'O Grito': Filme mostra a transição do Neo-Realismo ao Existencialismo na obra de Antonioni! - Marcos Doniseti!
"O Grito" é um dos melhores filmes de Antonioni e no qual a influência do Neo-Realismo ainda era bastante evidente.
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"Il Grido" - A obra de Antonioni e o Contexto Histórico!
'Il Grido' é um belo filme de Antonioni e que representa uma transição na sua obra. Ele foi realizado em um momento histórico distinto daquele dos primeiros anos do Pós-Guerra, que era marcado por muita pobreza, miséria, fome, criminalidade, prostituição, exploração dos trabalhadores.
'Il Grido' é um belo filme de Antonioni e que representa uma transição na sua obra. Ele foi realizado em um momento histórico distinto daquele dos primeiros anos do Pós-Guerra, que era marcado por muita pobreza, miséria, fome, criminalidade, prostituição, exploração dos trabalhadores.
Antonioni começou como um documentarista e os temas que trabalhava estavam fortemente ligados ao Neo-Realismo, que foi a grande escola de muitos dos mais importantes cineastas italianos do Pós-Guerra, incluindo Federico Fellini, Roberto Rossellini, Mario Monicelli, entre outros.
Mas aqui, em 'Il Grido', Antonioni já começava a desenvolver histórias que se aproximavam das suas grandes obras existencialistas dos anos 1960, principalmente da sua chamada 'Trilogia da Incomunicabilidade' (com as obras clássicas 'A Aventura', 'A Noite' e 'O Eclipse').
'O Grito' mostra uma Itália ainda pobre e atrasada no Pós-Guerra, com favelas, pobreza, mulheres precisando se prostituir para poder se alimentar, uma força de trabalho explorada e mal remunerada. E o filme também mostra o começo de uma mudança na sociedade italiana, com grandes obras sendo realizadas, com o objetivo de se promover o desenvolvimento econômico do país, mesmo que às custas da exploração dos trabalhadores.
Análises feitas sobre a realidade econômica e social italiana do período (anos 1950) confirmam tal visão, pois elas comprovam que a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas foi o que permitiu à Itália crescer economicamente, fato este que desencadearia fortes movimentos grevistas já a partir do início dos anos 1960 e que iriam durar até o final dos anos 1970.
A trama do filme!
A trama do filme!
Mas embora o filme mostre essa situação de pobreza e de atraso no qual a Itália se encontrava na metade dos anos 1950, a trama se concentra em Aldo, um trabalhador qualificado que vive com a mulher que ama (Irma) em uma pequena e pobre vila italiana. Irma é casada, mas seu marido foi embora para a Austrália há sete anos e, neste período, ela e Aldo viveram juntos e tiveram uma filha (Rosina).
Aldo não aceita ser abandonado por Irma e a agride em público.
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Quando Irma recebe a notícia que o marido morreu, Aldo entende que essa é a sua grande oportunidade e a pede em casamento, mas justamente neste momento ela revela que já está gostando de outro e que irá abandoná-lo. Inconformado, ele a persegue e chega a estapeá-la publicamente, na frente de grande parte da população local, fato que a leva a dizer que está tudo terminado entre eles.
Desnorteado com a revelação, Aldo pega a filha (Rosina) e vai embora da vila.
E o primeiro lugar no qual ele para, é a casa de uma ex-namorada (Elvia), mas com quem não tem contato desde que iniciou seu relacionamento com Irma. Num primeiro momento, Elvia fica muito contente em recebê-lo, pensando talvez em retomar a relação com Aldo, por quem ainda nutre fortes sentimentos (ela chega a rejeitar uma tentativa feita por outro homem, que a convidara para sair em várias oportunidades).
Mas depois que Irma levou a mala dele para a casa de Elvia e contou o que aconteceu entre ela (Irma) e Aldo, Elvia percebe, claramente, que ele só apareceu ali porque o seu relacionamento com Irma desmoronou e embora ainda goste muito dele, Elvia acaba discutindo com Aldo, porque sabe que este não consegue se esquecer da ex-mulher.
Elvia, inclusive, crítica Irma pelo fato desta desprezar o amor que Aldo sente por ela. Afinal, ela é que desejava ser o objeto deste sentimento. Além disso, a irmã de Elvia (Edera) chegou bêbada em casa e 'deu em cima' de Aldo, mas este a rejeitou e, depois, ficou falando o nome de Irma, enquanto tentava dormir, o que levou Edera a rir dele.
Aldo revê uma antiga namorada, Elvia, mas não consegue esquecer Irma, o seu grande amor.
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Com isso, Aldo decide pegar a filha e seguir o seu caminho, para ir mais longe ainda, talvez acreditando que, assim, poderá esquecer de Irma. Com isso, temos uma espécie de 'road-movie' pré-existencialista de Antonioni, pois o mesmo já trata de temas que seriam dominantes em sua obra na década de 1960, como a alienação, a apatia e a anomia que afeta os personagens.
Após o fim do seu relacionamento com Irma, Aldo se torna uma pessoa apática, totalmente desinteressado da vida, sem nenhum objetivo ou meta a alcançar e que não consegue fazer com que nada ou ninguém o faça feliz. Aldo não vive e praticamente se deixa levar pela vida...
Na parada seguinte, ele se depara com a bela proprietária de um posto de gasolina de beira de estrada. Seu novo par romântico é Virginia (que é interpretada pela atriz Dorian Gray, americana, mas que foi dublada por Monica Vitti, que se tornaria a Musa dos principais filmes de Antonioni na década seguinte).
E por isso Aldo começa a trabalhar no posto, mas ele não consegue mais controlar a filha, que fica chocada quando o vê beijando Virginia e que vive perambulando com o pai de Virginia (um velho beberrão), e decide enviar Rosina de volta para casa, para viver com Irma e poder estudar.
Porém, apesar do relacionamento com Virginia estar se desenvolvendo bem, ele não consegue esquecer de Irma, o seu grande amor, e logo acaba perdendo o interesse por ela. Com isso, ele a abandona e, posteriormente, acaba cruzando o caminho de Andreina, uma jovem e bela mulher, à qual ele ajuda e com a qual também se envolve romanticamente, apesar da miséria em que vivem... moram em uma cabana e não tem nada para comer.
A bela Virginia foi a segunda amante que Aldo encontrou na vida na estrada, mas ela também não conseguiu fazer com que ele se esquecesse de Irma.
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Daí, temos uma típica sequência de uma obra Neorrealista, e que é uma das mais belas e tocantes do filme de Antonioni: Numa noite fortemente chuvosa, em que não tinham absolutamente nada para comer, Andreina sai. Aldo estranha o fato e vai atrás dela, encontrando-a num restaurante, local no qual ela se prostituía.
Percebendo a frustração de Aldo, ela, Andreina, chorando, diz para ele que ela também tem fome e que precisa comer. Decepcionado com a sua descoberta, ele a abandona. E é claro que ele ainda não esqueceu de Irma, o seu grande amor.
Depois de todas essas aventuras fracassadas, frustradas e que não o fizeram, em momento algum, esquecer de Irma, Aldo decide voltar para casa, pensando que será possível reiniciar o relacionamento com a mulher com a qual ele foi tão feliz e durante tanto tempo.
No caminho de volta ele até se encontra com Virginia, de forma acidental (no posto de gasolina), mas não há mais interesse algum da parte dele, embora ela ainda olhe para ele com carinho, algo que ela tenta disfarçar, mas que não consegue.
Andreina foi a terceira amante com quem Aldo se envolveu. Eles viviam numa miséria extrema e ela se prostituía para conseguir se alimentar. Ao descobrir isso, Aldo a abandona e tenta voltar para Irma, na vã esperança de recuperar a felicidade que desfrutou ao lado dela por sete anos.
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Ao retornar ao povoado onde foi feliz, Aldo se depara com um conflito político e social envolvendo a construção de um aeroporto militar que irá provocar a desapropriação das terras dos camponeses da região. A população local luta, ao lado dos camponeses, para impedir que isso aconteça.
É o elemento Neorrealista presente neste filme de Antonioni, mesmo com a sua obra já possuindo características tipicamente existencialistas.
Neste momento, eu gostei muito de um diálogo, no qual um dos moradores ouve que os camponeses estão bem de vida e tem uma situação muito melhor do que a dos demais moradores, mas o morador retruca, dizendo que tudo é uma questão de solidariedade.
Aqui, novamente vemos a influência do Neorrealismo presente na obra de Antonioni, algo que estará ausente nos seus filmes da década de 1960 em diante, pois a defesa da união dos trabalhadores para conseguir construir uma sociedade mais justa e igualitária é um dos elementos centrais do Neorrealismo.
Chegando ao seu velho povoado, Aldo vê a filha, Rosina, entrando em uma casa e chamando pela mãe, mas fica totalmente frustrado ao ver, pela janela, Irma cuidando de um bebê que, naturalmente, é filho dela com o seu marido.
Desesperado, ele desaparece.
A paisagem... uma espécie de personagem dos filmes de Antonioni. O tom cinzento e nublado da bela fotografia, que vemos em todo o filme, reflete o estado da alma de Aldo.
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Porém, Irma o reconhece e vai atrás dele, que se dirige ao seu antigo local de trabalho, de onde (no passado) ele conseguia ver a sua casa, sua filha e, é claro, Irma, ou seja, Aldo retorna para o local que, antigamente, era, para ele, sinônimo de felicidade.
Irma vai até o local onde Aldo está, o vê no alto de uma torre, grita, ele a vê e fica perturbado com a presença dela e, logo depois, ouvimos um barulho, de algo se chocando com o chão, e ela solta um grito...
Até hoje há um debate sobre a morte de Aldo: Afinal, ele cometeu suicídio ou não? Se levarmos em consideração toda a trama do filme, com todas as frustrações de Aldo, a resposta mais lógica será o 'Sim', mas nem todos que assistiram ao filme concordam com isso.
Este excelente filme de Antonioni mostra, claramente, uma transição na obra do mestre do Cinema italiano, quando ele ainda tinha influências claras do Neo-Realismo, mas que já antecipava as obras fundamentais da década de 1960, principalmente da 'Trilogia da Incomunicabilidade', e que são marcadas pelo Existencialismo e por temas como a alienação e a apatia.
A denúncia da exploração dos trabalhadores e a pobreza em que grande parte dos italianos vivia nos primeiros anos do Pós-Guerra está presente neste filme de Antonioni, o que é uma herança da sua fase Neorrealista.
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Informações Adicionais!
Título: Il Grido (O Grito);
Diretor: Michelangelo Antonioni;
Roteiro: M. Antonioni; Ennio De Concini; Elio Bartolini;
País de Produção: Itália; Ano de Produção: 1957;Duração: 110 minutos; Gênero: Drama;
Música: Giovanni Fusco; Fotografia: Gianni Di Venanzo;
Elenco: Steve Cochran (Aldo), Alida Valli (Irma), Betsy Blair (Elvia), Dorian Gray (Virginia), Lyn Shaw (Andreina), Mirna Girardi (Rosina), Gabriella Pallotta (Edera).Prêmios: Melhor Filme no Festival de Cinema Neorrealista de Avellino (1959);
Melhor Diretor no Festival de Locarno de 1957.
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