'I Pugni in Tasca' (De Punhos Cerrados): Marco Bellocchio estreou com uma obra forte, polêmica e de impacto!
'I Pugni in Tasca' (De Punhos Cerrados): Marco Bellocchio estreou com uma obra forte, polêmica e de impacto! - Marcos Doniseti!
'I Pugni in Tasca' (De Punhos Cerrados; 1965): Filme de estreia de Marco Bellocchio promove a desconstrução da instituição familiar, o que está bem de acordo com o espírito libertário e antiautoritário dos anos 1960, do qual é um dos principais representantes no Cinema. Mas o filme também pode ser interpretado como sendo uma alegoria sobre a Itália Fascista. |
A produção de 'I Pugni in Tasca'!
"I Pugni in Tasca" foi o primeiro longa-metragem dirigido por Marco Bellocchio que, em 1965, tinha apenas 25 anos. Nas décadas seguintes ele se tornou um dos mais importantes cineastas italianos e europeus, sendo que ainda está na ativa. Ele acabou de lançar, no 'Festival de Cannes' de 2019, seu mais novo filme (Il Traditore; O Traidor), sobre o mafioso Tommaso Buscetta.
'De Punhos Cerrados' é uma das mais impressionantes estreias da história do Cinema e o filme provocou um grande impacto quando foi lançado. E se até hoje os temas que são trabalhados por Bellocchio no filme geram discussão e muita polêmica, na época, então, nem se fala.
O filme é um verdadeiro manifesto cinematográfico que ataca, sem qualquer hesitação ou piedade, aos valores burgueses, principalmente os da Tradição, Família e Propriedade. Logo, não foi à toa que 'I Pugni in Tasca' gerou tanta polêmica na época do seu lançamento.
Os valores sociais e familiares dominantes não permitem que eles possam desenvolver o seu relacionamento de forma aberta e os ataques epilépticos que ambos sofrem ocorrem em função do fato de que eles são forçados a ter que reprimir seus verdadeiros sentimentos. E fica mais do que claro, também, que as suas inúmeras brigas e discussões são aquelas que ocorrem entre dois namorados.
Porém, Giulia também deixa claro o caráter também ambicioso, embora de perfil mais discreto, de sua personalidade. Isso fica evidente quando ela fala para Alessandro que este apenas observa os acontecimentos e que se submete à autoridade de Augusto, que é quem toma a iniciativa.
Mas daí o jovem Alessandro lhe diz que havia sido o responsável pela morte da mãe, mostrando que era, sim, capaz de elaborar planos e de executá-los. Com isso, Giulia passa a ser a sua aliada nos conflitos de Alessandro com Augusto pela herança da família, ou seja, a casa no campo. Desta maneira, Alessandro conseguirá sair vitorioso deste conflito.
"I Pugni in Tasca" - Uma alegoria sobre o Nazifascismo?
Porém, além de ser um filme no qual, inegavelmente, descontrói a imagem da Família, penso que é possível interpretar esse filme de Marco Bellocchio de uma outra maneira, sendo que o mesmo seria uma grande alegoria sobre o Nazifascismo, que dominou a Alemanha, a Itália e outros países da Europa por muitos anos (entre 1922-1943 na Itália e 1933-1945 na Alemanha).
Esse domínio se deu inicialmente com a Ditadura de Mussolini, entre 1922-1943, e depois com a aliança que foi firmada entre Hitler e Mussolini em Abril de 1939 (o chamado 'Pacto de Aço') e, posteriormente, durante a chamada 'República de Saló', que foi um regime fantoche controlado pelos Nazistas alemães, no norte da Itália, e que existiu entre Setembro de 1943 e Abril de 1945.
A família integrada pela mãe, Augusto, Alessandro, Giulia e Leone seria uma espécie de microcosmo da Itália Fascista.
Assim, Alessandro seria o nazifascista que usa da violência extrema, marcada pela irracionalidade e pelo seu caráter maligno, para eliminar da sociedade aquelas pessoas que são consideradas 'bocas inúteis', como diziam os Nazifascistas, ou seja, que exigem cuidados permanentes e que nada produzem de riqueza material para a Nação (caso da Mãe e de Leone no filme). Leone também simbolizaria a oposição, pois é o único que faz observações críticas em relação ao doentio ambiente familiar.
Obs1: Um programa, chamado de "T-4", que visava exterminar pessoas que possuíam algum tipo de deficiência (física ou mental), foi efetivamente adotado pelo regime Nazista em 1939 e provocou a morte, por assassinato, de cerca de 70 mil alemães, incluindo até mesmo bebês recém-nascidos entre as suas vítimas. Ele serviu como ensaio para a chamada 'Solução Final', que levou adiante um projeto para exterminar a população de origem judaica da Europa.
Augusto, por sua vez, representaria a Burguesia, que faz vistas grossas para toda essa violência e para o caráter maligno do Nazifascismo. Assim, desde que ele, Augusto/Burguesia, possa tirar algum lucro com tudo isso ele toma a atitude de ignorar o projeto social nazifascista, que previa o extermínio de povos, 'raças' e pessoas que eram, por eles, considerados como sendo inferiores (eslavos, ciganos, judeus, comunistas, homossexuais, pessoas com algum tipo de deficiência...).
Então, isso explicar porque Augusto sabia dos planos homicidas de Alessandro com relação à mãe e a Leone, mas em nenhum momento tomou a iniciativa de tentar impedir que ele os execute. Somente depois que ele ficou sabendo que Leone foi assassinato por Alessandro é que ele reagiu, hipocritamente, dizendo que iria denunciar ao irmão assassino, mas foi impedido por Giulia, pois esta sabia que ao fazer isso ele acabaria implicando a todos nos planos criminosos de Alessandro.
Afinal, Alessandro já havia deixado uma carta, anteriormente, avisando a Augusto que ele planejava matar a todos da família em um passeio de carro, morrendo junto com os mesmos, e que faria isso para beneficiar Augusto, que assim poderia viver livremente com Lucia, sem precisar se preocupar com os doentes da família (a mãe e Leone).
Assim, Alessandro planejou matar a todos quando levou a mãe, Leone e Giulia ao cemitério da cidade. Na carta que deixou na casa, Alessandro chegou a informar que Augusto deveria cremar o seu corpo. Porém, ele desistiu de executar tal plano naquele momento.
Então, Augusto jamais poderia alegar que não conhecia quais eram os verdadeiros planos de Alessandro, tal como a Burguesia italiana nunca poderia dizer que não sabia dos planos militaristas e imperialistas de Mussolini, que sempre exaltou a violência e a guerra em seus discursos.
Giulia, por sua vez, seria uma integrante da pequena-burguesia que até simpatiza, inicialmente, com os projetos ambiciosos e expansionistas do Nazifascismo (Mussolini prometia transformar a Itália em um grande Império, por exemplo) mas que, posteriormente, se dá conta do quanto os mesmos são marcados por uma violência ilimitada e, assim, ela passa a se sentir mal por ter apoiado as iniciativas do Nazifascismo, que no filme é representado por Alessandro.
Obs2: O trecho abaixo conta o final do filme!
E o final trágico de Alessandro no final do filme representaria a derrota deste projeto nazisfascista, pois quando Augusto e Lucia vão embora da casa de campo o assassino, neurótico e amoral Alessandro acabou ficando sozinho e tendo que cuidar de uma adoentada Giulia, que não manifestava mais qualquer interesse por ele.
E logo depois Alessandro acabou morrendo, vítima de um ataque epiléptico perante o qual Giulia ficou impassível, deixando que ele morresse, embora pudesse tê-lo socorrido e salvado a sua vida.
Oras, na Itália Fascista vimos que Mussolini foi abandonado pela Burguesia e pelo povo italianos, em Julho de 1943, quando ambos apoiaram o Golpe de Estado que derrubou a Ditadura do 'Duce', que foi preso, e passaram a apoiar a formalização de um tratado de paz que colocou a Itália ao lado dos Aliados (EUA e Grã-Bretanha) na Segunda Guerra Mundial.
A Burguesia italiana abandonou Mussolini porque ela percebeu que sairia imensamente prejudicada se permanecesse ao lado do 'Duce' até o final do conflito, pois os Aliados estavam bombardeando intensamente o território italiano, destruindo suas fábricas, instalações, bem como as cidades e a infraestrutura do país, somada com o fato de que essa mesma Burgusia também poderia ser vista como aliada de um regime que era odiado pelo povo italiano.
Assim, entre ver o seu capital físico inteiramente devastado e ser odiada pelo povo italiano e derrubar Mussolini e passar para o lado dos Aliados, a Burguesia italiana escolheu a segunda opção.
Enquanto isso, no filme, o burguês Augusto percebeu, também, que continuar naquela casa de campo, vivendo com aquele criminoso e assassino que era Alessandro, seria muito prejudicial para ele, e por isso ele também o abandonou.
E durante a Guerra a classe média italiana acabou se unindo a setores de Esquerda (comunistas, socialistas) e aos Liberais na luta da 'Resistência' contra o Nazifascismo, sendo que boa parte dos chamados Partigiani (Guerrilheiros) eram originários da classe média, abandonando o Nazifascismo.
E no filme vemos como Giulia (a classe média) também abandonou ao criminoso Alessandro (o Fascismo) no final.
Logo, esse brilhante filme de estreia de Marco Bellocchio também pode ser interpretado de várias maneiras, comprovando a riqueza desta verdadeira obra de arte.
Marco Bellocchio nasceu em 09/11/1939, durante a Segunda Guerra Mundial, e estudou no 'Centro Sperimentale di Cinematografia', que foi criado em 1935, durante o regime Fascista, e depois foi estudar em Londres, na 'Slade School of Fine Arts', pois desejava viver em um país com um espírito mais cosmopolita do que a Itália dos anos 1960, que sofria uma forte influência do conservadorismo da Igreja Católica.
Aliás, Bellocchio vem de uma típica família de classe média (seu pai era advogado e a mãe era professora) extremamente católica de Piacenza, que fica entre Parma e Milão e que se localiza na região da Emília-Romagna (norte da Itália). E a casa principal, na qual vive a família que protagoniza a história do filme, foi onde o jovem cineasta Marco Bellocchio viveu em sua infância.
As filmagens duraram nove semanas e a produção custou 50 milhões de Liras (28 mil Libras Esterlinas) e Bellocchio foi muito elogiado pelo trabalho de câmera e por sua habilidade na direção, o que impressionou muito pois ele tinha apenas 25 anos quando realizou o filme.
Em função do caráter extremamente polêmico de seu roteiro, o jovem Bellocchio não conseguiu encontrar nenhum produtor que estivesse disposto a financiar o filme e, por isso, emprestou o dinheiro necessário de um irmão mais velho (Tonino) para poder realizá-lo.
Aliás, isso não deixa de ser irônico, pois o filme promove um ataque frontal à instituição familiar e um dos personagens (Alessandro) elabora planos muito incomuns e de caráter criminoso para reduzir as despesas familiares.
Este filme de Bellocchio também faz parte da Criterion Collection, sendo o de número 333 desta importantíssima coleção.
E na época do seu lançamento o filme foi comparado, por críticos franceses, com o clássico "Zero de Conduta", de Jean Vigo, e com o "A Idade do Ouro", de Luis Buñuel, enquanto que os críticos italianos disseram que desde "Ossessione", de Luchino Visconti, lançado em 1943, que eles não viam uma estreia tão poderosa.
Além disso, o filme gerou um debate de alcance nacional na Itália e do qual participaram cineastas e intelectuais do porte de Pier Paolo Pasolini, Alberto Moravia e Italo Calvino.
O filme também conta com uma bela trilha sonora, de autoria do grande Ennio Morricone, que a compôs depois de assistir a uma cópia silenciosa do filme. E temos também uma belíssima fotografia, de tons fortemente cinzentos, que realça perfeitamente o clima sombrio de 'I Pugni in Tasca'.
O filme também conta com uma bela trilha sonora, de autoria do grande Ennio Morricone, que a compôs depois de assistir a uma cópia silenciosa do filme. E temos também uma belíssima fotografia, de tons fortemente cinzentos, que realça perfeitamente o clima sombrio de 'I Pugni in Tasca'.
Portanto, com 'I Pugni in Tasca' (1965), Marco Bellocchio estreou com uma obra forte, muito bem realizada, de grande impacto, que antecipa os acontecimentos da década de 1960 (o espírito contestador do Maio de 68, em especial) e que gerou muita polêmica. Logo, 'I Pugni in Tasca' não é apenas um filme, mas uma grande obra de arte.
Uma obra de arte deve ser avaliada com base em critérios bem definidos, que são:
1) Técnica: Os recursos materiais usados para se fazer a obra;
2) Proposta: Qual é a intenção do autor da obra ao realizar a mesma?;
3) Conceito: Qual é a ideia central da obra?
4) Contexto: Qual é o contexto social, histórico ou mesmo pessoal, em que a obra foi realizada?
5) Impacto: A obra gerou algum debate ou discussão ou ela foi ignorada?
Em todos estes critérios o filme de estreia de Bellocchio se saiu muito bem, sem dúvida alguma.
Afinal, Bellocchio demonstra possuir um grande domínio da linguagem do Cinema, apresenta uma proposta inovadora e inegavelmente original, possui um conceito altamente polêmico, foi realizado em um momento que apontava para mudanças e transformações significativas na sociedade italiana e europeia, as quais o filme antecipou e, para concluir, ainda teve um impacto gigantesco, gerando um intenso debate que envolveu alguns dos principais intelectuais italianos do período.
Alessandro é egoísta e desequilibrado e envolve a belíssima irmã (Giulia) em seus planos. São dois irmãos muito próximos e que não se importam muito com as consequências de seus atos. |
A trama do filme!
A história se desenvolve em torno dos integrantes de uma família italiana decadente de classe média-alta, que vive no campo e que é altamente disfuncional, com vários dos seus membros sofrendo de doenças de caráter hereditário. A casa de campo da família se localiza nas proximidades de Siena (norte da Itália), na Emília-Romagna.
Nessa família temos uma mãe cega e que, na visão dos filhos (Augusto e Alessandro), gera muita despesa para a família, pois exige muitos cuidados e atenção, sendo que a família não tem acesso a qualquer ajuda do governo, pois eles não são pobres.
Assim, o filho mais velho, Augusto, trabalha bastante e somente pensa em ganhar dinheiro, pois está perto de se casar, mas não tem recursos para comprar um apartamento e, desta maneira, poder ir morar com a jovem esposa, na cidade.
Assim, o filho mais velho, Augusto, trabalha bastante e somente pensa em ganhar dinheiro, pois está perto de se casar, mas não tem recursos para comprar um apartamento e, desta maneira, poder ir morar com a jovem esposa, na cidade.
E ainda temos um outro filho (Leone) que tem problemas mentais, mas que é o mais lúcido de todos, percebendo claramente que faz parte de uma família de 'malucos' e de desequilibrados. Logo, de certa maneira, ele é o único ali que pode ser considerado mentalmente são. A mãe é cega e mal percebe o que acontece ao seu redor, sendo que o gato da família sobe na mesa, come a carne que é dela e a mesma nem se dá conta disso.
Os dois membros mais 'doidinhos' da família são a jovem Giulia (interpretada pela belíssima Paola Pitagora) e Alessandro, sendo que este sofre de epilepsia. O jovem Alessandro é um egoísta fracassado que odeia ter que gastar tempo, dinheiro e energia com a sua mãe e com o seu irmão doente (Leone).
Assim, ele planeja se livrar de todos, mas acaba mudando de ideia, mas posteriormente ele irá retomar os seus planos, procurando se livrar da mãe e do irmão doente (Leone). Aliás, este último, se dependesse de Alessandro, nem teria nascido, sendo que a maneira como ele se livra do irmão já deixa isso claro.
Alessandro (que é interpretado brilhantemente por Lou Castel) também nutre uma forte paixão pela sua jovem e bela irmã, a lindíssima Giulia (Paola Pitagora). E fica claro que essa relação de intimidade entre eles realmente existe, embora não tenhamos nenhuma cena muito mais forte entre os dois, pelos menos para os padrões atuais.
Os valores sociais e familiares dominantes não permitem que eles possam desenvolver o seu relacionamento de forma aberta e os ataques epilépticos que ambos sofrem ocorrem em função do fato de que eles são forçados a ter que reprimir seus verdadeiros sentimentos. E fica mais do que claro, também, que as suas inúmeras brigas e discussões são aquelas que ocorrem entre dois namorados.
Porém, Giulia também deixa claro o caráter também ambicioso, embora de perfil mais discreto, de sua personalidade. Isso fica evidente quando ela fala para Alessandro que este apenas observa os acontecimentos e que se submete à autoridade de Augusto, que é quem toma a iniciativa.
Mas daí o jovem Alessandro lhe diz que havia sido o responsável pela morte da mãe, mostrando que era, sim, capaz de elaborar planos e de executá-los. Com isso, Giulia passa a ser a sua aliada nos conflitos de Alessandro com Augusto pela herança da família, ou seja, a casa no campo. Desta maneira, Alessandro conseguirá sair vitorioso deste conflito.
Inclusive, essa relação bastante próxima entre Giulia e Alessandro ficaria mais evidente se tivesse sido exibida, na época, uma cena que Bellocchio chegou a filmar e na qual os dois irmãos chegam a se beijar. Mas, na época de lançar o filme, ele a cortou na edição final pois temia que o filme fosse censurado em função da mesma. Porém, quando o filme foi restaurado e relançado, em 2015, para ser exibido na tela grande esta cena foi incluída.
Enquanto isso, o irmão mais velho, Augusto (que é o único da família que trabalha), percebe claramente tudo o que acontece de incomum em sua família de 'malucos', mas a sua postura é a de 'olhar para o outro lado', como se não percebesse coisa alguma.
Enquanto isso, o irmão mais velho, Augusto (que é o único da família que trabalha), percebe claramente tudo o que acontece de incomum em sua família de 'malucos', mas a sua postura é a de 'olhar para o outro lado', como se não percebesse coisa alguma.
Augusto e Lucia, sua noiva, planejam se casar, mas não tem o dinheiro necessário para comprar um apartamento na cidade. |
Augusto age desta maneira porque se dá conta que irá se beneficiar dos atos criminosos de seu irmão Alessandro, que é aquele que menos esconde os seus verdadeiros sentimentos e intenções, e fala dos seus planos homicidas para Augusto, a quem trata como se fosse o patriarca da família.
Logo, Augusto é, de fato, o único membro da família a quem Alessandro demonstra respeito. Já os outros... Alessandro é um jovem membro raivoso e desequilibrado que despreza os valores pequeno-burgueses da sua família, procurando mostrar que eles são apenas mera fachada que escondem desequilíbrios profundos na mesma.
Este filme pode ser considerado uma espécie de manifesto anti-TFP (Tradição, Família e Propriedade). E temos uma cena que deixa claro esse desprezo, de Alessandro e Giulia, por tais valores pequeno-burgueses, quando eles decidem queimar bens antigos da família (móveis, quadros...), mesmo que ainda sejam valiosos.
Aliás, quem se dá conta do caráter subversivo dessa iniciativa é Leone que, supostamente, seria a pessoa que, em função de sofrer de algum tipo de distúrbio mental, não conheceria reconhecer o que acontece em sua família. Tal como Leone, o ambicioso Augusto também percebe o que acontece, mas decide a tudo ignorar, pois o que lhe interessa é comprar o apartamento na cidade.
Assim, Augusto percebe que quando Alessandro decidiu matar a própria mãe e o irmão doente (Leone) ele acabaria se beneficiando, pois assim terá o dinheiro necessário para comprar o seu sonhado apartamento na cidade, podendo romper em definitivo os seus laços com aquela família de 'doidos varridos', degenerados e doentes.
Este filme pode ser considerado uma espécie de manifesto anti-TFP (Tradição, Família e Propriedade). E temos uma cena que deixa claro esse desprezo, de Alessandro e Giulia, por tais valores pequeno-burgueses, quando eles decidem queimar bens antigos da família (móveis, quadros...), mesmo que ainda sejam valiosos.
Aliás, quem se dá conta do caráter subversivo dessa iniciativa é Leone que, supostamente, seria a pessoa que, em função de sofrer de algum tipo de distúrbio mental, não conheceria reconhecer o que acontece em sua família. Tal como Leone, o ambicioso Augusto também percebe o que acontece, mas decide a tudo ignorar, pois o que lhe interessa é comprar o apartamento na cidade.
Assim, Augusto percebe que quando Alessandro decidiu matar a própria mãe e o irmão doente (Leone) ele acabaria se beneficiando, pois assim terá o dinheiro necessário para comprar o seu sonhado apartamento na cidade, podendo romper em definitivo os seus laços com aquela família de 'doidos varridos', degenerados e doentes.
"I Pugni in Tasca" - Destruindo a imagem da família tradicional!
Desta maneira, Bellocchio realizou uma obra que destrói a imagem tradicional da instituição familiar, o que está bem de acordo com o espírito libertário e abertamente antiautoritário que vigorou nos anos 1960 e que foi antecipado por Bellocchio neste polêmico 'I Pugni in Tasca'.
Muitos críticos, inclusive, chegaram a dizer que o filme antecipa o espírito jovem, contestador e revolucionário do Maio de 68 em função destas características o que, de fato, aconteceu.
E o próprio cineasta afirmou que fez este filme para exorcizar demônios de seu próprio passado e que procurou apresentar os mesmos de forma objetiva e crítica, o que nos leva a questionar o quanto esse polêmico filme possui de elementos autobiográficos.
Bellocchio disse que, quando adolescente, era obrigado por sua família a frequentar a Igreja e a assistir filmes religiosos (sobre santos, milagres e batizados) que o entendiavam. Então, de certa maneira, ele usou 'I Pugni in Tasca' para fazer uma espécie de acerto de contas com a tradicional e hipócritas famílias da pequena-burguesia italiana.
Afinal, para Bellocchio, 'filmar é uma forma de comunicar diretamente com as pessoas' e, é claro, cabe aos próprios cineastas escolher a respeito de qual é a melhor maneira de fazer isso. E o jovem Bellocchio escolheu um caminho que era marcado pela ousadia, inovação e pela radicalização política, ideológica, estética e formal.
Aliás, esse espírito bastante politizado e libertário está presente em muitos outros filmes que foram dirigidos por Marco Bellocchio posteriormente, como em 'Nel Nome del Padre' (1971), sobre a Igreja Católica, 'A China está Próxima', sobre a forte atração exercida pelo maoísmo junto à segmentos da juventude esquerdista radical europeia da época (da qual Bellocchio era simpatizante), e 'O Monstro na Primeira Página' (1972), sobre a Grande Mídia mentirosa e manipuladora.
Outro excelente filme político de Marco Bellocchio é 'Buongiorno, Notte' (Bom Dia, Noite), e que trata de um tema importante para a história italiana, que foi o sequestro e assassinato de Aldo Moro pelas Brigate Rosse (Brigadas Vermelhas) em Abril de 1978.
Bellocchio esteve no Brasil, em 2016, participando da 43a. Mostra de Cinema de São Paulo e, na ocasião, ele disse que atualmente ele e o povo italiano estão muito sem esperança com relação à política, sendo que o índice de abstenção nas eleições realizadas no país chegam a 50%, enquanto que nos anos 1960 o índice de participação era de 90%.
Independente desta desilusão, o fato é que a obra de Bellocchio é bastante relevante para o Cinema italiano e europeu e, sem dúvida alguma, merece ser melhor conhecida pelos cinéfilos.
"I Pugni in Tasca" - Uma alegoria sobre o Nazifascismo?
Porém, além de ser um filme no qual, inegavelmente, descontrói a imagem da Família, penso que é possível interpretar esse filme de Marco Bellocchio de uma outra maneira, sendo que o mesmo seria uma grande alegoria sobre o Nazifascismo, que dominou a Alemanha, a Itália e outros países da Europa por muitos anos (entre 1922-1943 na Itália e 1933-1945 na Alemanha).
Esse domínio se deu inicialmente com a Ditadura de Mussolini, entre 1922-1943, e depois com a aliança que foi firmada entre Hitler e Mussolini em Abril de 1939 (o chamado 'Pacto de Aço') e, posteriormente, durante a chamada 'República de Saló', que foi um regime fantoche controlado pelos Nazistas alemães, no norte da Itália, e que existiu entre Setembro de 1943 e Abril de 1945.
A família integrada pela mãe, Augusto, Alessandro, Giulia e Leone seria uma espécie de microcosmo da Itália Fascista.
Assim, Alessandro seria o nazifascista que usa da violência extrema, marcada pela irracionalidade e pelo seu caráter maligno, para eliminar da sociedade aquelas pessoas que são consideradas 'bocas inúteis', como diziam os Nazifascistas, ou seja, que exigem cuidados permanentes e que nada produzem de riqueza material para a Nação (caso da Mãe e de Leone no filme). Leone também simbolizaria a oposição, pois é o único que faz observações críticas em relação ao doentio ambiente familiar.
Obs1: Um programa, chamado de "T-4", que visava exterminar pessoas que possuíam algum tipo de deficiência (física ou mental), foi efetivamente adotado pelo regime Nazista em 1939 e provocou a morte, por assassinato, de cerca de 70 mil alemães, incluindo até mesmo bebês recém-nascidos entre as suas vítimas. Ele serviu como ensaio para a chamada 'Solução Final', que levou adiante um projeto para exterminar a população de origem judaica da Europa.
Augusto, por sua vez, representaria a Burguesia, que faz vistas grossas para toda essa violência e para o caráter maligno do Nazifascismo. Assim, desde que ele, Augusto/Burguesia, possa tirar algum lucro com tudo isso ele toma a atitude de ignorar o projeto social nazifascista, que previa o extermínio de povos, 'raças' e pessoas que eram, por eles, considerados como sendo inferiores (eslavos, ciganos, judeus, comunistas, homossexuais, pessoas com algum tipo de deficiência...).
Então, isso explicar porque Augusto sabia dos planos homicidas de Alessandro com relação à mãe e a Leone, mas em nenhum momento tomou a iniciativa de tentar impedir que ele os execute. Somente depois que ele ficou sabendo que Leone foi assassinato por Alessandro é que ele reagiu, hipocritamente, dizendo que iria denunciar ao irmão assassino, mas foi impedido por Giulia, pois esta sabia que ao fazer isso ele acabaria implicando a todos nos planos criminosos de Alessandro.
Afinal, Alessandro já havia deixado uma carta, anteriormente, avisando a Augusto que ele planejava matar a todos da família em um passeio de carro, morrendo junto com os mesmos, e que faria isso para beneficiar Augusto, que assim poderia viver livremente com Lucia, sem precisar se preocupar com os doentes da família (a mãe e Leone).
Assim, Alessandro planejou matar a todos quando levou a mãe, Leone e Giulia ao cemitério da cidade. Na carta que deixou na casa, Alessandro chegou a informar que Augusto deveria cremar o seu corpo. Porém, ele desistiu de executar tal plano naquele momento.
Então, Augusto jamais poderia alegar que não conhecia quais eram os verdadeiros planos de Alessandro, tal como a Burguesia italiana nunca poderia dizer que não sabia dos planos militaristas e imperialistas de Mussolini, que sempre exaltou a violência e a guerra em seus discursos.
Giulia, por sua vez, seria uma integrante da pequena-burguesia que até simpatiza, inicialmente, com os projetos ambiciosos e expansionistas do Nazifascismo (Mussolini prometia transformar a Itália em um grande Império, por exemplo) mas que, posteriormente, se dá conta do quanto os mesmos são marcados por uma violência ilimitada e, assim, ela passa a se sentir mal por ter apoiado as iniciativas do Nazifascismo, que no filme é representado por Alessandro.
Obs2: O trecho abaixo conta o final do filme!
E o final trágico de Alessandro no final do filme representaria a derrota deste projeto nazisfascista, pois quando Augusto e Lucia vão embora da casa de campo o assassino, neurótico e amoral Alessandro acabou ficando sozinho e tendo que cuidar de uma adoentada Giulia, que não manifestava mais qualquer interesse por ele.
E logo depois Alessandro acabou morrendo, vítima de um ataque epiléptico perante o qual Giulia ficou impassível, deixando que ele morresse, embora pudesse tê-lo socorrido e salvado a sua vida.
Oras, na Itália Fascista vimos que Mussolini foi abandonado pela Burguesia e pelo povo italianos, em Julho de 1943, quando ambos apoiaram o Golpe de Estado que derrubou a Ditadura do 'Duce', que foi preso, e passaram a apoiar a formalização de um tratado de paz que colocou a Itália ao lado dos Aliados (EUA e Grã-Bretanha) na Segunda Guerra Mundial.
A Burguesia italiana abandonou Mussolini porque ela percebeu que sairia imensamente prejudicada se permanecesse ao lado do 'Duce' até o final do conflito, pois os Aliados estavam bombardeando intensamente o território italiano, destruindo suas fábricas, instalações, bem como as cidades e a infraestrutura do país, somada com o fato de que essa mesma Burgusia também poderia ser vista como aliada de um regime que era odiado pelo povo italiano.
Assim, entre ver o seu capital físico inteiramente devastado e ser odiada pelo povo italiano e derrubar Mussolini e passar para o lado dos Aliados, a Burguesia italiana escolheu a segunda opção.
Enquanto isso, no filme, o burguês Augusto percebeu, também, que continuar naquela casa de campo, vivendo com aquele criminoso e assassino que era Alessandro, seria muito prejudicial para ele, e por isso ele também o abandonou.
E durante a Guerra a classe média italiana acabou se unindo a setores de Esquerda (comunistas, socialistas) e aos Liberais na luta da 'Resistência' contra o Nazifascismo, sendo que boa parte dos chamados Partigiani (Guerrilheiros) eram originários da classe média, abandonando o Nazifascismo.
E no filme vemos como Giulia (a classe média) também abandonou ao criminoso Alessandro (o Fascismo) no final.
Logo, esse brilhante filme de estreia de Marco Bellocchio também pode ser interpretado de várias maneiras, comprovando a riqueza desta verdadeira obra de arte.
Informações Adicionais!
Título: I Pugni in Tasca (De Punhos Cerrados);
Diretor: Marco Bellocchio;
Roteiro: Marco Bellocchio;
Gênero: Drama;
Música: Ennio Morricone;
Fotografia: Alberto Marrama;
Duração: 109 minutos;
Ano de Produção: 1965;
País de Produção: Itália;
Elenco: Lou Castel (Alessandro); Paola Pitagora (Giulia); Marino Masé (Augusto); Liliana Gerace (Mãe); Pier Luigi Troglio (Leone); Stefania Troglio (empregada); Gianni Schicchi (Tonino); Jeannie McNeil (Lucia); Irene Agnelli (Bruna); Celestina Bellocchio (Garota na Festa); Gianfranco Cella (Garoto na Festa); Alfredo Filippazzi (Médico).
Prêmios: Melhor Filme no Festival de Locarno (Suíça) em 1965.
Prêmio Cidade de Ímola para Marco Bellocchio no Festival de Veneza de 1965.
Links:
Textos sobre o filme:
Filme na íntegra no Youtube (legendas em espanhol):https://www.youtube.com/watch?v=5u7D-Vhv7PE
Trailer do Filme:
Texto sobre o Fascismo italiano:
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/fascismo-italiano---politica-externa-expansionismo-e-formacao-do-eixo.htm
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