca, que o colar é falso e que o mesmo não vale coisa alguma. Sentindo-se traída, Silvana atira e mata Walter, por quem foi enganada. 

Em estado de choque e com o rosto cheio de lágrimas, ela decide colocar um fim a tudo, cometendo suicídio (outro tema que não era muito comum nos filmes neo-realistas). Essa atitude de Silvana não foi resultado, apenas, de ter sido enganada por Walter, mas também foi provocada pelo fato de que ela não acredita que poderá melhorar de vida por meio do seu trabalho. 

E as trabalhadoras a homenageiam, jogando um pouco de arroz sobre o corpo dela (coberto e sem vida). 

Não fica claro se as trabalhadoras ficaram sabendo do envolvimento de Silvana com o plano de roubar o arroz que elas haviam colhido, mas com certeza elas têm consciência de que Silvana foi mais uma vítima da exploração que sofria e da miséria na qual viveu desde que veio ao mundo. Isso ajuda a entender a identificação que elas sentem em relação à Silvana. 

Neste aspecto, o encerramento do filme está inteiramente de acordo com os cânones do Neorrealismo.

Vittorio Gassman interpreta Walter, um ladrão que faz falsas promessas para as mulheres que procura atrair, a fim de usá-las em suas atividades criminosas.

Informações Adicionais!

Título: ‘Riso Amaro’ (Arroz Amargo);
Diretor: Giuseppe De Santis;
Roteiro: Giuseppe De Santis; Carlo Lizzani; Carlo Musso; Corrado Alvaro; Gianni Puccini; Ivo Perilli; 
Ano de Produção: 1949; 
País de Produção: Itália;
Gênero: Drama; 
Duração: 104 minutos;
Música: Goffredo Petrassi;
Fotografia: Otello Martelli; 
Elenco: Silvana Mangano (Silvana); Vittorio Gasmann (Walter Granata); Raf Vallone (Marco, o militar); Doris Dowling (Francesca); Anna Maestri (Irene); Maria Grazia Francia (Gabriella); Nico Pepe (Beppe); Checco Rissone (Aristide); Adriana Sivieri (Celeste); Lia Corelli (Amelia); Dedi Ristori (Anna); Maria Capuzzo (Giulia).

Link:

Dino de Laurentis deixou marca forte na história do Cinema:

http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,dino-de-laurentiis-deixou-uma-marca-forte-na-historia-do-cinema,638453

O corpo de Silvana, após o seu suicídio, que foi resultado do seu desespero, e que foi provocado pelo fato de que ela não tinha mais esperanças de sair da miséria em que sempre viveu.

Trailer do Filme:


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