'La Romana': Luigi Zampa mostra as fraquezas humanas na época da Itália fascista!

'La Romana': Luigi Zampa mostra as fraquezas humanas na época da Itália fascista! - Marcos Doniseti!

  Cartaz de 'La Romana' (1954), um belo filme de Luigi Zampa, diretor que começou como um cineasta Neorrealista, mas que acompanhou as mudanças pelas quais a Itália passou no Pós-Guerra e que passou a fazer comédias e a incluir elementos existencialistas em sua obra.

'La Romana' e as suas características principais!
Este belo filme de Luigi Zampa é baseado no romance 'La Romana', de Alberto Moravia, escritor italiano que teve inúmeras obras de sua autoria adaptadas para as telas do Cinema e por importantes diretores, incluindo La Ciociara (Duas Mulheres, Vittorio De Sica; 1960) Le Mépris (O Desprezo, Jean-Luc Godard; 1963), La Noia (Vidas Vazias, Damiano Damiani; 1963), Gli Indifferenti (Os Indiferentes, Francesco Maselli; 1964) e Il Conformista (O Conformista, Bernardo Bertolucci; 1970).
Neste filme, percebe-se claramente a influência do Neorrealismo italiano, a qual o diretor Luigi Zampa era ligado, pois as desigualdades sociais, a pobreza, as injustiças e a impossibilidade de ascender social e economicamente por meio do trabalho honesto estão presentes no mesmo. Estes eram alguns dos principais temas tratados pelos filmes Neorrealistas. 

O filme de Luigi Zampa também tem uma história que envolve situações de crime e mistério, bem como uma trilha sonora e uma fotografia que são típicas de um filme Policial Noir, cuja influência sobre La Romana é bem nítida. 
Além disso, o filme também mostra o lado interior dos personagens, com suas angústias, tristezas, frustrações, sentimentos de melancolia e desejos insatisfeitos, possuindo claros elementos Existencialistas. Este é um fenômeno que estava se tornando comum no cinema italiano do período (década de 1950).

Nesta época, vários cineastas passaram a se afastar do Neorrealismo, que foi a escola cinematográfica na qual quase todos os cineastas italianos do Pós-Guerra se formaram (incluindo Zampa), e começaram a introduzir em seus filmes aspectos existencialistas, voltado para ilustrar o interior dos personagens, mostrando seus sentimentos, emoções, angústias e desejos.
A mãe de Adriana (Gina Lollobrigida) quer usar a beleza da filha para sair da pobreza na qual vivem, mas a própria Adriana tinha outros planos.

Um exemplo deste nova tendência do Cinema italiano foi o que aconteceu com a obra de Michelangelo Antonioni. Ele também começou a sua carreira realizando documentários e curtas-metragens de características Neorrealistas, mas o seu filme Il Grido (O Grito, 1957) também faz uso desta mistura de elementos distintos, neorrealistas e existencialistas. 

Esta mudança que ocorreu no Cinema Italiano dos anos 1950 se deu em função de vários fatores, incluindo um certo esgotamento da "fórmula" Neorrealista, mas isso também ocorreu porque a sociedade italiana estava passando por significativas mudanças econômicas e sociais. 
As transformações foram geradas por um rápido processo de industrialização e de urbanização que gerou um rápido crescimento econômico, que irá durar de 1954 a 1967, que refletiu na produção cultural do país. 

Além disso, o governo conservador italiano, liderado pela Democracia Cristã e sustentado pela Igreja Católica e pelo governo dos EUA, passou a perseguir e a censurar as obras dos cineastas Neorrealistas, deixando de apoiar a realização dos filmes dos cineastas ligados ao "movimento". 

O cineasta Carlo Lizzani, por exemplo, disse que não recebeu nenhum apoio do governo italiano quando manifestou interesse em produzir um filme a respeito da luta da Resistência antifascista (dos Partigiani, como eram chamados os guerrilheiros) na região norte da Itália e que foi Achtung! Banditi! (1951).  
O governo de Direita do país argumentou que aqueles fatos eram parte do passado e que a Alemanha sequer era mais inimiga da Itália, muito pelo contrário. 

E isso aconteceu mesmo existindo uma política oficial de estímulo à produção cinematográfica nacional. No fim das contas, Lizzani obteve financiamento de uma cooperativa de trabalhadores da região de Gênova para poder realizar o seu excelente filme que, inclusive, contou com a participação da mesma Gina Lollobrigida que é a estrela deste belo filme que é La Romana. Em Achtung! Banditi! ela é coadjuvante, mas tem uma significativa participação na história. 
Outro fator que contribuiu para o crescente esvaziamento do Neorrealismo é que a partir da metade dos anos 1950 também se iniciou um processo de crescimento econômico que foi, progressivamente, reduzindo a pobreza e a miséria na Itália, embora não as tenha eliminado totalmente, pois as desigualdades sociais continuaram a existir no país, como La Romana deixa bem claro.

Gisella é uma prostituta que se envolve com homens ricos e poderosos e terá um importante papel na mudança que Adriana irá promover em sua vida depois que acumulou várias frustrações amorosas. Gisella prioriza uma vida materialmente confortável, não importando a maneira como ganha o seu dinheiro. 

Mesmo com a persistência de inúmeros problemas sociais, o período que vai de 1954 a 1967, em especial, ficou conhecido como a época do 'Milagre Econômico' italiano (que foi chamado de Il Boom).

Estas significativas mudanças econômicas e sociais (industrialização, urbanização, expansão da classe média) acabaram se refletindo na produção cinematográfica italiana do período. Vários filmes da época retrataram esse momento de euforia provocado pelo rápido crescimento econômico, tais como Il Sorpasso (Dino Risi, 1962) e Il Boom (Vittorio De Sica, 1963).
Também é bom ressaltar que os protagonistas de La Romana são representações de símbolos, tais como: 

Poder (Astarita); 
Mentira (Gino); 
Violência (Sonzogno); 
Fraqueza moral (Mino);
Materialismo (Gisella).
Logo, por meio destes personagens o filme de Zampa e de Moravia (que é o roteirista e autor do livro que foi adaptado pelo cineasta) aponta aquelas que são as principais fraquezas e deficiências da sociedade e do regime Fascista. 

E é claro que a violência, o militarismo, a imoralidade e o autoritarismo do regime Fascista de Mussolini também estão presentes. No filme vemos que todos aqueles que se opõem ao Fascismo são perseguidos, presos e torturados, a oposição é proibida, tudo é censurado e fazer política é, como diz Adriana (interpretada pela bela e sensual Gina Lollobrigida), muito perigoso.

O clima de La Romana é sombrio, nebuloso, tipicamente Noir, e a bela fotografia do filme, que mostra uma Roma nublada, noturna e chuvosa reforçam esses elementos deste clássico filme de Luigi Zampa.
A bela Gina Lollobrigida foi uma das atrizes de maior sucesso do cinema italiano e europeu no Pós-Guerra. Além de La Romana (1954) ela trabalhou em outros filmes dirigidos por Zampa, incluindo Campane a Martello (1949) e Cuori Senza Frontiere (1950).

A trama do filme!
No filme, vemos que a mãe de Adriana, cansada de viver na pobreza e desolada por ver que a filha tomou um caminho que não desejava, acaba entrando em crise e passa a não ter mais qualquer vontade de continuar vivendo. Mas, de certa maneira, ela é responsável pelo rumo que a vida da filha tomou, na medida em que estimulou a mesma a viver em função de sua beleza. E foi isso que Adriana fez.
A história do filme é contada por Adriana Silenzi (Gina Lollobrigida) e se desenvolve na Itália, em 1935, durante o auge do regime Fascista de Mussolini. Adriana é a personagem central do filme e mora junto com a sua mãe, desfrutando de uma vida muito pobre.
No filme, vemos que Adriana irá se envolver com vários homens, de diferentes classes sociais e que acabam compondo um microcosmo da Itália fascista e urbana da época (1935): um trabalhador comum (o chofer Gino Molinari), um poderoso e rico líder fascista (Astarita), um criminoso (Sonzogno), um militante político antifascista (Mino Diodati) e um pintor, para o qual ela posa, e que tenta seduzir Adriana.
Todos eles irão se apaixonar pela belíssima Adriana, mas ela não conseguirá ser feliz com nenhum deles, o que acontece por diferentes motivos. 

No entanto,, a única coisa que importa para a mãe de Adriana é usar a beleza da filha como um instrumento de ascensão social. Logo, ela tenta tudo para convencer a sua bela filha a se casar com um homem rico, mesmo que não tivesse sentimento algum por ele.

A bela Gina chegou a pensar em se casar com o chofer Gino, mas ela descobriu que ele era casado e tinha uma filha. Inúmeros homens se apaixonavam por ela, mas nenhum conseguiu fazer com que ela fosse feliz.
No local de trabalho do pintor, Adriana conhece outra mulher (Gisella) que também trabalha posando para o mesmo. Gisella e Adriana ficam amigas e a primeira terá uma participação importante nos rumos que a vida de Adriana irá tomar. 
O sonho de Adriana é ter uma casa, se casar e em ter filhos, o que era exatamente o que o regime fascista de Mussolini esperava das mulheres, desejando que elas fossem 'belas, recatadas e do lar' e que tivessem muitos filhos, a fim de engrandecer a Itália que, na propaganda feita pelo regime Fascista, voltaria a ser tão poderosa quanto na época do Império Romano.

Após vários dia de trabalho, Adriana conhece um chofer, Gino Molinari, por quem acaba se apaixonando. Ele tenta enganá-la, dizendo ser um comerciante de sucesso, mas ela percebe que ele é apenas um chofer, que trabalha para uma família muito rica.

Apesar disso, ela se apaixona por Gino e chega a se tornar a sua noiva, pois pensa em se casar com ele. A mãe de Adriana fica furiosa com isso, pois diz que Gino é pobre e, assim, nem ela e tampouco a filha poderão melhorar de vida. Independente da oposição da mãe, o casamento não irá acontecer, pois mais adiante Adriana ficará sabendo que Gino já é casado e tem uma filha, acumulando outra frustração em sua caótica vida amorosa.

Astarita, um poderoso líder Fascista, era casado, mas também se apaixonou perdidamente por Adriana, com quem desejava viver. Assim, a hipocrisia e a imoralidade dos fascistas torna-se explícita.
Já no caso de Astarita, o poderoso líder fascista, que se apaixona perdidamente por ela, o mesmo também é casado, mas ele está disposto a ter Adriana na condição de amante, o que é permitido pela forte posição política que ele ocupa. Embora a bela Adriana não queira nenhum envolvimento com ele, sempre que precisar de ajuda ela irá recorrer ao mesmo, manipulando-o para conseguir o que deseja.

Outro homem com quem Adriana tem um romance intenso e por quem ela se apaixona é o militante político antifascista Mino Diodati, que é perseguido, preso, interrogado pela Polícia fascista e que termina por falar tudo o que sabe sobre os companheiros, pois ele não consegue resistir a ameaça de ser torturado, deixando claro a sua fraqueza moral. Desta maneira, o idealista, mas fraco, Mino entrará em crise existencial, passando a odiar a si mesmo e o seu final será trágico.

Enquanto isso, a amiga Gisella é uma prostituta que vive saindo com homens ricos e poderosos e justamente por isso ela está sempre muito elegante. E foi Gisella quem apresentou o também rico e poderoso líder fascista Astarita para Adriana. Astarita se apaixonou perdidamente por Adriana e quer ter essa bela mulher como sua amante, mesmo que ela se case com Gino (o que não acontecerá) e que ele também seja casado.

Em outro momento do filme, Astarita e Adriana irão juntos a um restaurante, onde bebem, comem, conversam, dançam e, depois, acabam se relacionando sexualmente. Com isso, Astarita dá uma certa quantidade de dinheiro para Adriana, mostrando o que realmente pensa a respeito dela. E Astarita será o responsável por contar a Adriana que Gino já era casado e tinha uma filha, levando-a a abandonar o chofer que a enganou.
 
Uma bela cena do clássico filme de Luigi Zampa. A história se desenvolve em 1935, no auge do regime Fascista liderado por Mussolini. Zampa realizou vários filmes importantes sobre a era Fascista, incluindo  as comédias dramáticas Vivere in Pace (Viver em Paz; 1947) e Gli Anni Ruggenti (Os Anos Felizes; 1962).
Assim, o filme de Zampa denuncia a hipocrisia dos líderes fascistas, que faziam discursos moralistas (em defesa da família) e que mantinham amantes e se envolviam com prostitutas ao mesmo tempo. E o filme também deixa claro que o regime Fascista de Mussolini não combateu a pobreza e as imensas desigualdades sociais existentes na Itália, muito pelo contrário.
Afinal, o governo de Mussolini se aliou à Burguesia e aos setores mais reacionários da sociedade italiana (Exército, Igreja, Banqueiros, Latifundiários), que mantiveram o seu poder e os seus privilégios intactos durante a longa era Fascista (1922-1943). O regime Fascista também promoveu uma brutal repressão contra o movimento operário do país. Logo, os trabalhadores continuaram vivendo na pobreza, enquanto que a Burguesia continuou tão rica quanto antes do governo fascista. Nada mudou. 
Depois que ficou sabendo a verdade sobre Gino, a bela Adriana fica desolada e diz para Gisella que deseja ser uma mulher livre e a amiga pergunta se ela quer fazer disso 'o seu trabalho', ou seja, se ela quer se tornar uma prostituta. E Adriana aceita a oferta, o que acabará sendo descoberto por sua mãe, que ao saber disso fala que não tem mais vontade de continuar vivendo.

Adriana chegará a reencontrar Gino, na mansão da rica família para a qual ele trabalha e fala que descobriu a verdade a respeito dele. Ela aproveita a situação e rouba um porta joias, que leva embora. Gino vai até a casa dela para recuperar o objeto e Adriana fala que, agora, ela é prostituta e que também se tornou uma ladra e que isso aconteceu por culpa dele.

Mino é o único homem que Adriana realmente amou, mas ela o conheceu tarde demais. Ele é um idealista e ativista político que luta contra o regime Fascista, mas que se revela um fraco quando é interrogado por Astarita, líder da Polícia Secreta fascista. 
Depois de todas estas frustrações, Adriana irá conhecer Mino Diodati, o militante antifascista, por quem ela acabará se apaixonando (e Mino por ela).
Mino é o  único que demonstra ter respeito por Adriana, mesmo sabendo da vida que ela leva, mas evita de se envolver romanticamente com ela porque é um ativista político que é perseguido pela Polícia fascista e ele teme que ela sofra as consequências caso eles iniciem um romance. 
Posteriormente, Gino a convida para um encontro e entrega uma quantia em dinheiro para Adriana e que ele obteve vendendo o porta jóias que ela havia roubado. Ele conseguiu culpar a empregada pelo roubo e a mesma acabou presa. Adriana o chama de canallha por isso e fará de tudo para consertar a situação, contando com a ajuda de um Padre, o que acabará conseguindo. 
Mino reaparece na casa de Adriana, que fica muito feliz de revê-lo. Ele está ali para lhe pedir um favor, que é guardar um pacote que contém propaganda contra o governo Fascista. 
Porém, Mino diz que isso é apenas um pretexto para poder revê-la, pois não deixou de pensar nela desde que a encontrou pela primeira vez. Ela diz que, agora, está feliz com Mino, mas o ativismo político dele leva faz com que a Polícia vá até a sua casa, atrás de material de propaganda que está escondido, mas que Adriana jogou fora antes que fosse encontrado. 
Procurado por todos os lugares pela Polícia, Mino vai (junto com Adriana) para a casa de campo de um Fascista (Giancarlo) de quem ele foi amigo por muitos anos, até que a Política os afastou. Mino diz para Adriana que gostaria de ter 'nascido outro, qualquer outro'.
Adriana e os homens de sua vida. Cada um deles representa um arquétipo: Gino é o mentiroso (figura 1); Astarita é o poderoso (figura 2); Mino é o fraco (figura 3); Sonzogno é o violento (figura 4).

Enquanto isso, Adriana lhe diz que gostaria de ser como ele, ou seja, de ter nascido em uma família rica, com uma boa educação, morar em uma bela casa, passar os verões no mar ou na montanha, bem como se casar com um homem que a amasse e tivesse filhos.

Logo, nenhum deles é feliz, rejeitando a condição em que nasceram e na qual vivem, mostrando claramente a crise existencial que os aflige. É evidente que eles jamais serão felizes, pois a força das circunstâncias é muito maior do que eles. Assim, fica claro que eles estão condenados a sofrer e a fracassar. 

No fim, o ativismo político de Mino lhe cobrará um alto preço, levando-o a ser preso e interrogado. Assim, sob ameaça de tortura, ele passa as informações que a Polícia deseja a respeito dos seus companheiros, o que fará com ele entre em conflito consigo mesmo. Mino não consegue mais encarar a si próprio e diz para Adriana que não tem mais vontade de continuar vivendo, mesmo depois que ficou sabendo que ela estava grávida dele, Mino. 

Astarita ficará sabendo da gravidez de Adriana e que o pai da criança é Mino, o que o leva a amaldiçoar o dia em que a conheceu e em que nasceu. E o fim de Astarita será trágico, o que também irá acontecer com Sonzogno e Mino. 

Tudo isso fará com que Adriana termine a sua vida sozinha, mas grávida de Mino, sendo que ela está determinada a dar um futuro digno para o filho ou filha que espera do único homem que realmente amou. E se ele for um menino irá se chamar Mino, é claro.

Adriana vai até a Igreja rezar por Mino, mas isso não irá adiantar, o que não deixa de ser uma maneira de Moravia e de Zampa demonstrarem o seu ceticismo com relação à busca por soluções religiosas para os problemas.  
Informações Adicionais!

Título: La Romana; 
Diretor: Luigi Zampa; 
Roteiro: Alberto Moravia; Giorgio Bassani, Luigi Zampa e Ennio Flaiano; Adaptado do livro La Romana, de Alberto Moravia; 
Duração: 88 minutos; 
Ano de Produção: 1954; 
País de Produção: Itália e França; 
Música: Franco Mannino e Enzo Masetti; 
Fotografia: Enzo Serafin;
Elenco: Gina Lollobrigida (Adriana Silenzi); Daniel Gélin (Mino); Franco Fabrizi (Gino Molinari); Raymond Pellegrin (Astarita); Xenia Valderi (Gisella); Renato Tontini (Carlo Sonzogno); Pina Piovani (Mãe de Adriana); Giovanni Di Benedetto (Pintor).

Informações sobre o Filme:

https://www.imdb.com/title/tt0047427/?ref_=fn_al_tt_1


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