'O Amigo Americano': Wim Wenders fez thriller existencialista sobre a relação de 'amor e ódio' com a produção cultural dos EUA!

'O Amigo Americano': Wim Wenders fez thriller existencialista sobre a relação de 'amor e ódio' com a produção cultural dos EUA! - Marcos Doniseti!

'O Amigo Americano' (1977), de Wim Wenders, é um clássico contemporâneo que trata de vários temas, incluindo a admiração e, simultaneamente, a crítica ao Cinema extremamente comercial produzido nos EUA.

O Amigo Americano! - Sinopse!

Este belíssimo filme de Wim Wenders, que é identificado com o gênero do Neo-noir, foi o responsável por transformar o excepcional ator suíço Bruno Ganz em um grande astro. Ganz já atuava no cinema desde 1960, mas ainda não havia 'estourado'. Ele se tornou uma estrela do cinema quando já estava com 36 anos.

Assim, 'O Amigo Americano' fez justiça ao seu imenso talento.

No filme, Ganz interpreta Jonathan, um pequeno artesão, que é um modesto emoldurador de quadros. Ele é casado com Marianne (Lisa Kreuzer) e tem um filho (Daniel). E ao lado da esposa e do filho ele desfruta de uma vida simples e feliz.

Porém, tudo muda quando ele conhece Tom Ripley (Dennis Hopper), um criminoso que está envolvido na venda de pinturas de Derwatt, um pintor que se finge de morto para valorizar os seus quadros. Ripley é um cowboy solitário que está passando por uma crise existencial.

Daí, Tom Ripley descobre que Jonathan sofre de leucemia e que ele pode morrer a qualquer momento. Daí, decide lhe envolver em um negócio comandado por um mafioso francês, Raoul Minot (Gérard Blain), que lhe paga para matar dois chefões mafiosos que pertencem a grupos rivais.

E as vidas de Jonathan e de Ripley mudarão para sempre.

Cotação: Imperdível.

Wim Wenders e o Novo Cinema Alemão!

O grande ator suíço Bruno Ganz, que estaria completando 83 anos em 2024, foi um mais talentosos do cinema. 'O Amigo Americano' foi o filme que lhe transformou em um grande astro.

Wim Wenders foi um dos grandes cineastas que surgiram no âmbito do Novo Cinema Alemão ou Cinema Novo Alemão, ao lado de Rainer W. Fassbinder, Volker Schlondorff, Margarethe von Trotta, Alexander Kluge e Werner Herzog.

Wenders começou a sua carreira filmando oito curtas-metragens, entre 1967 e 1969, antes de dirigir o seu primeiro longa-metragem, que foi 'Summer in the City' ('Verão na Cidade'), em 1971, ainda em 16 mm. Todas estas produções foram feitas enquanto ele cursou a Escola Superior de Cinema e Televisão de Munique. 'Summer in the City' foi o trabalho de conclusão do seu curso.

Para se entender melhor a trajetória de Wenders é fundamental saber mais a respeito deste movimento que revolucionou o cinema da mais rica e desenvolvida nação da Europa.

A história do Novo Cinema Alemão começou em 1962, com a divulgação do 'Manifesto de Oberhausen', que foi elaborado e divulgado por 26 jovens cineastas durante a oitava edição do 'Festival Nacional de Curtas Metragens de Oberhausen'.

Este festival era organizado pelo governo alemão para estimular o desenvolvimento do cinema nacional.

Alexander Kluge discursa na apresentação do 'Manifesto de Oberhausen', em 28/02/1962, que lançou o 'Novo Cinema Alemão'.

E tal como aconteceu com inúmeros outros movimentos cinematográficos mundo afora (o Cinema Novo brasileiro, por exemplo), o movimento germânico foi muito influenciado pela Nouvelle Vague francesa, tanto que designaram o seu movimento com um nome muito parecido (Novo Cinema). 

É bom ressaltar que a década de 1960 foi bastante pródiga no processo de renovação do Cinema, com o surgimento de inúmeros 'Cinemas Novos' pelo mundo afora (Brasil, Japão, Tchecoslováquia). E em todos eles tivemos, em maior ou menor grau, a influência do Neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague francesa.

Os signatários do Manifesto de Oberhausen se propunham a produzir um novo cinema, criando uma nova linguagem, inovadora e bastante crítica em relação ao cinema comercial que era produzido até então no país mais rico e desenvolvido da Europa, mas cuja qualidade da produção cinematográfica estava muito longe de corresponder a essa riqueza material que a população do país desfrutava.

Estes novos cineastas diziam, acertadamente, que os filmes (longas-metragens) produzidos no país naquela época, que eram chamados de Heimatfilmes (pois exaltavam a pátria e a vida rural em um passado idealizado e que haviam recebido grande estímulo do regime nazista) eram superficiais e sem qualquer qualidade artística relevante e que era fundamental se promover uma mudança radical neste cenário.

Dennis Hopper e Nicholas Ray na cena de abertura de 'O Amigo Americano'. Eles voltaram a trabalhar juntos 22 anos depois de 'Juventude Transviada' (1955). Ray descobriu que estava doente pouco antes do início das filmagens e veio a falecer dois anos depois. Além de Ray, o filme contou com a participação de mais seis cineastas. E todos eles interpretaram criminosos.

Abaixo, reproduzo na íntegra o 'Manifesto de Oberhausen'!

"O colapso do cinema convencional alemão há muito tempo impede uma atitude intelectual e o rejeitamos em suas bases econômicas.

O novo cinema tem, assim, a chance de vir à vida.

Em anos recentes, curtas-metragens alemães, realizados por jovens autores, diretores e produtores, receberam inúmeros prêmios em festivais e atraíram a atenção de críticos de outros países.

Esses filmes e o sucesso por eles alcançados demonstram que o futuro do cinema alemão está com aqueles que falam uma nova linguagem cinematográfica. Como em outros países, o curta-metragem na Alemanha tornou-se um espaço de aprendizado e uma área de experimentação para o filme de longa-metragem.

Declaramos que nossa ambição é criar um novo filme de longa-metragem alemão. Este novo filme exige liberdade. Liberdade das convenções da realização cinematográfica. Liberdade das influências comerciais. Liberdade da dominação de interesses de grupo.

Nós temos ideias intelectuais, estruturais e econômicas realistas sobre a produção do Cinema Novo Alemão. Nós estamos prontos a correr os riscos econômicos. O velho cinema está morto. Nós acreditamos no novo cinema (Oberhausen, 28 de Fevereiro de 1962).".

O pequeno artesão Jonathan (interpretado pelo excepcional ator suíço Bruno Ganz) e seu filho Daniel. Ganz trabalhou em uma loja de molduras por várias semanas a fim de se preparar para o seu papel. 

Fassbinder, Herzog e Wenders! 

Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders foram os três grandes nomes que surgiram como resultado do desenvolvimento do Novo Cinema Alemão. A partir dos anos 1970 seus filmes ganharam o mundo, sendo premiados em inúmeros festivais internacionais e conquistaram o público pelo mundo afora, combinando sucesso comercial e de crítica. 

Entre os nomes que se tornaram mais conhecidos, nos anos 1970 e 1980, e que assinaram o 'Manifesto', nós tivemos Alexander Kluge e Edgar Reitz. Estes dois, juntos com Peter Schamoni, foram aqueles que, entre os signatários do 'Manifesto', conseguiram consolidar uma carreira de longo prazo.

Mas os cineastas alemães que ficaram mais famosos, inclusive internacionalmente, e que também estavam associados a este processo de renovação promovido pelo Novo Cinema Alemão, mesmo sem que tenham assinado o 'Manifesto', foram Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog, Wim Wenders, Volker Schlondorff, Alexander Kluge e Margarethe von Trotta.

Além de ser cineasta, Kluge também era um intelectual ligado à chamada Escola de Frankfurt (ele trabalhou com Theodor Adorno) e, logo, tem formação marxista. Não foi à toa, portanto, que ele levou adiante a ideia (que era originalmente de Eisenstein) de fazer um filme sobre 'O Capital' (de Karl Marx, é claro), que é o Notícias da Antiguidade Ideológica (2008) e que tem 570 minutos de duração.

Jonathan, Ripley, Gantner e Allan Winter reunidos logo após o leilão do quadro de Derwatt. Inicialmente, Jonathan desprezava Ripley, enquanto este invejava a vida simples e feliz do artesão, algo que ele, Ripley, nunca desfrutou, mas que talvez sempre tenha desejado. 

Kluge foi um dos signatários do Manifesto de Oberhausen e fez um incansável trabalho de defesa do Novo Cinema Alemão junto ao governo do país, o que resultou na criação do 'Kuratorium junger deutscher Film' (Comitê do Jovem Cinema Alemão), que daria sustentação às primeiras produções do movimento. Entre os integrantes do Kuratorium, além de cineastas, tínhamos também críticos e estudiosos de cinema.

O Kuratorium viabilizou a produção de 20 longas-metragens em apenas três anos de existência e levou à criação de escolas de Cinema e de Cinematecas por todo o país. Desta forma, a realização das obras desta nova geração de cineastas foi possível graças a um esquema de financiamento e de produção independente, o que foi resultado do 'Manifesto'.

Os dois primeiros filmes que foram produzidos nestas condições e que conquistaram reconhecimento, inclusive conquistando importantes prêmios internacionais, foram Abschied von Gestern ('Despedida de Ontem', 1966), de Alexander Kluge, que conquistou cinco prêmios no Festival de Veneza de 1966, e Der jurgen Torless ('O Jovem Torless', 1966), de Schlondorff, que recebeu o prêmio da FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema) em Cannes, também em 1966.

E também, na década de 1970, o cinema do país se beneficiou com a criação de um esquema de subsídios fornecidos pelo governo da então Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha). Este criou um fundo de financiamento para o Cinema (Filmförderungsanstalt - FFA), que era bancado com a cobrança de um imposto sobre os ingressos de cinema vendidos no país.

Ripley vai até a pequena loja de Jonathan, para encomendar uma moldura, mas o seu objetivo era conhecer o mesmo para avaliar se ele teria condições de executar o plano de Minot. 

Além disso, em 23/04/1971, Wenders se uniu a mais 12 cineastas alemães e criou uma empresa independente que buscava patrocínios para produzir e distribuir seus filmes, que foi a Filmverlag der Autoren. Nota-se a clara influência da Nouvelle Vague francesa até mesmo no nome da produtora (Cinema de Autores).

Aliás, Wenders morou em Paris, em 1966, e durante aquele ano ele se tornou um assíduo frequentador da Cinemateca local, onde afirma que assistia cinco filmes diariamente, chegando a ver mais de mil filmes apenas naquele ano.

Depois que voltou para a Alemanha, em 1967, Wenders se matriculou na Escolha Superior de Cinema e Televisão de Munique e o seu longa-metragem Summer in the City (em 16 mm) foi o seu projeto de conclusão do curso.

E enquanto frequentou o curso de Cinema, Wenders também atuou como crítico de Cinema em várias publicações alemãs, incluindo FilmKritik, Twen, Der Spiegel e no jornal diário Suddeutsche Zeitung. 

É bom lembrar que a Cinemateca de Paris também foi fundamental para o surgimento da geração que criou a Nouvelle Vague, cujos membros (Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer) sempre foram assíduos frequentadores da mesma, o que foi fundamental para a sua formação de críticos e cineastas. 

Jonathan no metrô de Paris, esperando pelo melhor momento para matar o mafioso. A sequência do assassinato dura quase 10 minutos e não tem nenhum diálogo. E durante quase todo o tempo (9 minutos) os únicos sons são os do ambiente (do metrô, escadas rolantes...). Wenders disse que 99,5% dos sons do filme foram gravados nos locais de filmagem.

Em 1974, Wenders criou a sua própria produtora, a Wim Wenders Produktion e, em 1976, criou a Road Movie FilmProduktion Inc., que produziu e coproduziu, até 2003, mais de 100 filmes de Wenders e de muitos outros cineastas.

Logo, uma das principais características do Novo Cinema Alemão é que os cineastas não apenas dirigiam, mas também produziam os seus filmes, o que lhes proporcionava uma imensa liberdade criativa.

Portanto, pode-se concluir que os cineastas alemães aprenderam muito bem a lição ensinada por Karl Marx, ou seja, se você quer ser realmente livre, então seja o dono dos meios de produção e distribuição de riquezas. Senão... 

Aliás, um dos grandes cineastas que Wim Wenders sempre admirou, e de quem era amigo, foi Godard, que em 1973 também havia criado uma produtora própria em sociedade com Anne-Marie Miéville, com quem o cineasta viveu e trabalhou por 50 anos.

Em função de todas estas iniciativas, o cinema alemão ganhou um grande impulso, conquistou um público cada vez maior, dentro e fora do país, e passou a ser bastante divulgado no mundo inteiro. E a conquista de prêmios internacionais em importantes festivais do mundo (Cannes, Veneza, Berlim) se intensificou ainda mais, é claro.

Apesar do fato de que integravam um mesmo movimento de renovação da linguagem cinematográfica, cada diretor do Novo Cinema Alemão tinha o seu próprio jeito (estilo) de trabalhar, não existindo uma unidade estética ou temática entre estes cineastas.

A primeira vítima de Jonathan lê o jornal francês 'Libération' no Metrô. Na primeira página vemos a notícia, com foto, da morte de Henri Langlois, que dirigiu a Cinemateca de Paris por várias décadas e na qual Wenders assistiu a mais de mil filmes durante o ano de 1966, quando morou na cidade. Ele também disse que começou a frequentar o local porque o mesmo tinha aquecimento, mas que acabou se apaixonando pelo Cinema. 

A respeito disso, Wim Wenders declarou o seguinte:

"O Novo Cinema Alemão não é uma categoria determinada, como o Neorrealismo na Itália ou a Nouvelle Vague na França. Não há um estilo uniforme, nem histórias em comum. Tínhamos apenas em comum uma necessidade, a de fazer filmes, de começar de novo com a realização de filmes num país em que esta cultura foi interrompida durante anos. Os autores eram, logo no início, muito diversos, por isso respeitávamo-nos e éramos solidários. Esta solidariedade foi a fonte do Novo Cinema Alemão".

Então, foi neste contexto que cineastas como os já citados Wim Wenders, Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog, Volker Schlondorff, Alexander Kluge, Margarethe von Trotta, Edgar Reitz, Peter Lilienthal, entre outros, começaram a ter as suas obras exibidas, reconhecidas e premiadas pelo mundo afora.

Desta maneira, os filmes criados por estes talentosos cineastas se tornaram o principal produto cultural de exportação da Alemanha, o que foi usado pelo governo da então Alemanha Ocidental (capitalista) para se legitimar perante a comunidade internacional, pois ela disputava com a então Alemanha Oriental (socialista) a condição de ser a 'verdadeira' Alemanha.

E sobre toda essa efervescência criativa que deu origem ao Novo Cinema Alemão, a crítica e historiadora de Cinema alemã Lotte H. Eisner (que literalmente adotou o novo movimento, ao qual passou a divulgar com entusiasmo) afirmou o seguinte em seu livro A Tela Demoníaca:

Jonathan observa se não foi seguido logo depois de sair do Metrô, onde cometeu o seu primeiro assassinato. Este foi o primeiro grande papel de Bruno Ganz no Cinema e que o transformou em um astro reconhecido internacionalmente, algo mais do que merecido, devido ao seu imenso talento.

"Herzog, Wim Wenders, Fassbinder, Hauff, Fleischmann, Kluge, Schroeter, Achternbusch e ainda muitos outros me convenceram de que os jovens alemães haviam ultrapassado as manifestações tão verborrágicas de Oberhausen e estavam aptos a fazer filmes interessantes. De onde vinha esse apogeu tão espontâneo? Então compreendi que os alemães sempre precisaram de uma certa exaltação e de um certo desespero que lhes dessem o ímpeto de se tornarem criadores. Isso se passara nos anos 20, quando uma guerra perdida, uma revolução abafada, os esfacelamentos de todos os valores devido a uma inflação inexorável puderam fazer surgir uma arte cinematográfica prodigiosa. (...) Esse mal-estar, o desprezo pelo Witschaftswunder (milagre econômico) artificial de uma sociedade de consumo reacionária e pelo materialismo que dela resulta. Causas bastante confusas, às quais se impõem, além do mais, a decepção que provocou o desvio da revolta de 1968 e criou esta desordem encarniçada, da qual os alemães sempre precisaram para fazer surgir aquele ardor indispensável que os torna criadores". 

Obs1: Esse comentário foi retirado do livro A Tela Demoníaca (página 235), de Lotte Eisner. 

O sucesso internacional dos inúmeros filmes produzidos pelos novos cineastas da Alemanha permitiu que eles desfrutassem de uma ampla liberdade criativa. 

Sobre este assunto a crítica Laura Cánepa escreveu o seguinte: 

"Tais condições (produção), em grande parte, refletiam o interesse do Estado em patrocinar filmes com base em um complexo sistema de subsídios e apoio financeiro direto, o que seria enriquecido depois pela parceria com a televisão. Esse sistema, que deu independência econômica em relação às bilheterias, permitiu-lhes trabalhar de maneira bastante pessoal e até idiossincrática, desenvolvendo trabalhos autorais e personas com status de grandes estrelas do cinema".

Obs2: Esse trecho foi retirado do capítulo Cinema Novo Alemão (página 327), que faz parte do livro História do Cinema Mundial, organizado por Fernando Mascarello (Papirus Editora).

Ripley andando sobre uma mureta é um retrato da situação em que ele se encontrava, pois dizia que sabia cada vez menos sobre quem ele era ou quem são os outros, sentindo-se cada vez mais confuso. Ele também se sentiu mal depois que conduziu Jonathan para a atividade criminosa, destruindo a pacata e feliz vida que o mesmo desfrutava com esposa e filho. 

O ano de 1972 foi decisivo para a consolidação e para a conquista do mercado internacional pelo Novo Cinema Alemão, pois neste ano tivemos a produção e o lançamento de 'O medo do goleiro diante do Pênalti' (Wim Wenders), 'As lágrimas amargas de Petra von Kant' (Rainer W. Fassbinder) e 'Aguirre: A cólera de Deus' (Werner Herzog). Estas obras divulgaram o nome destes três geniais cineastas para o mundo inteiro.

Com isso, o governo alemão decidiu investir ainda mais no setor, estabelecendo, a partir de 1974, uma parceria entre as emissoras de TV regionais (estatais) do país e a 'FFA', o órgão do governo federal que se encarregava de distribuir as verbas para a  produção dos filmes.

Desta maneira, como resultado desta parceria com a TV, inúmeros filmes foram realizados, sendo que os mesmos contavam com uma grande vantagem, que era a garantia de exibição pelas emissoras de TV alemãs.

E um dos principais frutos dessa parceria foi o filme 'O Enigma de Kaspar Hauser' (de Werner Herzog), que alcançou grande sucesso internacional e conquistou três prêmios no Festival de Cannes de 1975, incluindo o FIPRESCI e o Grande Prêmio do Júri.

Portanto, o Novo Cinema Alemão foi o grande responsável pela renovação da linguagem cinematográfica do país e pelo surgimento de novos e talentosos cineastas, que levaram os filmes alemães a conquistarem cada vez mais público e prestígio no mundo inteiro. 

Jonathan junto com a esposa (Marianne) e o filho (Daniel). Antes de se tornar um criminoso eles tinham uma vida simples, honesta e feliz, mas tudo mudou depois que ele cometeu seu primeiro assassinato.  

Der Amerikanische Freund (A trama do filme)! 

O filme Der Amerikanische Freund (O Amigo Americano), de 1977, foi o sétimo longa-metragem de Wenders e também foi a primeira coprodução internacional de sua carreira. O filme conquistou um grande sucesso internacional e abriu as portas de Hollywood para o jovem e talentoso cineasta alemão (ele tinha 32 anos quando o realizou).

O filme é uma adaptação livre de 'O Jogo de Ripley', livro policial de autoria de Patricia Highsmith. Logo, Wenders não se limitou ao conteúdo do livro, mas expandiu o mesmo, abordando temas de seu próprio interesse, que é o que fazem os grandes cineastas (Kubrick, Godard, Fassbinder, Truffaut...).

Entre os temas que observamos no filme, nós temos a paixão de Wenders pelo Cinema (daí a participação de vários diretores no mesmo, incluindo Nicholas Ray, Samuel Fuller, Jean Eustache e Gérard Blain) e a relação conflitante entre as culturas cinematográficas da Alemanha (e também da Europa) com a dos EUA, com a qual Wenders (e muitos outros importantes cineastas europeus) sempre teve uma relação de amor e ódio. 

Wenders também transformou Tom Ripley (Dennis Hopper), personagem que no livro de Highsmith é um bandido sem qualquer escrúpulo ou moral, em um criminoso que desenvolve uma crise de consciência devido ao fato dele ter levado uma pessoa comum e honesta, que é Jonathan (Bruno Ganz), para a atividade criminosa. E este último também passa por uma crise existencial.

E quem definiu muito bem o clássico filme de Wenders foi o crítico Cássio Starling Carlos, do jornal Folha de S.Paulo, que o considerou como sendo um Thriller Existencialista

Bruno Ganz e Dennis Hopper, nos fundos da loja de Jonathan. Inicialmente, os dois atores entraram em conflito, mas tudo se acertou depois de uma noite em que 'encheram a cara' juntos. 

Aliás, é bom chamar a atenção para as brilhantes interpretações dos protagonistas do filme, que são 'apenas' Dennis Hopper e Bruno Ganz. A dupla dá um verdadeiro show de atuação neste clássico de Wenders. Eles mostram, sem que precisem falar muito, a mudança pelas quais os seus personagens passam à medida que vão se conhecendo e se envolvendo com os crimes comandados por Minot.

Obs3: O fantástico ator Bruno Ganz faleceu há poucos dias (em 16/02/2019). Ele trabalhou em mais quatro filmes de Wenders, incluindo 'Asas do Desejo' e 'Tão Longe, Tão Perto'. Ganz também trabalhou com outros cineastas consagrados, incluindo Volker Schlondorff, Werner Herzog e Bille August.

Aliás, no ano anterior (1976) à produção deste filme de Wenders, Bruno Ganz havia trabalhado em um filme de Eric Rohmer (A Marquesa d'O), cineasta francês que foi um dos criadores e principais nomes da Nouvelle Vague, movimento que exerceu uma significativa influência sobre o Novo Cinema Alemão e sobre a obra de Wenders.

A trama do filme é relativamente simples, embora a obra aborde vários temas, e gira em torno da relação de amizade entre um criminoso ianque (Tom Ripley) e um pequeno artesão alemão (Jonathan Zimmermann), morador de Hamburgo, que é casado e tem um filho, levando uma vida simples e honesta.

Ripley vende as obras de um pintor (Derwatt, interpretado por Nicholas Ray) que se finge de morto a fim de valorizar os seus quadros. Enquanto isso, Ripley e um comparsa participam de leilões, na Alemanha Federal (em Hamburgo), nos quais os quadros de Derwatt são vendidos, procurando sempre puxar para cima o valor dos lances pelos mesmos.

Este esquema conta com a participação de Gantner, que participa da organização dos leilões. E depois cada um fica com uma parte dos lucros.

Daniel, filho de Jonathan, sozinho. Esta cena é um exemplo da influência visual da obra do pintor Edward Hopper sobre o filme de Wenders. Aliás, a pintura sempre foi muito presente em seus filmes.

Jonathan é um pequeno artesão, trabalhando como um íntegro e competente emoldurador e restaurador de quadros, que desfruta de uma vida simples, mas feliz, com a esposa (Marianne) e o filho (Daniel) em Hamburgo.

Jonathan vai aos leilões, pois Marianne trabalha nos mesmos (de forma honesta) e, com o tempo, ele desenvolveu um olhar clínico para as obras, conseguindo até mesmo identificar mudanças no uso das tintas por parte dos autores, mas ele critica a comercialização das obras de arte, que se transformaram apenas em uma fonte de lucro para os muito ricos, tratando aos investidores com total desprezo.

Logo, em seu filme, Wenders condena a transformação da Arte em um mero negócio, em uma fonte de lucro, e questiona se é possível evitar que isso aconteça, inclusive, com o próprio Cinema, é claro.

E no filme também vemos, logo no início, uma homenagem de Wenders para o The Doors. Isso acontece quando Ripley bate na porta do estúdio em que Derwatt trabalha e este responde 'The Doors Are Open', que é o nome de um documentário produzido pela britânica Granada TV, em 1968, sobre o grupo liderado por Jim Morrison. 

Wenders sempre gostou de Rock e em seu filme 'Alice nas Cidades' temos até uma apresentação de Chuck Berry e na qual este executa a música Memphis, Tennessee. Durante a sua carreira, Wenders irá se envolver, também, com o grupo irlandês U2, sendo que o vocalista Bono até foi um dos autores do roteiro de seu filme 'The Million Dolar Hotel' (2000). 

E no filme nós temos várias músicas de Rock que são executadas em diferentes momentos. Entre essas músicas nós temos 'Too Much in My Mind', cuja letra está diretamente relacionada com os acontecimentos da vida de Jonathan. Um trecho da letra diz o seguinte: 

"Há muito em minha mente; Há muito em minha mente; E eu não consigo dormir à noite pensando sobre isso; Eu estou pensando no tempo; Há muito em minha mente; Parece que há mais na vida do que apenas a viver.".

Ripley olha o presente que ganhou de Jonathan, a quem conduziu para o crime, mas a quem passou a respeitar posteriormente, jogando-o em uma grave crise existencial.

No filme, vemos que Ripley está a serviço de Raoul Minot, membro do crime organizado francês. Ripley tem uma dívida antiga com Minot e o mesmo o cobra por isso. Daí, eles tomam a iniciativa de tentar atrair Jonathan para a atividade criminosa. E para conseguir isso, ambos usam da grave doença (leucemia) que aflige Jonathan e que poderá matar o artesão a qualquer momento. 

Jonathan vive em um permanente estado de angústia, pois não tem a menor ideia de quanto tempo de vida ele ainda terá. Nem mesmo o médico com quem ele faz o tratamento possui condições de lhe dizer isso.

Com isso, Minot irá manipular esse sentimento de incerteza que afeta o simples, pacato e honesto artesão alemão, convencendo-o de que ele tem pouco tempo de vida e que, por isso, deve pensar em deixar algo (dinheiro, é claro) para a sua família.

Assim, Minot oferece 250 mil marcos alemães (US$ 97 mil dólares) para que Jonathan mate um mafioso francês (em Paris), acreditando que ninguém irá desconfiar que ele (Minot) está por trás do fato porque o crime seria cometido por um cidadão comum, um alemão comum e sem qualquer antecedente criminoso e a respeito do qual as máfias francesas rivais não saberiam coisa alguma.

Porém, é claro que Jonathan hesita em aceitar a proposta (ele é um cidadão simples e honesto), mas aceita e fica nervoso, pois nunca havia feito algo assim na vida, o que não acontecerá mais adiante quando é, posteriormente, convocado para cometer um segundo assassinato. A própria maneira como ele reagiu depois que cometeu o primeiro crime, sentindo-se aliviado e sorrindo, mostra que ele mudou após aquele fato. 

Ele estava se tornando outra pessoa. E embora tenha rejeitado a oferta de Minot para cometer um segundo assassinato, quando Jonathan se viu envolvido na situação, junto com Ripley, ele agiu com naturalidade, como se já fosse um criminoso de fato. Ele não hesitou em participar de mais um assassinato.

Logo, o filme mostra, brilhantemente, a maneira como aquele pacato e íntegro cidadão que é Jonathan irá, gradualmente, se transformar em um criminoso sem escrúpulos, o que Ripley também irá descobrir, mas somente no final.

Ripley ouve a gravação na qual diz 'não há nada a temer além do próprio medo', que foi dita por Franklin D. Roosevelt. Essa frase, no filme, foi fruto de um improviso feito por Dennis Hopper, pois a filmagem ocorreu em 07/12/1977, data em que, em 1941, os japoneses atacaram Pearl Harbor. 

E a sequência em que o primeiro assassinato acontece é absolutamente fantástica.

Esta sequência tem quase dez minutos de duração (ela se desenvolve entre os 47 minutos e 50 segundos e 57 minutos e 30 segundos de filme) e durante a mesma não temos nenhum diálogo. E a trilha sonora só entra depois de quase nove minutos, após o assassinato ter sido cometido.

O que temos neste período de tempo é apenas Jonathan perseguindo o seu alvo pelo metrô, durante as trocas de linhas que ele faz, até que consegue executar o crime, e ouvimos apenas o som ambiente (barulhos dos vagões de metrô, da escada rolante...).

A sequência do assassinato é fantástica e se sustenta na excelente interpretação do grande Bruno Ganz e na dinâmica das cenas, pois Jonathan e a vítima vão trocando de estações e de linhas, subindo por escadas rolantes, Jonathan cai e se corta, comete o crime e sai correndo, o que foi dito para ele não fazer, mas ele fica nervoso, pois ainda é um novato na atividade criminosa.

E para finalizar essa sequência realizada por um mestre do Cinema, quando vemos Jonathan sair do metrô a câmera o filma a partir de cima, daí ela desce e o mostra de frente.

Sensacional. 

Jonathan se prepara para cometer o seu segundo assassinato, o que para ele se tornou algo natural, fruto das mudanças pelas quais passou depois que cometeu o primeiro crime. A própria maneira como ele segura a arma já mostra que ele está se sentindo muito mais à vontade no papel de criminoso.

Thriller Existencialista! 

É claro que, depois de ter cometido o crime, Jonathan começará a mudar e iniciará seu processo de transformação em outra pessoa, sendo que este processo irá fazer com que ele passe por uma crise existencial, que o leva até a quebrar molduras (sua grande paixão até aquele momento), a mentir para a sua esposa e a ter pesadelos.

Em vários momentos nós vemos Jonathan em situações nos quais grita ou tem pesadelos com tudo aquilo que ele está fazendo e com o tipo de pessoa no qual está se transformando. E como eu já disse, tudo isso será percebido por Marianne, afinal eles vivem juntos há muitos anos.

Assim, quando Jonathan conta o que foi fazer em Paris, Marianne percebe que ele está mentindo. E é claro que ela irá cobrar isso dele, levando-os a ter um discussão que será presenciada pelo filho.

O envolvimento dele com atividades criminosas e a respeito das quais ele não diz nada para Marianne irá gerar conflitos entre ambos (trocam alguns tapas, inclusive), algo que nunca acontecera. Antes, Jonathan tinha uma vida e uma família simples e feliz e, agora, tudo começou a se desintegrar.

Porém, a mudança de personalidade não acontece apenas com Jonathan. O 'amigo americano', o criminoso sem escrúpulos que é Tom Ripley, também irá mudar bastante, mas no sentido inverso. Em seus contatos com Jonathan ele percebe que o mesmo é uma pessoa simples e honesta e, com isso, ele se arrepende de ter envolvido aquele íntegro artesão com atividades criminosas.

Em função do que fez, Ripley passa por uma crise existencial (tal como aconteceu com Jonathan quando este estava se tornando um criminoso) e de consciência, que fica bastante evidente com a brilhante atuação de Hopper, que usa da dose exata de insanidade, combinada com sarcasmo, para compor o personagem.

No início, Jonathan e Ripley tinham uma desconfiança mútua, mas acabaram se tornando amigos. Neste processo, ambos passaram por mudanças radicais de personalidade e de estilo de vida, o que levou os dois a enfrentarem uma crise existencial.

Essa mudança o levará a ajudar Jonathan no segundo assassinato, que irá acontecer a bordo de um trem, mas que ele está convencido (corretamente) de que Jonathan não conseguirá cometer. E por isso ele decide ajudar o antes pacato artesão, fato este que acontece sem o conhecimento de Minot.

E no final da história eles já se transformaram em novas pessoas.

Desta maneira, Jonathan já é um criminoso e se comporta como tivesse sido um assassino desde sempre, enquanto que Ripley deseja que Jonathan 'tome cuidado' (pois ele percebeu que o mesmo mudou bastante e já não é a mesma pessoa), ou seja, que tenha uma vida feliz e tranquila, o que é uma novidade para ele, que nunca havia se preocupado com ninguém em sua vida.

Cinema Autoral X Cinema Comercial ou Arte X Lucro! 

Este belíssimo filme de Wenders pode ser comentado e analisado sob várias perspectivas:

 - Thriller com uma trama existencialista;

 - Declaração de amor ao Cinema;

 - Defesa da Arte, repudiando a mera função comercial da mesma.

 O primeiro destes três itens eu já comentei.

Cena noturna que deixa clara a influência do Policial Noir e na qual Ripley e Jonathan (junto com Marianne) vão até o litoral para se livrar de uma prova dos crimes que cometeram. A fotografia e a trilha sonora contribuíram muito para o sucesso de 'O Amigo Americano', que foi incluído na lista de '1001 filmes para ver antes de morrer'. 

Com relação ao segundo, que é o amor de Wenders pelo Cinema, isso também fica claro quando ele escolheu sete diretores importantes para atuar em seu filme, incluindo Nicholas Ray, Samuel Fuller, Jean Eustache, Gérard Blain, Peter Lilienthal, Daniel Schmid e Dennis Hopper, é claro, que dirigiu 'Sem Destino', um importante Road Movie que influenciou a obra de Wenders.

Wenders e os cineastas do Novo Cinema Alemão (bem como outros cineastas europeus) sempre tiveram uma relação de 'amor e ódio' com a produção cinematográfica dos EUA, pois ao mesmo tempo que eles criticam a hegemonia cultural que os mesmos procuram impor ao mundo inteiro (o que Godard também faz com bastante intensidade em sua obra), eles admiram e respeitam as obras de inúmeros cineastas do país.

Assim, Wenders chegou a fazer um documentário para homenagear Nicholas Ray (que participa de O Amigo Americano) chamado Lightning Over Water (1980). Nicholas Ray faleceu em Junho de 1979, aos 67 anos, pouco tempo antes do lançamento do documentário que o homenageou.

Em Der Amerikanische Freund também fica claro que Wenders defende a produção de um Cinema, e de uma Arte, que não seja uma mera fonte de lucro.

No filme nós temos também uma mensagem claramente política da parte de Wenders. Essa pichação significa 'República Federal da Alemanha é um Estado Policial'. É bom ressaltar que, na época em que o filme foi realizado, havia conflitos entre o Estado alemão e a Fração do Exército Vermelho, grupo de Extrema Esquerda que usou da luta armada contra o sistema político e econômico do país, gerando uma feroz repressão por parte do Estado.

Assim, se levarmos em consideração que, analisando o filme de Wenders sob uma outra perspectiva, 'O Amigo Americano' (Tom Ripley) simboliza um tipo de Cinema ou de Arte que possui um caráter essencialmente corruptor, que visa apenas o lucro e não tem qualquer preocupação artística.

Portanto, Wenders condena aqueles que, tal como o personagem Allan Winter, compram quadros em leilões apenas para poder vender os mesmos para 'texanos burros', que possuem muito dinheiro, mas que não entendem absolutamente nada a respeito de Arte, com o mero objetivo de obter lucros imensos.

Enquanto isso, se analisarmos a atitude de Ripley e de Minot no sentido de tentar convencer e subornar Jonathan, para que este abandone sua vida simples e honesta (ou seja, o Cinema Autoral e a Arte sem fins lucrativos), então entendo que não estaremos muito longe da verdade. 

E quando Jonathan, no final do filme, pensa em voltar para casa e retomar a sua vida pacata, honesta e tranquila ao lado da esposa e do filho, ele não conseguirá. 

Então, entendo que a mensagem que Wenders transmite é a de que a partir do momento em que aceitou trabalhar para o mafioso Minot, tornou-se impossível para Jonathan voltar ao que era antes. A redenção não era mais possível.

Gérard Blain, ator revelado pela Nouvelle Vague que, depois, seguiu carreira de diretor, interpreta Raoul Minot, o mafioso que irá convencer Jonathan a se tornar um criminoso.

Assim, no seu filme, é nítida a defesa que Wenders faz da Arte (bem como do Cinema Autoral), que ele entende que não pode ser, simplesmente, um mero objeto de troca, que visa apenas o lucro, tal como ocorre nos leilões.

Logo, não é à toa que vemos uma referência ao filme 'A General' (1926), de Buster Keaton. 

Também temos uma cena na qual vemos um 'teatro de sombras' chinês. E também temos um zoótropo, que Jonathan dá de presente para Ripley. E vemos, depois, um taumatrópio, que é um brinquedo que permite colocar imagens em movimento, que Ripley dá como presente para Jonathan. 

Desta forma, 'O Amigo Americano' faz referências às diferentes maneiras pelas quais foram criados mecanismos que geram imagens em movimento. E o filme de Wenders fez bastante sucesso na França e na Espanha, países nos quais ele ficou por mais de um ano em exibição. 

Portanto, o filme de Wenders pode ser analisado sob várias perspectivas.

Marianne vê Ripley vibrar ao ver a ambulância explodir e se incendiar. Dennis Hopper deu ao seu personagem a dose exata de 'loucura'.

E neste aspecto o filme de Wenders me faz lembrar de outro clássico do Cinema europeu, que é Le Mépris (O Desprezo, 1963), de Godard, no qual o genial cineasta francês também faz a defesa da Arte e do Cinema Autoral e condena quem usa os mesmos apenas para lucrar, colocando Jack Palance no papel de um produtor dos EUA que deseja lucrar com uma refilmagem da Odisseia.

Na obra-prima de Godard, o cineasta alemão Fritz Lang, que trabalhou muitos anos nos EUA, é quem assume a defesa da Arte e do Cinema Autoral e condena a produção cultural que visa apenas o lucro.

A diferença entre os dois filmes é que Godard usou uma história de amor para falar sobre o assunto, enquanto que Wenders fez uso do cinema policial Noir, embora este seja voltado muito mais para o interior dos personagens. 

Então, não é à toa que Wenders é um grande admirador da obra de Godard.

E o melhor é que Wenders conseguiu fazer tudo isso ao mesmo tempo em que criou um filme excepcional, provando que é possível, sim, atuar como um autêntico artista mesmo em meio a todas as pressões feitas para que a produção cultural tenha apenas a função de gerar lucro.

O Cinema e a Arte agradecem.

Tom Ripley passa por uma crise existencial e que é agravada depois que conduziu Jonathan para o crime. 

Informações Adicionais!

Título: Der Americanische Freund (O Amigo Americano);
Diretor: Wim Wenders;
Roteiro: Wim Wenders, baseado em livro de Patricia Highsmith (O Jogo de Ripley); 
País de Produção: França e Alemanha; 
Ano de Produção: 1977;
Gênero: Drama; Policial;
Duração: 120 minutos;
Música: Jurgen Knieper;
Fotografia: Robby Muller;
Elenco: Dennis Hopper (Tom Ripley); Bruno Ganz (Jonathan Zimmermann); Lisa Kreuzer (Marianne Zimmermann); Gérard Blain (Raoul Minot); Nicholas Ray (Derwatt); Peter Lilienthal (Marcangelo); Jean Eustache (Man); Samuel Fuller (O Americano); Lou Castel (Rodolphe);

Prêmios: Melhor Filme, Diretor e Edição do cinema alemão em 1978

Curiosidades!

Wim Wenders e a atriz Lisa Kreuzer eram casados na época em que o filme foi realizado.

Este foi o primeiro filme de Wim Wenders em que uma morte foi mostrada.

A arma que Bruno Ganz carrega na sequência do primeiro assassinato, no metrô, era de verdade, pois se diz que os produtores não tinham dinheiro para comprar uma arma falsa. 

Durante o filme, Jonathan canta várias vezes a música 'Too Much on my Mind', do grupo britânico The Kinks, gravada no álbum 'Face to Face', que aparece em uma cena do filme.   

Os 97.000 marcos alemães que Jonathan recebe de Minot equivaliam, na época, a US$ 41.700 dólares. 

Wim Wenders pensou em vários títulos antes de escolher 'O Amigo Americano'. A escolha do título final se deu pela amizade que surge entre Jonathan e Ripley. 

A autora do livro, Patricia Highsmith, acabou admitindo, depois de assistir ao filme, que Wenders captou a essência do personagem Tom Ripley. 

Bruno Ganz trabalhou várias semanas em uma loja de molduras para poder interpretar Jonathan. 

Jonathan e Tom Ripley se estranharam no início, mas depois se tornaram ótimos amigos. O mesmo aconteceu entre Bruno Ganz e Dennis Hopper.

O laboratório de revelação de filmes vivia mudando a cor do filme, pois pensava que a mesma estava errada, o que levou Wenders e Robby Muller a brigarem com os responsáveis pelo fato. 

Inicialmente, Wim Wenders queria John Cassavetes para interpretar Ripley, mas ele recusou o papel e indicou Dennis Hopper. Este foi direto das Filipinas, onde filmava 'Apocalipse Now', para a Alemanha, e chegou com cabelo comprido, barba por fazer, com ferimentos e usando uniforme militar. 

Dennis Hopper gostou muito da ambulância usada no filme e a comprou depois. A ambulância incendiada no final era apenas uma réplica. 

A fala de Ripley sobre 'não há nada a temer a não ser o próprio medo' é uma referência ao discurso de Franklin D. Roosevelt feito logo após o ataque a Pearl Harbor. E a frase foi feita de improviso por Dennis Hopper, que a falou porque a cena foi filmada em 07/12/1977, mesmo dia e mês do ataque japonês. 

Nesta sequência o cineasta alemão mostra uma parte mais moderna da cidade de Paris (chamada 'La Défense') e faz uma homenagem ao clássico 'Alphaville' (1965), de Godard, pois foi nestes prédios que o cineasta franco-suíço filmou grande parte das cenas de sua obra-prima. Wenders viveu em Paris durante um ano, em 1966, e foi um frequentador assíduo da Cinemateca da capital francesa, onde diz que assistiu a cerca de 1000 filmes em apenas um ano.

Links:

Os 50 anos do 'Novo Cinema Alemão':  

http://www.dw.com/pt-br/novo-cinema-alem%C3%A3o-comemora-50-anos/a-15787565 

Novo Cinema Alemão:

http://woomagazine.com.br/historia-do-cinema-cinema-novo-alemao/ 

Wim Wenders e o Novo Cinema Alemão: 

http://portal.anhembi.br/wp-content/uploads/dissertacoes/comunicacao/2008/dissertacao_ricardo_m.pdf 

'O Amigo Americano' é um filme policial cujo visual foi inspirado nos quadros de Edward Hopper. Logo, a escolha da profissão de Jonathan (um emoldurador de quadros) não foi por mero acaso.

O "Cinema Novo' brasileiro e suas relações com o 'Novo Cinema Alemão':
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq06019908.htm

Cássio Starling Carlos e o Thriller Existencialista de Wim Wenders:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2307200616.htm
Rodolphe (interpretado por Lou Castel, que não diz uma palavra sequer no filme) ao lado da pintura 'Moça com Brinco de Pérola', de Johannes Vermeer. Wenders foi a Paris, em Outubro de 1966, para estudar Pintura, mas acabou se apaixonando pelo Cinema, e voltou para Munique, onde se formou na área. Seu filme de conclusão de curso foi o longa-metragem 'Summer in the City' (1970).

Música 'Too Much on My Mind', do The Kinks:

Trailer do filme:

Obs: O texto foi atualizado no dia 22/03/2024.

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